segunda-feira, fevereiro 27, 2017

OSCAR 2017























Foi a pior das edições em muito tempo. Mas certamente será a que ficará mais viva na memória dos espectadores, por causa do ocorrido na entrega do prêmio final, de melhor filme do ano. Se costumamos dizer que esquecemos com facilidade os vencedores das edições passadas, certamente não esqueceremos da deste ano, da confusão que fez com que toda a equipe de LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES subisse ao palco para receber o prêmio principal e, em seguida, já depois de dois discursos de agradecimento, alguém chegar e dizer que houve um erro: o vencedor é MOONLIGHT – SOB A LUZ DO LUAR!

Essa situação constrangedora tem rendido ainda bastante nas redes sociais e nos noticiários. Não é pra menos. Nada parecido aconteceu até então. Inusitado. E muito similar ao que aconteceu em uma edição do Miss Universo. Curiosamente, como LA LA LAND é um filme que fala sobre sonhos e sobre a realidade dura, e quem viu o filme sabe do final que tenta refazer uma realidade que não pode ser refeita, o ocorrido na premiação não deixa de ser uma ironia.

Já se sabia do favoritismo de LA LA LAND. E também se sabia que o filme mais provável a tirar o prêmio do musical seria o drama independente MOONLIGHT. Só não se esperava que fosse dessa maneira. No fim das contas, foi constrangedor para todos. O coitado do host, Jimmy Kimmel, chegou a dizer "Eu prometo que nunca mais volto". Também ficou ruim para os apresentadores do prêmio, ninguém menos que o casal de BONNIE E CLYDE – UMA RAJADA DE BALAS, Warren Beatty e Faye Dunaway. Assim como ficou chato para quem estava lá já agradecendo e para a equipe de MOONLIGHT, que teve que fazer seus agradecimentos às pressas, diante do tumulto que se formou.

Tirando isso, o Oscar 2017 foi uma das mais entediantes edições em muito tempo, apesar de começar alegre, com show do Justin Timberlanke, já adiantando uma das indicadas a melhor canção. Mas justamente por ser uma premiação que poderia brincar mais com a música e com a dança, por causa de LA LA LAND, deixaram de aproveitar a chance de trazer Ryan Gosling e Emma Stone para cantar as suas canções do filme, que são ótimas e que foram indicadas. Em vez disso, John Legend cantou uma versão condensada das duas canções. Acabou estragando as músicas.

Foi uma cerimônia que já começou marcada por certa falta de organização. Durante a apresentação de melhor documentário, as meninas de ESTRELAS ALÉM DO TEMPO chegam no palco com uma das retratadas no filme, uma senhora de 98 anos, que foi interpretada por uma delas. A senhora, na cadeira de rodas, fala apenas um obrigado e elas não fazem ideia do que fazer com a nobre idosa, a não ser seguindo os anunciados da categoria.

As brincadeiras com os turistas que "invadem" o auditório de surpresa e com os doces que caem de mini-paraquedas soaram apenas bobas e pouco divertidas, assim como faltou um apresentador que tenha deixado uma marca forte, coisa que aconteceu na edição do último Globo de Ouro, que, além de tudo, conseguiu ser bem mais política do que o Oscar prometia ser. No máximo, Kimmel fez uma brincadeira envolvendo o twitter do Donald Trump, ou ouvimos a carta deixada por Arghar Farhadi, por conta da imposição do presidente de barrar pessoas de determinadas nacionalidades, inclusive do Irã, em território americano.

Foi pouco. As presenças sob os holofotes de Casey Affleck (vencedor do Oscar de ator por MANCHESTER À BEIRA-MAR) e de Mel Gibson (cujo drama de guerra ATÉ O ÚLTIMO HOMEM ganhou dois prêmios) foram motivo para polêmicas de quem não consegue conviver com a presença dos dois, devido aos históricos envolvendo agressão ou assédio a mulheres. Como o Oscar morde e assopra, ao mesmo tempo em que abraça esses dois artistas, também valoriza o trabalho de artistas negros, inclusive dando o prêmio de melhor filme para MOONLIGHT.

Quanto às premiações, não devemos falar em injustiças em se tratando de Oscar, mas não deixa de ser mesmo muito estranho uma estrela do porte de Isabelle Huppert estar ali e perder para a Emma Stone. Como é uma festa do cinema americano, porém, há que se dar o devido desconto. Além do mais, Oscar raramente tem a ver com merecimento. Em termos de vencedores, até que houve uma boa distribuição de prêmios para quase todos os indicados. Poucos da categoria principal saíram sem levar nada. Enfim, tudo isso parece que vai ficar no esquecimento, mas os minutos finais, esses sim, já entraram como os mais antológicos da história da premiação.























Os premiados

Melhor Filme – MOONLIGHT – SOB A LUZ DO LUAR
Direção – Damien Chazelle (LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES)
Ator – Casey Affleck (MANCHESTER À BEIRA-MAR)
Atriz – Emma Stone (LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES)
Ator Coadjuvante – Marheshala Ali (MOONLIGHT – SOB A LUZ DO LUAR)
Atriz Coadjuvante – Viola Davis (UM LIMITE ENTRE NÓS)
Roteiro Original – MANCHESTER À BEIRA-MAR
Roteiro Adaptado – MOONLIGHT – SOB A LUZ DO LUAR
Fotografia – LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES
Montagem – ATÉ O ÚLTIMO HOMEM
Trilha Sonora Original – LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES
Canção Original - "City of Stars", de LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES
Mixagem de Som – ATÉ O ÚLTIMO HOMEM
Edição de Som – A CHEGADA
Efeitos Visuais – MOGLI – O MENINO LOBO
Design de produção –LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES
Figurino – ANIMAIS FANTÁSTICOS E ONDE HABITAM
Maquiagem e cabelos – ESQUADRÃO SUICIDA 
Filme Estrangeiro – O APARTAMENTO (Irã)
Longa de Animação – ZOOTOPIA – ESSA CIDADE É O BICHO
Curta de Animação – PIPER – DESCOBRINDO O MUNDO
Curta-metragem – MINDEKI
Documentário – OJ: MADE IN AMERICA
Curta Documentário – OS CAPACETES BRANCOS


domingo, fevereiro 26, 2017

OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ (Les Beaux Jours d'Aranjuez)























Ao que parece o Wim Wenders que a gente conheceu nos anos 1970 e 1980 morreu há muito tempo. O que vive hoje é uma sombra do que foi, embora ainda consiga fazer bons documentários, como PINA (2011) e O SAL DA TERRA (2014). Esses dois filmes, aliás, comprovam o gosto do cineasta alemão por diferentes expressões artísticas, como a dança e a fotografia. Logo, se Wenders perdeu a mão em comparação com o que foi em sua fase áurea, pelo menos seu interesse pelas artes tem motivado o diretor para desenvolver projetos interessantes.

OS BELOS DIAS DE ARANJUEZ (2016), seu mais recente trabalho, é uma experimentação que une teatro (já que é baseado em uma peça) com literatura (pois é muito dependente da palavra e há uma história dentro da história narrada por um escritor-deus-criador). O filme é convidativo nos créditos iniciais, quando se inicia com a linda "Perfect day", de Lou Reed. Poder ouvir esta canção no cinema, e integralmente, já é mais do que motivo para agradecermos a Wenders.

O interesse pela música, e pelo rock, especificamente, já transparece em obras famosas de Wenders, como ASAS DO DESEJO (1987), ATÉ O FIM DO MUNDO (1991), TÃO LONGE, TÃO PERTO (1993) e O HOTEL DE UM MILHÃO DE DÓLARES (2000). A presença antológica de Nick Cave em ASAS DO DESEJO, aliás, é mais ou menos reprisada no novo filme, com uma participação discreta, cantando e tocando ao piano uma de suas mais belas canções.

Infelizmente, o jogo com a música do filme serve apenas para nos deixar um pouco animados diante do desinteressante diálogo que segue entre um homem e uma mulher, que falam sobre as experiências sexuais dela. Ele tenta lhe puxar as memórias mais detalhadas possíveis sobre a primeira vez e também de outros momentos. Mas não há a menor intenção de que essa conversa seja contada de modo a excitar o espectador, como em SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE, de Steven Soderbergh. Longe disso.

Aqui chegamos até mesmo a ficar dispersos diante da tentativa de o filme de soar poético. Esse esforço chega a cansar já nos minutos iniciais. Imaginem como ficamos durante quase duas horas de conversa cheia de rodeios e floreios. Wenders tenta usar o vento e a beleza plástica da fotografia para nos enganar em alguns momentos. Mas o foco é mesmo o diálogo difícil de gostar.

Baseado numa peça de Peter Handke, amigo e colaborador de roteiros de Wenders desde O MEDO DO GOLEIRO DIANTE DO PÊNALTI (1972), o filme não tem interesse em esconder sua origem teatral, embora possa muito bem parecer uma experimentação de um desses cineastas novos ou não tão novos que trabalham com diálogos nada naturalistas. A impressão que fica é que o texto ficaria muito melhor se fosse apenas lido. Lido num livro, sem as distrações que a imagem traz. Pena constatar que Wenders mais atrapalha do que ajuda com a imagem em movimento de um texto teatral, quando deveria ser o contrário.

sábado, fevereiro 25, 2017

ESTRELAS ALÉM DO TEMPO (Hidden Figures)























A polêmica do “Oscar so white” do ano passado rendeu uma boa discussão que acabou repercutindo fortemente na edição deste ano, que conta com três filmes que abordam a temática racial na disputa da categoria principal. Se alguns desses filmes estão aí apenas para cumprir cota e não por seus próprios méritos, é outra história. Além do mais, o Oscar é uma premiação política mesmo. E o que há de tão diferente a indicação de ESTRELAS ALÉM DO TEMPO (2016) com a de O JOGO DA IMITAÇÃO, da edição de 2015? Ambos os filmes não oferecem novidade do ponto de vista formal, mas trazem à tona figuras que foram importantes ou essenciais para o desenvolvimento da ciência em tempos de guerra, seja ela de quente ou fria.

Claro, ESTRELAS ALÉM DO TEMPO, de Theodore Melfi, propõe uma discussão também sobre a invisibilidade e os maus tratos que os negros, principalmente as mulheres negras, sofreram durante determinado período da História americana. No caso, início dos anos 1960, com a chamada corrida espacial. Assim, somos apresentados a Katharine G. Johnson (Taraji P. Henson), Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monáe), que trabalharam na NASA por serem gênios da Matemática.

O filme também tem o mérito de não mostrá-las como coitadinhas, mas como guerreiras em um mundo dominado pelos brancos que as tratava como seres inferiores. Há até bastante espaço para humor na narrativa. Como se trata de uma obra de ficção, ainda que baseada em fatos, algumas situações são enfatizadas ou inseridas, a fim de oferecer ao espectador um melhor retrato daquela época, como é o caso das cenas das idas ao banheiro da personagem de Taraji P. Henson. Naquele tempo, havia banheiros para negros e para brancos, assim como os transportes coletivos tinham também esse tipo de divisão.

De todo modo, essa década foi um divisor de águas na conquista de um lugar de respeito dos negros na sociedade americana, com o ativismo político inicialmente do Reverendo Martin Luther King. Mas o filme escolhe focar nas vidas daquelas três mulheres e amigas e no que elas representaram para o avanço científico de seu país, de modo que os americanos ganhassem a corrida espacial na disputa contra os soviéticos.

ESTRELAS ALÉM DO TEMPO tem a interessante função de nos apresentar a figuras escondidas, como bem diz o título original, e só por isso já merece nossa atenção, por mais que a narrativa tenha cara de sessão da tarde. Sobre o título original, uma das cenas mais emblemáticas dessa situação acontece quando um dos chefes da NASA chega para visitar e conhecer os funcionários daquela estação, e vemos a disposição dos empregados no grupo, com os negros todos de um lado, como se prontos para ficarem de fora de uma foto. Em pleno 2017, mesmo com tantas conquistas atingidas, o preconceito ainda existe e a luta continua.

ESTRELAS ALÉM DO TEMPO foi indicado a três Oscar: filme, atriz coadjuvante (Octavia Spencer) e roteiro adaptado.

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

MOONLIGHT – SOB A LUZ DO LUAR (Moonlight)























Chegando o Carnaval e chegando também a cerimônia de premiação do Oscar. Não estou dando conta de escrever para o blog por conta de compromissos profissionais, limitações físicas, problemas de saúde e outras tantas coisas não muito agradáveis que apareceram todas ao mesmo tempo, mas que não convém estar citando aqui como registro. Falo mais como maneira de iniciar a postagem como fazia antigamente, quando este espaço tinha mais cara de diário mesmo. Falemos, então, de mais um candidato a melhor filme da edição do Oscar deste ano.

MOONLIGHT – SOB A LUZ DO LUAR (2016), de Barry Jenkins, é um dos filmes mais aplaudidos pela crítica da atual temporada de premiações. É o que faz um contraste com LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES, filme branco, é verdade, embora preste tributo e respeito ao jazz, gênero criado pelos negros. Mas até que há elementos em comum entre os dois filmes, como a divisão por capítulos, por assim dizer.

MOONLIGHT se divide em três capítulos que mostram três diferentes fases da vida de Chiron, um garoto que cresceu na Miami negra dos anos 1970, convivendo com a mãe dependente de drogas e um traficante gentil. Já criança, por algum motivo, ele sofria bullying dos demais colegas da escola, que o chamavam de bicha, embora no filme não se verifique nenhum aspecto efeminado no personagem. Ele chega a perguntar ao casal de amigos adultos o que é ser gay.

O filme de Jenkins tem um interesse em contar a história apenas com a força das imagens e dos poucos diálogos, bem espaçados e sem muita pressa, semelhante ao personagem, menino/adolescente/homem de poucas palavras. Esse jeitão meio calado de Chiron talvez comprometa um pouco sua aproximação com boa parte do público, que precisa ter a sensibilidade para desvendar a tristeza em seu olhar e no que a câmera opta por mostrar.

Apesar da temática forte, que mistura bullying, ser negro e pobre nos Estados Unidos e homossexualidade, até que as cenas homoafetivas são bem poucas, tímidas, até, mas o suficiente para demonstrar a força do filme. MOONLIGHT consegue transmitir a magia do encontro de Chiron na praia com o amigo Kevin, com simplicidade e beleza. O reencontro, no terceiro ato, também é carregado de sutileza e poesia, tanto que pode até despertar algum sentimento de insatisfação por parte do espectador que espera algo parecido com uma catarse. A opção por um registro mais seco, sem uma trilha sonora "manipuladora" tem os seus prós e contras, mas depõe mais a favor do filme, até por lhe dar um caráter diferencial dentro do que se costuma ver nos cinemas. Se não fosse a indicação ao Oscar, por exemplo, jamais um filme como MOONLIGHT seria visto nos cinemas de shopping.

Trata-se também da chance de conhecer a obra de um jovem cineasta que possivelmente ainda tem muito a nos oferecer. MOONLIGHT é seu segundo longa-metragem. O primeiro, MEDICINE FOR MELANCHOLY (2008), está sendo descoberto por muitos graças à visibilidade que o diretor alcançou no mainstream. Por isso é importante que o Oscar, uma festa do cinema comercial e americano, principalmente, também seja uma ponte saudável para o reconhecimento de talentos pouco conhecidos e que merecem a nossa atenção.

MOONLIGHT – SOB A LUZ DO LUAR foi indicado a oito Oscar: filme, diretor, ator coadjuvante (Mahershala Ali), atriz coadjuvante (Naomi Harris), roteiro, direção de fotografia, montagem e trilha sonora original.

quarta-feira, fevereiro 22, 2017

LION – UMA JORNADA PARA CASA (Lion)























O caso de LION – UMA JORNADA PARA CASA (2016), nesta edição do Oscar, é semelhante um pouco ao caso de TÃO FORTE E TÃO PERTO, de Stephen Daldry, cerca de cinco anos atrás. Ou seja, temos um filme muito querido por boa parte do público, mas que é visto com certo desdém por boa parte da crítica. Ambos os filmes são convites para lágrimas, o que não deixa de ser um bom sinal, quando a intenção da obra é mesmo emocionar a plateia.

Mas não só isso, LION é uma viagem por um lugar que é ao mesmo tempo tão diferente e tão parecido com o Brasil: o das regiões pobres da Índia, de onde vem o personagem Saroo, na vida adulta interpretado pelo sempre simpático Dev Patel e na infância vivido pelo menino Sunny Pawar. A criança é impressionantemente carismática. E capaz de passar em seus olhos o desespero que é estar sozinho aos cinco anos de idade em um lugar que desconhece, inclusive, com uma língua diferente da sua.

Saroo se perde do irmão mais velho em uma estação de trem em Calcutá. O irmão o leva junto, mas o menino, ainda muito pequeno, quer dormir e fica deitado no banco da estação. Sozinho e com medo, acaba entrando em um vagão de trem e indo parar em Bengala, um território dividido entre a Índia e Bangladesh. Depois de passar por muitas dificuldades, o pequeno vai parar em um orfanato, já que não encontra sua família. É adotado por uma família de australianos, vividos por Nicole Kidman e David Wenham. E é tratado com muito amor.

Toda essa parte da recepção do pequeno Saroo pela família rica, sua maneira esperta e inteligente de ser e depois o salto para a idade adulta mostra uma boa desenvoltura da narrativa. O responsável, o cineasta australiano Garth Davis, tinha como melhor coisa em seu currículo a direção de uma série de prestígio (TOP OF THE LAKE, 2013), mas devido ao sucesso de LION já tem outra produção cinematográfica em andamento, um filme sobre a vida de Maria Madalena.

O filme cai um pouco, mas só um pouco, quando Saroo atinge a idade adulta. Faz falta uma abordagem um pouco mais aprofundada do caso do irmão adotado de Saroo. E talvez a sucessão de tentativas de encontrar a família original, depois de tantos anos distante, tenha sido mostrada de maneira muito rápida no filme. Ainda assim, há espaço para a emoção durante o processo e principalmente no final.

A história em si não tem nada de excepcional, já que o próprio filme diz que milhares de pessoas se perdem de suas famílias na Índia. O caso não é muito diferente do visto em algumas reportagens televisivas, por mais que saibamos que se trata de uma experiência ao mesmo tempo de muito sofrimento, mas também de muita sorte. A diferença é que aqui a história é transformada em um belo melodrama, que conta com astros queridos como Patel e Rooney Mara, que faz a namorada de Saroo na fase adulta.

LION – UMA JORNADA PARA CASA foi indicado a seis Oscar, nas categorias de filme, ator coadjuvante (Dev Patel), atriz coadjuvante (Nicole Kidman), roteiro adaptado, direção de fotografia e trilha sonora.

domingo, fevereiro 19, 2017

MANCHESTER À BEIRA-MAR (Manchester by the Sea)























Filmes sobre pessoas vazias e que vivem suas vidas como pedaços de madeira levados pela correnteza existem aos montes. E a grande maioria desses filmes apela para sentimentalismos. Embora isso não seja um problema pode tornar certos títulos um pouco ordinários e às vezes esquecíveis. MANCHESTER À BEIRA-MAR (2016), de Kenneth Lonergan, opta por um registro mais sutil e seco no desenvolvimento dos personagens, que nos são apresentados de forma lenta e gradual, muitas vezes através de flashbacks que revelam bastante de suas vidas e seus dramas.

O filme conta a história de Lee (Casey Affleck), um zelador e faz-tudo de condomínios que leva a vida de maneira como se quisesse ser um anônimo, ao mesmo tempo em que também não se esforça para que sua vida melhore, seja do ponto de vista afetivo ou financeiro. Lee se autossabota e se flagela, através de brigas em bares provocadas por ele mesmo.

Mas de onde vem a culpa do personagem? O que o leva a agir assim? São perguntas que podem ou não surgir a princípio, mas que vão ecoando mais forte quando ele se sente forçado a voltar para sua cidade natal, Manchester, pois seu irmão está prestes a morrer de um ataque cardíaco. Chegando lá, o irmão já está morto, e ele terá que cuidar dos ajustes do funeral, bem como dos espólios e do testamento, assim como do filho adolescente do irmão (Lucas Hedges). No testamento, ele é escolhido para ser seu tutor, coisa que ele não recebe muito bem.

Lee é um sujeito que ficou lendário em sua cidade por algo que aconteceu no passado. Quando descobrimos o motivo, vemos o quanto esse personagem carrega um peso terrível em seu espírito e passamos a nos solidarizar com ele, embora o fato de o filme possuir um registro mais próximo do de certos autores europeus do que de melodramas tradicionais possa mudar bastante o modo como cada espectador veja ou sinta a obra.

É importante lembrar que estamos diante do filme do mesmo diretor de CONTE COMIGO (2000) e de MARGARET (2011), uma obra-prima que teve uma trajetória de lançamento tão complicada que acabou ficando praticamente desconhecido da audiência. MANCHESTER À BEIRA-MAR tem um pouco das características dos seus dois filmes anteriores. Herda o interesse pelas questões familiares tratadas de maneira delicada como no primeiro filme, ao mesmo tempo em que tem um ar de tragédia e história sobre culpa, contada de maneira muito peculiar como no segundo. Há, por exemplo, o uso de uma trilha sonora que contrasta com o silêncio mais presente, muitas vezes de maneira desconcertante, como quando ouvimos o "Adágio em sol menor para órgão e cordas", de Tomaso Albinoni.

O filme também tem o mérito de não mostrar nenhum dos personagens como heróis ou vilões. São os próprios personagens que escolhem, cada um à sua maneira, o que devem fazer para remediar ou esquecer aquilo que fizeram no passado, como o próprio protagonista, ou a personagem da ex-esposa, vivida por Michelle Williams, ou a cunhada, vivida por Gretchen Mol, ou mesmo o garoto, que tem um comportamento que pouco se aplica a alguém que acabou de perder o pai, mas que também não deve ser julgado pela audiência por isso. Enfim, são personagens vistos como seres humanos complexos.

É o tipo de filme rico o suficiente para pedir uma revisão para breve, para que suas qualidades e seus detalhes sejam melhor admirados e ressaltados, dessa vez mais distantes da expectativa que se tem de ver uma obra-prima logo de cara, graças à excelente recepção que tem recebido entre os críticos mais exigentes. Isso às vezes prejudica um pouco o modo como vemos os filmes.

MANCHESTER À BEIRA-MAR recebeu seis indicações ao Oscar, nas categorias de filme, diretor, ator (Casey Affleck), ator coadjuvante (Lucas Hedges), atriz coadjuvante (Michelle Williams) e roteiro original.

sexta-feira, fevereiro 17, 2017

JOHN WICK – UM NOVO DIA PARA MATAR (John Wick – Chapter 2)























Sente-se uma enorme diferença ao comparar JOHN WICK – UM NOVO DIA PARA MATAR (2017) com os filmes de ação genéricos produzidos nos Estados Unidos atualmente. A segunda parte da história do assassino de aluguel vivido por Keanu Reeves é vibrante, tanto na violência quanto nas brilhantes coreografias das cenas de ação, que unem cenas com carros, armas de fogo, facas e lutas corpo a corpo.

Acompanhamos mais uma vez a história de Wick, um homem amargo que quer se aposentar e enfrentar de maneira mais calma os próprios demônios interiores, mas que tem sua paz perturbada com a visita de um membro da Camorra, uma das maiores organizações criminosas da Itália e do mundo. Santino D’Antonio, vivido por Riccardo Scarmacio, deseja contratar os serviços de Wick para que ele execute sua irmã, de modo que possa, assim, assumir seu lugar na liderança da organização. A contratação de um homem extremamente competente e quase invencível como Wick seria um passo e tanto para a realização de seus planos. Mas inicialmente Wick diz "não" e isso custa caro para ambos.

Fazer com que acreditemos em John Wick como uma espécie de lenda é um trabalho que é feito já nos primeiros minutos do filme. Quem não viu o primeiro filme com o personagem, DE VOLTA AO JOGO (2014), não vai sentir muita falta, pois esta sequência trata de apresentar, através do excelente prólogo, do que ele é capaz. Assistimos, de boca aberta e com um entusiasmo raro, o impacto de carros batendo violentamente uns nos outros, bem como lutas físicas e com armas de fogo contra vários outros homens.

O diretor, Chad Stahelski, foi buscar a inspiração em produções de ação orientais e em animes. Stahelski tem um extenso currículo como dublê e coreógrafo de cenas de luta em alguns grandes filmes. A sorte é que ele se revelou também um excelente cineasta. Seu filme tem uma elegância admirável, da primeira à última cena. Não se trata apenas de reproduzir pessoas bem vestidas e carros bonitos, mas de filmar de maneira elegante também, embora a elegância tenha tudo a ver com os ternos estilosos usados por Wick e seus inimigos, bem como com a própria Itália, berço de estilistas famosos. A beleza da fotografia e da direção de arte também é destaque.

A violência e a preferência por uma trilha sonora que foge das tradicionais orquestrações que dão sono em geral contribuem para que o filme seja sempre atraente, mesmo quando corre o risco de cansar na grande quantidade de cenas de ação, o que nos faz lembrar os melhores momentos de John Woo e seus filmes com muitas balas, sangue e lutas em quase toda a metragem. Aliás, tem um momento que até lembra MAD MAX - ESTRADA DA FÚRIA, que é a cena em que Wick luta em um show de rock, nas catacumbas. Loucura, aquilo!

Embora o foco seja a ação, o universo dessa vez ampliado dos assassinos contratados não deixa de ser fascinante, assim como o próprio sentimento de vazio da alma de John Wick. Além do mais, o respeito pelo que há de melhor no gênero aparece até mesmo no convite a alguém como Franco Nero, o eterno Django, que integra o elenco de apoio, e em uma homenagem à cena da sala de espelhos de OPERAÇÃO DRAGÃO, estrelado por Bruce Lee. Por esses e por outros motivos é que já temos o mais sério candidato a melhor filme de ação do ano e um dos melhores da década.

quarta-feira, fevereiro 15, 2017

A QUALQUER CUSTO (Hell or High Water)























Um dos maiores méritos do bom cinema americano é saber ao mesmo tempo elevar e respeitar a sua cultura (e sua geografia), e também saber problematizá-la, mostrar os seus podres, seu lado mais questionável. A QUALQUER CUSTO (2016), de David Mackenzie, traz um pouco desses dois elementos, ao mostrar, dentro de uma bela paisagem de um lugar e de pessoas que remetem aos westerns, uma melancolia imensa.

Acompanhamos o drama de dois irmãos que tentam levantar um dinheiro, roubando determinada rede de bancos do estado. Filmes sobre roubos de bancos já tem uma longa história de sucesso no cinema americano, além de trazerem muita adrenalina para o espectador. Além do mais, muitas vezes nos colocamos no lugar dos bandidos, por mais desonroso que seja o ato.

Muitos bons cineastas, ao optarem por se aproximarem de figuras marginais, e de procurarem entender suas motivações, acabam nos arrastando junto. A QUALQUER CUSTO se divide um pouco, pois tenta nos fazer solidários tanto dos ladrões, vividos por Chris Pine e Ben Foster, quanto da dupla de velhos policiais, vividos por Jeff Bridges e Gil Birmingham, um ator que é, assim como seu personagem, ancestral dos índios comanches.

O fato de haver uma dupla formada por um caubói e um índio não deixa de ser curiosa, e o filme brinca muito com isso, ainda que de maneira amarga, ao final. Várias vezes somos lembrados ao longo da narrativa que aquele território ali foi de propriedade de um povo que perdeu tudo para os brancos. A presença do policial índio íntegro reforça o aspecto de que estamos vendo uma espécie de western, ainda que a quatro rodas.

Embora Jeff Bridges roube a cena como o velho policial texano, o foco da ação acaba recaindo para a dupla de irmãos assaltantes, que tomam o cuidado para roubarem pouco dos bancos, a fim de não pegarem cédulas que possam ser rastreadas. Mas, como em todo filme sério sobre roubo de banco, já sabemos que algo acaba em tragédia. Resta saber o quê, embora seja muito mais interessante ver o que o filme oferece nas entrelinhas de sua trama.

Como um filme sobre a depressão americana, em uma época recente em que o Texas passa por uma séria recessão, A QUALQUER PREÇO entra no clima e adota um tom de tristeza do início ao fim, por mais que não se deva esquecer da garçonete velhinha mais grossa do que o Seu Lunga, ou de cenas divertidas, como a do encontro com um comanche em um cassino, ou a de uma briga em um estacionamento. Para acentuar o clima, a trilha de Nick Cave e Warren Ellis funciona com perfeição.

A QUALQUER PREÇO recebeu quatro indicações ao Oscar: filme, ator coadjuvante (Jeff Bridges), roteiro (Taylor Sheridan) e edição.

domingo, fevereiro 12, 2017

CINQUENTA TONS MAIS ESCUROS (Fifty Shades Darker)























Não dá mesmo para esperar algo de alto nível de uma obra advinda de uma produção literária pobre. Tudo bem que Hitchcock costumava dizer que era mais fácil fazer ótimos filmes de literatura menor do que de grandes obras literárias, mas o que acontece é que o público de adaptações de best-sellers pop quer ver na tela algo bem parecido com o que leu, e isso prejudica um pouco o trabalho de invenção do diretor contratado para o serviço.

No caso de CINQUENTA TONS MAIS ESCUROS (2017), o convidado da vez foi James Foley, um diretor irregular, mas que possui em seu currículo coisas muito boas, como JOVENS SEM RUMO (1984), CAMINHOS VIOLENTOS (1986) e O SUCESSO A QUALQUER PREÇO (1992). Sem falar nos videoclipes marcantes que ele fez para a Madonna, como "Papa don’t preach" e "Live to tell". Mas ao que parece sua fase boa ficou para trás, pois seus trabalhos seguintes enterram sua reputação. E não é com a sequência de CINQUENTA TONS DE CINZA (2015) que ele conseguiria se reerguer.

Uma das vantagens de uma franquia como essas adaptações dos romances de E.L. James é trazer de volta a moda dos filmes eróticos, que foram ficando de lado com o tempo. Mas CINQUENTA TONS MAIS ESCUROS nos deixa com saudades dos thrillers eróticos populares na década de 1990, surgidos depois do estouro de INSTINTO SELVAGEM, de Paul Verhoeven. A outra vantagem é a franquia atrair um público feminino entusiasmado, coisa que não se via com tanta força desde 9 ½ SEMANAS DE AMOR, de Adrian Lyne. Aliás, os dois filmes até têm um elemento forte em comum: Kim Basinger, que aqui meio que passa o bastão para Dakota Johnson.

Anastasia Steele, a personagem de Dakota, não tem muito tempo de se livrar de Christian Grey (Jamie Dornan), o bilionário sedutor e adepto de jogos de sadomasoquismo, como já havíamos visto no primeiro filme. Anastasia havia caído fora do barco por achar que ele se excedeu nos seus jogos e na violência proveniente deles. Porém, não demora muito para que ele a convide para um jantar e ela aceite fácil voltar para seus braços. Aliás, esse tipo de facilidade da relação dos dois é bem prejudicial para que se crie um mínimo de tensão sexual. Mas o roteiro, ao que parece, está pouco se lixando com a tensão dos corpos ou mesmo o suspense de alguns momentos, que acabam ficando bem ruins.

Não tanto como os diálogos, que são de deixar o espectador bem envergonhado, embora de vez em quando seja possível se esquecer disso e ficar interessado em algumas cenas de sexo ou algumas ideias, por mais que algumas delas já tenham sido vistas em outros filmes. A cena da calcinha no restaurante, por exemplo, é igualzinha à de INVASÃO DE PRIVACIDADE, mas perde e muito em voltagem sexual para o filme estrelado por Sharon Stone, que nem é tão bom assim. Será que é só porque o filme citado era com a Sharon Stone?

Talvez não, pois o que há de mais interessante em Dakota Johnson é conferir ao seu papel um certo ar de garota comum, diferente de Jamie Dornan, que já parece mesmo um modelo. Ele, aliás, foi mesmo modelo da Calvin Klein, da Dior e da Armani. Já a filha de Melanie Griffith e Don Johnson tem um rosto comum, ainda que um belo corpo, que é até pouco explorado. Sinal dos tempos, talvez, em que se comenta bastante sobre o quão negativo pode ser a exploração do corpo feminino. Assim, a nudez de Dakota é ainda mais discreta nesta sequência do que no primeiro filme.

Quem já leu o livro garante que o filme consegue melhorar bastante muita coisa do romance, que por sua vez é considerado o melhor dos três. Não deixa de ser um mérito, principalmente por trazer uma história de contos de fadas, sem medo de ser brega, de enfiar o pé na jaca. Mas se ao menos a história de amor dos dois não fosse tão superficial e as cenas de sexo não fossem tão parecidas com videoclipes até seria possível ter um pouquinho mais de amor por CINQUENTA TONS MAIS ESCUROS, que pelo título promete ser mais sombrio que o anterior e na verdade é o oposto, por mais que tente trazer, sem sucesso, os tais elementos de suspense para a trama.

sexta-feira, fevereiro 10, 2017

CLARISSE OU ALGUMA COISA SOBRE NÓS DOIS























Terceiro longa-metragem de Petrus Cariry, CLARISSE OU ALGUMA COISA SOBRE NÓS DOIS (2015) finaliza a chamada "Trilogia da morte", iniciada com O GRÃO (2007) e MÃE E FILHA (2011). O rigor formal apresentado nos trabalhos anteriores, bem como o cuidado com a beleza das imagens, que desde o primeiro filme tem sido comparadas a pinturas clássicas, se manifesta ainda mais forte neste novo trabalho, que conta a história de uma jovem mulher que vai até a casa do pai doente passar uns dias.

Não é um filme fácil. É propositalmente lento e com um tipo de dramaturgia que se distancia do naturalismo, por mais que a estranheza nas interpretações não nos impeça de admirar a excelente performance de Sabrina Greve, premiada na edição do Cine Ceará do ano passado. A atriz já havia aparecido em outro filme ainda mais ligado ao gênero horror, O DUPLO, marcante curta-metragem de Juliana Rojas. CLARISSE... pode até frustrar um pouco quem espera um filme explicitamente de horror, assim como pode desagradar quem não aprecia o gênero. Por isso mesmo deve ser apreciado como ele é e não como deveria ter sido, conforme o gosto pessoal de cada espectador.

Há, portanto, uma dificuldade de alcançar um público mais amplo, mas, uma vez que o espectador resolva se abrir a esse tipo de cinema mais hermético e cheio de signos a decifrar, a experiência é bastante recompensadora. Até porque a beleza das imagens (a direção de fotografia também a cargo de Petrus) e dos movimentos de câmera são de encher os olhos. Inclusive, é possível perceber isso a partir do pouco que é mostrado no trailer.

Sabendo da dificuldade de penetração de um filme como esse em um mercado cada vez menos tolerante a experimentações e invenções, devemos agarrar esta oportunidade de ver uma obra que pede para ser vista na tela grande. Não apenas pelos planos gerais (alguns mostram os personagens bem à distância mesmo), mas também pela força das imagens mais próximas.

O clima onírico dá o tom e mesmo aquilo que não é um sonho da protagonista acaba misturando-se com os nossos próprios sonhos e pesadelos. O que dizer da cena em que Clarisse carrega consigo o pai moribundo nas costas? Esse tipo de sensação que essa cena em especial traz chega a remeter a uma cena que acontece em uma noite clara de A MORTA-VIVA, de Jacques Tourneur.

O tempo narrativo no filme é um caso especial. Lembra os anteriores, mas as elipses parecem maiores nos blocos de cenas relativamente longas. A enigmática história, que se passa bem longe de um lugar típico de filmes cearenses, também é contada com o auxílio de sons e ruídos, que são incorporados à obra de maneira orgânica. Aliás, o cuidado com o som é outro aspecto admirável de CLARISSE...

Quanto ao sangramento da protagonista, trata-se de outro elemento não só muito curioso e intrigante, mas parte fundamental da trama. Vemos que o sangramento se manifesta muitas vezes quando a personagem está vivenciando algo intenso. Isso inclui também o desejo sexual, que aparece em duas sequências marcantes. O sangue, que simboliza a vida no seu aspecto mais violento, mas também a feminilidade da protagonista. E é nesse contraste, entre o delicado e o violento, que se forma o estranho e enigmático CLARISSE...

terça-feira, fevereiro 07, 2017

LEMBRANÇAS DE HOLLYWOOD (Postcards from the Edge)























Não lembro por que motivo eu não cheguei a ver este filme nos cinemas. Acho que na época eu não via mesmo tudo o que passava nas telas. Era isso. Era início dos anos 1990 e eu ia ao cinema apenas aos fins de semana e acabei deixando passar alguns filmes. Tanto que a maior lembrança que eu tenho de LEMBRANÇAS DE HOLLYWOOD (1990) é justamente de chamadas na televisão. E talvez de uma matéria que saiu na revista SET, que ainda estava no seu auge.

Acabei indo ao filme por um motivo não muito feliz: a morte quase simultânea de filha e mãe: Carrie Fisher e Debby Reynolds, vividas no filme por Meryl Streep e Shirley MacLaine. O filme trata do relacionamento existente entre elas, embora haja uma mudança de nomes. Eu bem que preferia que usassem nomes verdadeiros, tanto das duas quanto dos diretores que aparecem. Gene Hackman, por exemplo, faz o papel de um dos diretores que trabalhou com Carrie Fisher. De acordo com a trivia do IMDB ele representa Richard Donner, mas ainda não descobri em que filme os dois trabalharam juntos.

Mas esse jogo de "quem é quem" acontece até que pouco em LEMBRANÇAS DE HOLLYWOOD. O que mais importa é o quanto o filme destaca de maneira sensível essa relação muito particular entre essas duas mulheres, do quanto Carrie se sentia eclipsada pela mãe, entre outros problemas que comumente surgem em sessões de terapia, além de seu problema de dependência química. Interessante o modo como o filme mostra os homens como completos idiotas. O próprio pai de Carrie era inválido e seus namorados nada verdadeiros, como é o caso do sujeito interpretado por Dennis Quaid, que a salva de uma overdose, mas que também acaba se mostrando um sujeito mulherengo e aproveitador.

Legal, aliás, poder ver ou rever nesses filmes da década de 1990 (ou de antes) alguns astros aparecendo mais jovens, como é o caso de Richard Dreyfuss e Annette Bening. A própria Shirley MacLaine está maravilhosa no papel da mãe. Há uma cena em que ela canta e dança em uma festa que é deliciosa. Sem falar que ela está deslumbrantemente linda, ainda que mais à frente vejamos que ela usa peruca e é tudo armado para que a ilusão da beleza siga em frente. Mas não há nada de errado com isso e maquiagem é um pouco isso também.

O que talvez falte no filme seja uma maior força, um maior impacto no espectador, no aspecto dramático. Apenas simpatizamos com a personagem de Mery Streep, não compartihamos de sua dor. Esse é um dos problemas de grande parte dos filmes de Mike Nichols, que até tem uma boa leva de grandes obras no currículo, em mais de quatro décadas de serviços prestados ao cinema, mas há também alguns que se apoiam demais na força de seus intérpretes, como é o caso da série de filmes que Nichols fez com Meryl Streep.

Antes desse os dois já vinham de SILKWOOD – O RETRATO DE UMA CORAGEM (1983) e A DIFÍCIL ARTE DE AMAR (1986). Os três filmes têm aquela cara de drama típico dos anos 1980 que se vê hoje com um misto de prazer nostálgico e quase desinteresse.

domingo, fevereiro 05, 2017

THE AFFAIR – TERCEIRA TEMPORADA (The Affair – Season Three)























Quando THE AFFAIR estreou, em 2014, ela logo foi considerada uma das melhores séries-revelação daquele ano. Tanto que, no ano seguinte, já ganhou o Globo de Ouro de melhor série dramática, além do prêmio de melhor atriz para Ruth Wilson, que faz o papel de Alison, a mulher casada que se envolve com um homem casado. A segunda temporada se mantém estável, ainda que tenha perdido um pouco da força da primeira, mas seguiu interessante e aprofundando mais, dessa vez, os personagens traídos, Cole (Josua Jackson) e Helen (Laura Tirney), agora tentando refazer suas vidas depois da tempestade.

Nesta terceira temporada (2016-2017), percebe-se que os roteiristas não sabem direito que caminho vão seguir. Nem há mais uma lógica na decisão de contar as histórias de diferentes pontos de vista. Alison se torna coadjuvante, enquanto Helen ganha mais destaque, e Noah (Dominic West) se torna o centro de tudo, agora também sendo importante para a vida de Juliette, uma professora francesa (Irène Jacob) que ele conhece em uma universidade onde passa a lecionar, depois dos três anos presos, condenado pelo atropelamento e fuga de um homem.

Enquanto a segunda temporada dava um novo sentido ao título da série, trazendo a tentação do reencontro dos ex, a terceira volta a enfocar a primeira traição, ainda que dando mais luz às suas consequências nas vidas de várias pessoas e também trazendo à tona o passado e os traumas de infância e a culpa de Noah. Nem sempre isso funciona. Na verdade, acaba tornando a série bem rasteira com a subtrama envolvendo o guarda da penitenciária que estaria supostamente perseguindo Noah, agora que ele está de volta à sociedade.

A história da terceira temporada começa três anos depois do encarceramento de Noah e sua volta à liberdade (ainda que condicional). Ele rejeita Helen, que tenta uma aproximação, até pelo sentimento de culpa por não ter dito a verdade no tribunal. A vida de Alison também anda atribulada. Desta vez a sua intenção é recuperar a guarda da filha, que ela deixou aos cuidados do pai e desapareceu, tendo ido se internar em uma clínica psiquiátrica. Helen namora agora um médico que se esforça para dar conta de ser um bom companheiro e também um bom substituto para os filhos dela. E Cole também tenta seguir sua vida com Luisa, um exemplo de mulher que traz estabilidade para a vida de um homem, embora a atração e o interesse por Alison continue.

THE AFFAIR acaba se tornando uma telenovela no pior sentido do termo, já que parece estar aberta a qualquer possibilidade, qualquer fim, como um saco plásticos levado pelo vento. Isso até poderia ser colocado a favor da série, ao mostrar vidas à deriva, ainda que o episódio final seja bem menos sombrio do que todo o tom da série visto até então. É esperar que os criadores consigam se recuperar e dar um final digno à quarta e possivelmente última temporada.

sábado, fevereiro 04, 2017

JACKIE























Depois de vermos NERUDA (2016) não podíamos esperar uma cinebiografia convencional de JACKIE (2016), primeiro trabalho em língua inglesa de Pablo Larraín. É interessante o espectador já ir com essa expectativa de que vai ver um trabalho diferente, de modo que não se sinta frustrado, embora ver o filme sem nada esperar e dar de cara com uma obra original e cheia de elementos interessantes e uma personagem feminina fascinante já seja motivo suficiente para sair do cinema no mínimo intrigado com mais este trabalho peculiar do cineasta chileno mais badalado da atualidade.

A estrutura de idas e vindas no tempo não chega a ser uma novidade. Hollywood faz isso há muito tempo, recorrendo a flashbacks emprestados da literatura e enriquecendo muitas narrativas desde muito tempo. Por isso não é esse o elemento novo de JACKIE, esse filme que acompanha a personagem de Jacqueline Kennedy principalmente após o assassinato do Presidente John F. Kennedy, fato que representa um dos momentos de maior ruptura da inocência, ou de algo perto disso, do povo americano, que já estava vivendo uma situação delicada, devido à Guerra Fria.

Mas JACKIE não se detém em falar sobre algo que já foi abordado em tantos outros filmes. Ou seja, o assassinato em si e toda a trama de conspiração e a série de eventos que ocorreram em seguida e que são facilmente encontrados nos livros de História. O importante aqui é o foco em uma personagem que estava importante e que estava lá, e em choque, enquanto segurava o corpo sem vida do marido, numa das imagens mais impactantes do século XX.

O filme de Larraín constrói a partir de documentos históricos e também de licenças poéticas esse ponto de vista todo particular de uma mulher que passou por diversos momentos de crise logo após o assassinato de JFK: o choque, o luto, o medo, a coragem, um turbilhão de emoções até difícil de enumerar, mas que o filme sabe muito bem trabalhar através das imagens e também das palavras e da música, que muitas vezes enfatiza o ar grave.

A estranheza já começa de cara com a fotografia, que, assim como em outros trabalhos de Larraín, não se caracteriza pela nitidez das cores e pelo contraste. O diretor já havia feito algo parecido em NO (2012), emulando algo parecido com a imagem de uma fita VHS, mas que, sem muitas explicações, também optou por uma fotografia um tanto esmaecida em filmes posteriores, como O CLUBE (2015) e o já citado NERUDA. A fotografia de JACKIE remete a algumas imagens de arquivo dos anos 1960, algumas que são muito brevemente aproveitadas em sequências externas.

O fato de termos um cineasta chileno refletindo sobre um tema tão americano torna o projeto ainda mais especial. Ainda que o roteiro não seja de Larraín, as escolhas estéticas são suas. É muito feliz, aliás, o filme dar início a partir de uma entrevista que Jacqueline Kennedy deu a um jornalista cujo nome não é mencionado, mas que na vida real foi Theodore H. White, da revista Life. Muito do que conhecemos da personagem vem dessa entrevista e do modo como ela narra os dias que se seguiram após o assassinato do marido.

Interessante terem escolhido Peter Sarsgaard, um ator que não tem uma imagem de pessoa confiável, para viver Bobby Kennedy, mas curiosamente funciona muito bem. Assim como outras escolhas de elenco. Inclusive, John Hurt, na figura de um padre a quem a personagem conversa é uma excelente aquisição. Ainda mais agora, sabendo que o ator faleceu recentemente. Vê-lo falando sobre as angústias e as dúvidas de não saber o sentido de tantas coisas que acontecem em nossas vidas chega a ser um dos poucos momentos em que o filme traz um pouco de paz tanto para a personagem quanto para nosso espírito.

Além do mais, é sempre um alívio quando vemos um trabalho de um cineasta por quem não temos muito carinho e finalmente vemos o quanto ele pode de fato ser interessante. Isso nos faz refletir e querer reavaliar sua obra pregressa. Até porque inquietude é o que não falta no cinema de Larraín. E isso já conta pontos a favor. No mais, Natalie Portman está sensacional, saindo de um registro naturalista para algo aparentemente mais estranho, mas que por isso mesmo se destaca e a engrandece.

JACKIE foi indicado a três Oscar: atriz (Natalie Portman), figurino e trilha sonora (composta por uma mulher chamada Mica Levi, que trabalhou no ótimo SOB A PELE, de Jonathan Glazer).

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

AS MIL E UMA NOITES























Um dos títulos mais badalados entre os críticos mundo afora, AS MIL E UMA NOITES (2015) apareceu em algumas listas importantes de melhores do ano de 2015, sendo as principais a da Cahiers du Cinéma (em oitavo lugar, primeira posição para MIA MADRE, de Nanni Moretti) e a da Film Comment (quinto lugar, primeira posição para CAROL, de Todd Haynes). Muito provavelmente a boa recepção da crítica a AS MIL E UMA NOITES se deve mais ao prestígio alcançado por Miguel Gomes ao longo dos anos e principalmente por causa de TABU (2012), possivelmente sua obra-prima.

AS MIL E UMA NOITES é uma versão totalmente livre do clássico homônimo da literatura, adaptando apenas o conceito, mas mesmo assim muito pouco. A maior parte das histórias se passa no Portugal contemporâneo, que vive uma de suas maiores crises financeiras. O filme faz questão de destacar esse dado já no começo, como também para justificar sua produção de natureza modesta, mas que ainda assim teima em querer fazer algo próximo do grandioso, começando a partir da duração: mais de seis horas. Essa metragem é dividida em três no lançamento dos filmes, que acabei vendo com um espaçamento de tempo bem considerável.  Por isso, minha memória do primeiro filme, que vi no final de 2015, acho, está mais nublada do que a dos outros dois, vistos em janeiro deste ano.

AS MIL E UMA NOITES: VOLUME 1, O INQUIETO

Se por um lado é um pouco difícil adaptar-se ao tipo de humor lusitano, ao menos para os brasileiros o primeiro volume já traz um primeiro segmento bem divertido e que lida com a sexualidade masculina e a ideia de poder. "Homens de Pau Feito" é um sarro. Antes disso, durante meia hora ficamos confusos com uma discussão do próprio diretor sobre o fazer ou não o filme e uma crise nos estaleiros. Na história, homens do alto escalão (o primeiro ministro português e os representantes da Troika) ficam de pau duro depois de utilizarem um spray milagroso para impotência. Há uma crítica ácida à política e ao machismo. "A História do Galo e do Fogo" brinca com mais outro absurdo:  o caso de uma família de um pequeno vilarejo que é levada a julgamento por ser dona de um galo que canta mais cedo que os demais. "O Banho dos Magníficos"  é bem menos engraçado, com ênfase na história de pessoas que perderam seus empregos, um retrato bem parecido do que o país vivia ou vive nesses tempos difíceis. 

AS MIL E UMA NOITES: VOLUME 2, O DESOLADO

Considerado pela maior parte da crítica como sendo o melhor dos três, este segundo volume é certamente o mais regular. "Crônica de Fuga de 'Simão sem Tripas'" nos apresenta a um homem procurado pela justiça, uma espécie de fora-da-lei totalmente destituído de glamour, o oposto do que se vê em filmes americanos que tratam tais tipos. O velho "Simão Tripas" mais parece um sertanejo teimoso. "As Lágrimas de Juíza" é o mais curioso pelas alegorias e pelas surpresas e lembra bastante alguns autos, embora o tipo de humor lusitano possa nos soar estranho, pela falta de contato maior com a cultura, por incrível que possa parecer. Nesse segmento, vemos um grupo de pessoas todas culpadas, deixando a juíza quase perdendo o juízo. Curiosamente, o episódio começa com uma cena de nudez gráfica que nos engana com relação ao tipo de história que iremos ver. "Os Donos de Dixie" é talvez o mais bonito deste volume, mostrando um cãozinho que passa por várias famílias. Acompanhamos o drama desses donos, ao mesmo tempo em que também vamos conhecendo mais sobre a classe média portuguesa. 

AS MIL E UMA NOITES: VOLUME 3, O ENCANTADO 

Curioso o caso deste terceiro volume, que chega a ser insuportavelmente chato a partir de seu segundo segmento. O primeiro, porém, é muito gostoso de ver, "Xerazade", em que somos apresentados à personagem emprestada da literatura vivendo uma aventura em uma ilha em que um rapaz loiro é o dono do pedaço, sendo pai de quase todas as crianças da região. Crista Alfaiate, que faz a personagem principal, é linda e encantadora e a história flui sem preocupação nenhuma com uma linha narrativa. Parece um quadro pintado com gosto mas sem saber no que vai dar. Há muita música brasileira, o que contribui para o prazer que nos proporciona. Talvez seja o meu episódio favorito de todos. Por outro lado, o que se vê em seguida, com "O Inebriante Canto dos Tentilhões" e "Floresta Quente" é de pedir a Deus para aquilo tudo acabar. Até porque as histórias sobre passarinheiros que pegam tentilhões para disputarem em cantos com um pano que cobre a gaiola é um tanto perversa. E tudo se estende demasiadamente, como se aquilo ali fosse o grande objeto de interesse de Miguel Gomes. Uma pena terminar a trilogia com algo tão incômodo. Sinceramente, não sei qual foi sua intenção.