quinta-feira, junho 01, 2017

A GAROTA DESCONHECIDA (La Fille Inconnue)


Embora A GAROTA DESCONHECIDA (2016) tenha sido recebido com alguma frieza e seja encarado como uma obra menor ou mesmo um deslize na filmografia dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, não há como negar que se trata de uma obra que carrega explicitamente o DNA dos criativos irmãos, e um filme que dialoga bastante com seus trabalhos anteriores, especialmente o imediatamente anterior, DOIS DIAS, UMA NOITE (2014), inclusive pela estrutura semelhante.

Troca-se a busca desesperada pelo emprego perdido em um mundo cruel em que o capital está acima dos valores humanos pelo mesmo mundo cruel, mas um mundo cruel que, dessa vez, trata imigrantes pobres como lixo. Por mais que saibamos que não tenha sido essa a intenção de Jenny Davin, a personagem de Adèle Haenel (FACES DE UMA MULHER), tratar como lixo a mulher que aparece em seu consultório médico após o horário de encerramento do expediente, há toda uma questão social que vem à tona e Jenny se transforma numa espécie de representação do que seria a culpa de toda uma sociedade rica europeia frente aos imigrantes pobres, que só estão ali porque seus locais de origem foram saqueados e destruídos por essas pessoas que agora vivem em situação mais abastada.

Não abrir a porta para aquela garota desconhecida resultou em seu assassinato. Ela estava fugindo de alguma pessoa e agora Jenny se sente culpada e quer ao menos descobrir a identidade dessa mulher para que a família seja notificada e e jovem falecida não seja enterrada como indigente. A busca de Jenny é de natureza exagerada até, chegando até mesmo a correr risco de ser morta, caso dê de cara com o responsável pelo assassino em sua caminhada, que vai ficando muito mais importante do que sua rotina de trabalho como médica.

A trajetória de Jenny lembra um pouco também a do menino Cyrill, de O GAROTO DA BICICLETA (2011), na busca pelo pai. Tão próximos um dos outro, os três filmes até formariam uma espécie de trilogia da busca dos cineastas belgas. E, assim como esses e os demais trabalhos dos realizadores, A GAROTA DESCONHECIDA também opta por um registro muito simples na direção de arte e no uso bastante econômico da música. Aliás, o fato de quase não haver música nessas obras contribui bastante para que elas conquistem o interesse do espectador através do desconforto e da tensão gerada por esses silêncios. Não há também um interesse, por parte dos Dardennes, em criar falas memoráveis. As falas são próximas da vida real, sem floreios, mas tão contundentes quanto uma pedrada.

A GAROTA DESCONHECIDA foi mais um dos títulos da excelente safra apresentada no Festival de Cannes do ano passado.

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