domingo, julho 16, 2017

O FUTURO PERFEITO (El Futuro Perfecto)

É muito bom poder se deparar com um filme tão estranho quanto atraente quanto O FUTURO PERFEITO (2016), da diretora alemã radicada na Argentina Nele Wohlatz. Isso porque o tom às vezes bressoniano de interpretação dos intérpretes (e um elenco formado por não-atores) acaba se tornando familiar até para um público menos familiarizado com um tipo de cinema mais hermético. Isso porque tanto pode lembrar os role-playing games das aulas de línguas, quanto a vida de uma pessoa inocente em uma terra distante, o que até lembra, em alguns momentos, a Macabeia, de A HORA DA ESTRELA.

Mas o caso de Xiaobin, que adota na Argentina o nome Beatriz, é ainda mais complicado, já que ela chega àquela terra estranha sem saber nenhuma palavra do espanhol. Seus pais não se interessam em se integrar àquela sociedade, pois planejam ganhar dinheiro e voltar para a China e por isso só falam em mandarim, na empresa de lavanderia que cuidam. Mas a menina de 17 anos não: ela quer se adaptar àquele mundo novo. E para isso ela procura empregos simples e também cursos para aprender o espanhol. Até porque no primeiro trabalho ela não entendia nada o que os clientes estavam falando e isso lhe custou um emprego.

É possível também se identificar com a personagem se em algum momento da sua vida você já se sentiu excluído ou um peixe fora d´água. Daí é possível entender um pouco a atração que Beatriz sente pelo rapaz indiano que demonstra interesse nela. Os dois estão unidos pela exclusão social. A cena do cinema, quando ele pede para casar com ela e ambos dizem que não estão entendendo o filme, é bem representativa dessa situação incômoda.

Interessante notar que Beatriz vai se tornando mais inteligente e mais esperta à medida que suas aulas de espanhol progridem. Se antes tudo era muito simples nas aulas, como dizer o nome de objetos ou das partes do corpo humano ou de eventos relacionadas ao passado ou ao presente dela, a coisa se tornaria mais complexa quando a professora introduz o estudo do condicional, com o verbo no que a gente chama em português de futuro do pretérito.

Assim, o futuro passa a ser visualizado em uma série de possibilidades. E se o rapaz indiano for casado, o você faria? E se seus pais descobrirem e não gostarem do rapaz, o que aconteceria? E se você viajar para a Índia, como seria? Assim, as imagens surgem na tela quase como verdades, embora saibamos que estamos diante de jogos de imagem a partir dos pensamentos de Beatriz.

Interessante vermos mais um filme que mostra o quanto a linguagem é capaz de modificar o futuro das pessoas. Vimos recentemente uma obra ambiciosa sobre o tema no registro de ficção científica, A CHEGADA, de Denis Villeneuve. Agora temos um filme bem mais modesto, principalmente em seu orçamento, minúsculo, mas que ganha uma dimensão enorme no que tange à reflexão sobre as influências da linguagem na vida e na mente de uma pessoa, no quanto isso pode aumentar as fronteiras. Claro que também não é só isso, pois há toda uma angústia que sentimos ao ver a história pela ponto de vista de Beatriz. E terminar do jeito que terminou também faz com que O FUTURO PERFEITO fique conosco após a projeção.

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