sábado, dezembro 31, 2016

TOP 20 2016 E O BALANÇO DO ANO

1. ELLE, de Paul Verhoeven
2. DO QUE VEM ANTES, de Lav Diaz
3. JULIETA, de Pedro Almodóvar
4. A ACADEMIA DAS MUSAS, de José Luis Guerín



5. O PEQUENO QUINQUIN, de Bruno Dumont
6. A ILHA DO MILHARAL, de George Ovashvili
7. A ECONOMIA DO AMOR, de Joachim Lafosse
8. A CHEGADA, de Denis Villeneuve



9. A BRUXA, de Robert Eggers
10. O SILÊNCIO DO CÉU, de Marco Dutra
11. CAROL, de Todd Haynes
12. CERTO AGORA, ERRADO ANTES, de Sang-soo Hong



13. MIA MADRE, de Nanni Moretti
14. AS MONTANHAS SE SEPARAM, de Jia Zhangke
15. UM POMBO POUSOU NUM GALHO REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA, de Roy Anderson
16. AQUARIUS, de Kleber Mendonça Filho



17. BELOS SONHOS, de Marco Bellocchio
18. É DIFÍCIL SER UM DEUS, de Aleksey German
19. O QUE ESTÁ POR VIR, de Mia Hansen-Løve
20. BOI NEON, de Gabriel Mascaro

Menções honrosas

PARA MINHA AMADA MORTA, de Aly Muritiba
TRUMAN, de Cesc Gay
INDIGNAÇÃO, de James Schamus
WHITE GOD, de Kornél Mundruczó
LEMBRANÇAS DE UM AMOR ETERNO, de Giuseppe Tornatore
GÊNIOS DO CRIME, de Jared Hess
RUA CLOVERFIELD, 10, de Dan Trachtenbergh
AMOR & AMIZADE, de Whit Stillman
OS COWBOYS, de Thomas Bidegain
INVASÃO ZUMBI, de Sang-ho Yeong

Fora de competição

VISITA OU MEMÓRIAS E CONFISSÕES, de Manoel de Oliveira

Lembro que, no texto do ano passado, eu fiquei reclamando de 2015, de quanto foi pesado. Eis que tivemos um ano ainda mais difícil. Por isso, talvez seja melhor a gente ficar agradecido por ter chegado até aqui, pelo que ainda temos. Nem digo do ponto de vista material, embora isso tenha a sua importância também, mas pelos nossos familiares e amigos vivos e atuantes em nossas vidas. Pelas novas pessoas que entraram em nossas vidas e foram bem-vindas. Além do mais, há sempre aquilo que nos faz com que sigamos em frente apesar de tudo, por mais que o futuro pareça ainda bastante nebuloso. Exatamente por isso, a esperança persiste. 

Pra mim, foi um ano difícil em muitos aspectos, mas foi um ano também de sentir novamente o gostinho da paixão. E isso faz a gente se sentir vivo de novo, por mais que a duração dessa febre seja menor do que a gente gostaria. Os anos em que isso acontece acabam sendo, de certa forma, especiais. No campo pessoal, posso destacar pelo menos três grandes momentos, o show do Pato Fu, uma viagem lindona a Flecheiras e uma viagem especial a São Paulo, para celebrar o casamento de um grande amigo e reencontrar outros amigos queridos. 

No mais, foi um ano de muitos filmes, de encontros com os amigos no cinema (ou para ir ao cinema). Que bom que o cinema ainda permanece sendo não apenas um porto seguro, mas também um desses amores que ficam e nos confortam. Lembro quando estava vendo ELIS um dia desses e do quanto um prazer indescritível tomou conta de mim na salinha escura. Um sentimento de gratidão por aquele filme imperfeito me veio. Lembro-me também do quanto foi especial a experiência de ver um filme de 5h30 de duração (DO QUE VEM ANTES), não pela duração em si, mas pelo quanto somos levados para um universo totalmente diferente do nosso, mas que a linguagem universal do cinema trata de nos unir. E, nisso, quero agradecer ao pessoal que faz o Cinema do Dragão, o melhor espaço de cinema da cidade. Aliás, é mais do que um simples espaço de cinema. De meu top 20, apenas dois filmes não foram vistos nessas salas. 

E já que falei de um dos filmes do ano, o do nosso amigo filipino que não prima pela síntese, podemos dizer que 2016 também foi o ano de performances grandiosas de mulheres, vistas em grandes filmes, como ELLE, de Paul Verhoeven (como é bom tê-lo de volta à telona), JULIETA, de Pedro Almodóvar, AQUARIUS, de Kleber Mendonça Filho, e O QUE ESTÁ POR VIR, de Mia Hansen-Løve. Podemos citar também a linda dupla de CAROL, de Todd Haynes. 

Não faltaram filmes desafiadores. A comédia incomum de Bruno Dumont, O PEQUENO QUINQUIN, e a experiência única, perturbadora e até mesmo nauseante de É DIFÍCIL SER UM DEUS, de Aleksey German. São filmes que merecem ser vistos, por mais difíceis que sejam. Se bem que o filme do Dumont se vê com muito prazer, com sua estranheza. Outro filme pouco comum é a comédia em esquetes UM POMBO POUSOU NUM GALHO REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA, de Roy Anderson, uma beleza singular que até remete a Monty Python, mas que tem uma cara toda própria. 

Tivemos também "cinema falado" da melhor qualidade. Não apenas o especialíssimo filme-testamento de Manoel de Oliveira, que acabei não incluindo no top 20 por sua idade e caráter único, mas a experiência intelectual e poética que é ver A ACADEMIA DAS MUSAS, de José Luis Guerín. Dois grandes diretores que se caracterizam por serem um tanto tagarelas comparecem na lista: Sang-soo Hong, com CERTO AGORA, ERRADO ANTES, e Nanni Moretti, com seu comovente MIA MADRE. O belíssimo A ILHA DO MILHARAL, de George Ovashvili, por outro lado, se caracteriza pela quase completa ausência de diálogos. 

Em 2016, um cineasta gigante do país da bota nos presenteou com um filme sobre um trauma familiar de uma beleza estupenda, Marco Bellocchio, e seu BELOS SONHOS. A família também comparece no chinês AS MONTANHAS SE SEPARAM, talvez a obra-prima de Jia Zhangke, e no coração de A ECONOMIA DO AMOR, de Joachim Lafosse, e até mesmo em uma ficção científica metafísica, A CHEGADA, de Denis Villeneuve. 

Falando em metafísica, uma das mais belas surpresas do ano foi o horror feminista/satanista A BRUXA, do estreante Robert Eggers. Do mesmo produtor (Rodrigo Teixeira), também pudemos contar com aquele que considerei o melhor filme brasileiro (ainda que feito em coprodução com o Uruguai), O SILÊNCIO DO CÉU, de Marco Dutra. Uma obra que esquadrinha o medo como poucas conseguem. E outro belo filme brasileiro que nos deixou cheio de orgulho foi BOI NEON, de Gabriel Mascaro, que também fez bonito em várias listas de melhores do ano mundo afora, junto com o merecidamente badalado AQUARIUS. 

Com relação à lista, deixo claro que constam filmes que estrearam no circuito brasileiro no ano passado também, mas que só chegaram em Fortaleza este ano. Do mesmo modo, até o momento, deixo de fora filmes vistos apenas na telinha. Esses vão ter que brigar por espaço com os clássicos lá no outro top 20. Eu sei que é injusto, mas não vejo tantos filmes novos em casa assim.  

Top 5 Piores do Ano

Este ano eu resolvi evitar alguns filmes que eu sabia que estariam neste tipo de lista, mas a gente acaba trombando com coisas como essas abaixo. Lembremos, então, desses filminhos que servem pra nos sentir gratos pelos bons filmes. 

1. A 5ª ONDA, de J Blakeson
2. UM HOMEM ENTRE GIGANTES, de Peter Landesman
3. INDEPENDENCE DAY – O RESSURGIMENTO, de Roland Emmerich
4. ESQUADRÃO SUICIDA, de David Ayer
5. INFERNO – O FILME, de Ron Howard

As séries e minisséries

Vi bem menos séries neste ano do que no ano passado. Estava um pouco impaciente e acabei ficando só com aquelas que me interessavam muito mesmo. As melhores, dentre as poucas que vi foram:

Top 5 Musas do Ano

No agora polêmico ranking de beldades do ano, há duas atrizes que já compareceram em listas de anos passados, como é o caso de Margot Robbie e de Jennifer Lawrence. E que bom que elas continuam lindas e cada vez mais poderosas na indústria. As novidades aqui são Gal Gadot, que hoje a gente não imagina uma escolha melhor para ser a Mulher Maravilha, a francesa Lola Le Lann, que leva os homens à loucura na comédia DOCE VENENO, e a linda taiwanesa Qi Shu, espetacular também nas cenas de luta. 

1. Margot Robbie ( A LENDA DE TARZAN / ESQUADRÃO SUICIDA)






















2. Gal Gadot (BATMAN VS. SUPERMAN - A ORIGEM DA JUSTIÇA / MENTE CRIMINOSA)





















3. Lola Le Lann (DOCE VENENO)
4. Jennifer Lawrence (JOY – O NOME DO SUCESSO / X-MEN – APOCALIPSE)






















5. Qi Shu (A ASSASSINA)


Clássicos revisitados (ou vistos pela primeira vez) na telona

AMOR MALDITO, de Adélia Sampaio
BLOW-UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO, de Michelangelo Antonioni
ESTRANHOS NO PARAÍSO, de Jim Jarmusch
GRITOS E SUSSURROS, de Ingmar Bergman
REBECCA, A MULHER INESQUECÍVEL, de Alfred Hitchcock
ROSAS SELVAGENS, de André Téchiné
UM HOMEM, UMA MULHER, de Claude Lelouch



Top 20 vistos (pela primeira vez) na telinha (em ordem alfabética)

A FÊMEA DO MAR, de Ody Fraga
A VIDA DE O’HARU / OHARU: VIDA DE UMA CORTESÃ, de Kenji Mizoguchi
A PRÓXIMA VÍTIMA, de João Batista de Andrade
ABC DA GREVE, de Leon Hirszman
CIÚME À ITALIANA, de Ettore Scola
LÚCIO FLÁVIO – O PASSAGEIRO DA AGONIA, de Hector Babenco
MAIS FORTE QUE A VINGANÇA, de Sydney Pollack
MORTALMENTE PERIGOSA, de Joseph H. Lewis
O HOMEM QUE CAIU NA TERRA, de Nicolas Roeg
O INTENDENTE SANSHO, de Kenji Mizoguchi
O IMPORTANTE É AMAR, de Andrzej Zulawski
O ROUBO DA TAÇA, de Caíto Ortiz
O VENTO NOS LEVARÁ, de Abbas Kiarostami
OS AMANTES CRUCIFICADOS, de Kenji Mizoguchi
O.J.: MADE IN AMERICA, de Ezra Edelman

PHOENIX, de Christian Petzold
POLYTECHNIQUE, de Denis Villeneuve
QUADRILHA MALDITA, de André De Toth
SENHORITA OYU, de Kenji Mizoguchi
SING STREET - AMOR E SONHO, de John Carney

Revisões (na telinha)

À MEIA NOITE LEVAREI SUA ALMA, de José Mojica Marins
AS DEUSAS, de Walter Hugo Khouri
CONQUISTA SANGRENTA, de Paul Verhoeven
DRUGSTORE COWBOY, de Gus Van Sant
ELES NÃO USAM BLACK-TIE, de Leon Hirszman
GOSTO DE SANGUE, de Joel e Ethan Coen
KIDS, de Larry Clark
LUZES DA RIBALTA, de Charles Chaplin

Feliz ano novo!

Que 2017 traga não apenas grandes e inesquecíveis filmes, mas também muita saúde, prosperidade, novos amores, paz espiritual, sucesso profissional e boas e bem-vindas surpresas. Até o próximo ano e obrigado pelas visitas, comentários e, aos amigos mais próximos, deixo meu muito obrigado por toda a força e o carinho que tenho recebido de vocês.

sexta-feira, dezembro 30, 2016

O PLANO DE MAGGIE (Maggie's Plan)























Minha simpatia por Ethan Hawke é antiga. Desde quando ele era adolescente ainda, fazendo o papel do rapaz tímido de SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, de Peter Weir. Depois ele foi aparecer em outro dos filmes da minha vida, ANTES DO AMANHECER, de Richard Linklater, vivendo um personagem que reapareceria em mais outros dois filmes. Já Greta Gerwig é amor recente. A moça parece saída de um filme de Woody Allen e encantou a muitos com FRANCES HA, de Noah Baumbach. Desde então, cada filme em que aparece tem sido uma alegria.

O PLANO DE MAGGIE (2015), de Rebecca Miller, pode não ser dos melhores da diretora, mas é um filme extremamente simpático, até por contar com a presença desse casal de atores e ainda trazer como bônus Julianne Moore, como a esposa megera do personagem de Hawke. Já Greta é a Maggie do título, uma moça que trabalha no Departamento de Artes de uma universidade e que gosta muito de se planejar. Acredita que já está na hora de ser mãe e, como não está namorando, quer conseguir um filho por meio de inseminação artificial. Já até tem um doador de esperma.

Tudo estava indo muito bem até que ela conhece John (Hawke), um professor e autor que está atualmente preparando o seu primeiro livro de ficção. Ela nutre simpatia por ele desde o início, sabe que ele é casado, mas não esperava que ele fosse cair em seus braços tão rapidamente, dado o casamento em crise. Assim, ele entra em sua vida, mas não do jeito que ela gostaria. John é bastante egoísta e muito centrado em seu trabalho e muito pouco na nova esposa e no filho que tem em comum com ela. Aos poucos, Maggie vai percebendo que estaria muito melhor sozinha. E começa a pensar que não seria má ideia devolvê-lo à ex.

O esqueleto da trama em si é divertido. Mas uma pena que o texto não seja tão bom e Rebecca Miller confunda leveza com falta de profundidade em seus personagens, fazendo com que a gente se importe muito pouco com eles. Ainda assim, é desses filmes que divertem pelas situações apresentadas. Sem falar que Hawke e Greta possuem personas fortes o suficiente para levarem o filme nas costas. Quanto a Rebecca Miller, esperava-se mais da diretora dos ótimos O TEMPO DE CADA UM (2002) e de O MUNDO DE JACK & ROSE (2005).

quinta-feira, dezembro 29, 2016

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA (Once upon a Time in America)























Lembro da primeira vez que vi ERA UMA VEZ NA AMÉRICA (1984), de Sergio Leone. Foi na televisão, se não me engano na Band, exibido em duas partes, em dois dias diferentes, dada a longa duração do filme (3h49min). O filme-testamento de Leone é uma obra e tanto e fico muito feliz que ela tenha sido materializada, que algum produtor maluco tenha aceitado a proposta de construir esse épico sobre gângsteres em uma década já marcada por um cinema mais pop. 1984 foi o ano de O EXTERMINADOR DO FUTURO, de A HORA DO PESADELO, de OS CAÇA-FANTASMAS, de O CLUBE DOS CINCO, muito embora houvesse espaço, sim, para um cinema mais adulto.

Além do mais, ERA UMA VEZ NA AMÉRICA contava com Robert De Niro encabeçando o elenco, e o ator estava no auge da popularidade, graças principalmente às suas parcerias com Martin Scorsese. Para o bem e para o mal, ele acabou ficando marcado por esse tipo de papel, o de gângster, desde CAMINHOS PERIGOSOS, de Scorsese, e de O PODEROSO CHEFÃO – PARTE II, de Coppola.

Em comparação com seus outros papéis, talvez haja mais sutileza e amor em ‘Noodles’, seu personagem em ERA UMA VEZ NA AMÉRICA. Embora ele mostre seu lado assustador, a ponto de estuprar a mulher que ama em uma cena bem desconfortável, o olhar de tristeza de seu personagem já velho, assim como a construção de sua infância vista em um longo flashback, faz com que gostemos de seu herói problemático. A melancolia que o filme passa é auxiliada pela linda trilha de Ennio Morricone.

Já na infância, duas coisas ficam marcadas na vida de 'Noodles': a paixão pela bela Deborah Gelly, que na infância é interpretada por Jennifer Connelly (a cena de nudez da jovem certamente seria inadmissível nos dias de hoje, por mais que na verdade a nudez tenha sido feita por uma dublê); e o envolvimento com a gangue, que em certo momento vai culminar com a morte de um de seus amigos, algo que o deixará traumatizado.

Entre as amizades, o destaque é Max, que na versão adulta é interpretado por James Woods, um ator que tem um tipo físico de alguém pouco confiável. Perfeito, portanto, para o papel. Por outro lado, há algo de muito carismático em Max (tanto em sua persona juvenil quanto na fase adulta), que faz com que a plateia goste dele.

O filme se passa em três momentos e décadas distintas: a juventude dos personagens, quando eles descobrem da maneira mais difícil de sobreviver sendo pobres; a fase adulta, bastante envolvidos com a máfia da Lei Seca; e a velhice, quando poucos deles estão vivos mas ainda há negócios pendentes e algo a se descobrir.

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA foi um projeto que Sergio Leone levou muitos anos de sua vida para realizar. Desde os anos 1970 que ele tentava levar para as telas o livro The Hoods, de Harry Grey, mas sempre encontrou muitos obstáculos. Finalmente, em 1982, ele pôde dar seguimento ao seu sonho. Ainda assim, ele ainda queria que John Millius assumisse a direção, mas, como o diretor de CONAN, O BÁRBARO não aceitou, ele assumiu a função. Leone estava afastado das câmeras há um bom tempo – desde a direção não-creditada de TRINITY E SEUS COMPANHEIROS (1975).

O cineasta adota o andamento lento já apresentado em ERA UMA VEZ NO OESTE (1968), o que pode afastar alguns espectadores apressados. Mas há tanta coisa interessante e atraente, que é difícil não ficar encantado, especialmente nas cenas que se passam durante a fase da infância dos personagens. Além do mais, trata-se de um filme sobre amizade e lealdade, o que já o diferencia de outros filmes de máfia. Leone não tem interesse aqui em mostrar de forma aprofundada os negócios ilícitos de seus personagens. O contexto histórico já deixa isso claro.

Enfim, há muito o que se falar do filme. Há tantas histórias que ainda não sei e que certamente um bom documentário a respeito poderia ajudar. Ou um livro contando detalhes tanto dos bastidores quanto uma análise da própria trama e de seus personagens. É um filme e tanto, que mereceria mais revisões e páginas e páginas de textos mais bem-cuidados.

quarta-feira, dezembro 28, 2016

O QUE ESTÁ POR VIR (L'Avenir)























Dizer que um filme é sobre nada até que não é algo ruim. Falam isso sobre a melhor sitcom de todos os tempos (SEINFELD), falam isso de um dos melhores romances de todos os tempos (Madame Bovary). Na verdade, trata-se de uma descrição exagerada dessas obras, mas que se for aplicada a O QUE ESTÁ POR VIR (2016), novo trabalho de Mia Hansen-Løve, até que cabe melhor, já que não vemos muita coisa "importante" acontecendo, não há grandes reviravoltas ou um plot convencional.

O que há é gente normal fazendo coisas normais, levando a vida do jeito que dá, com suas alegrias e angústias, sem muitos arroubos dramáticos. Pelo menos, não de maneira explícita, já que há sim momentos em que a protagonista está chorando sozinha no quarto ou dentro de um ônibus. A vida não é fácil, mas é possível seguir em frente. Além do mais, o prazer pela leitura, o amor pelos livros, faz com que a vida tenha sentido, seja prazerosa.

E que legal ver um filme mostrando pessoas lendo bastante. Isso é raro de se ver em filmes, em que os livros parecem ser ausentes ou quase intrusos na vida das pessoas, quando na verdade eles são companheiros e representativos do crescimento espiritual. O fato de a protagonista ser uma professora de Filosofia ajuda e muito a transmitir esse sentimento. E há até alguns momentos em que certas questões existenciais são levadas pela professora aos seus alunos em sala de aula.

O jeito como a diretora Mia Hansen-Løve trata sua personagem é de uma delicadeza admirável. E, claro, o fato de ser interpretada por Isabelle Huppert ajuda bastante. Sua personagem aqui é bastante diferente daquela que será mais lembrada em 2016, a de ELLE. Temos uma interpretação mais sutil, como o filme requer, como a vida, que a diretora quer mostrar, requer. É provavelmente com O QUE ESTÁ POR VIR que finalmente entendemos melhor outros filmes da diretora que também possuem esse tipo de característica marcadamente voltada para as coisas simples da vida, como ADEUS, PRIMEIRO AMOR (2011) e EDEN (2014). Rever os trabalhos anteriores da cineasta agora pode fazer mais sentido, pode dar a eles uma dimensão maior, mais interessante.

A trama, como se vê, é o de menos, mas se for possível fazer uma breve sinopse, temos a história de uma professora de Filosofia que é casada com um homem que também é professor, e que tem dois jovens filhos. Aos poucos, sua vida irá mudar por uma série de incidentes que são tratados como coisas que fazem a personagem sofrer, mas que a própria montagem faz questão de cortar, em vez de estender esses momentos, mudando para o dia seguinte, quando o sol nasce mais uma vez. E o sol, aliás, tem tudo a ver com a vitalidade da personagem, uma das mais leves da carreira recente de Huppert, em um dos filmes mais poéticos do cinema recente.

terça-feira, dezembro 27, 2016

O ROUBO DA TAÇA























Uma das melhores comédias do ano, se não a melhor, é brasileira. Ela compete pau a pau, e ganhando por alguns pontos, eu diria, com outra comédia sobre pessoas atrapalhadas cometendo um grande roubo, GÊNIOS DO CRIME, de Jared Hass. Mas se a comédia americana tinha um orçamento poupudo para torrar com um elenco estelar e cenas de destruição de carros, o nosso O ROUBO DA TAÇA (2016) é mais modesto, mas ganha bastante tanto em criatividade quanto no modo como descreve o Brasil daquele período, 1983. Ambos os filmes são baseados incrivelmente em fatos.

O ROUBO DA TAÇA começa com um prólogo que vai direto ao ponto: os dois atrapalhados e pobretões tendo a chance de roubar a taça Jules Rimet. E, nesse prólogo, tem uma sequência ligada a uma superstição que é genial. Depois disso, somos apresentados à esposa de um deles, Dolores, vivida brilhantemente por Taís Araújo, que às vezes toma o papel de narradora da história. Dolores também desempenhará um papel importantíssimo na história e é a única personagem com inteligência. Todos os homens são uns paspalhões.

A começar, principalmente, por seu marido, Peralta (Paulo Tiefenthaler), que deve uma fortuna em jogo. Todo o dinheiro que ele ganha vai parar em jogo e mesmo assim a mulher ainda gosta dele. Cara de sorte. Depois de se ver numa enrascada por causa da dívida, ele tem a ideia de roubar a taça, com a ajuda do amigo Borracha (Danilo Grangheia). Só que, como era de se esperar, vender um dos objetos mais famosos do mundo não é tarefa fácil para amadores.

Uma das belas sacadas do filme é também saber nos situar quanto ao valor da taça, principalmente de natureza sentimental, através de um breve histórico inicial em formato de telejornal. Também situa o espectador na realidade econômica e social do Brasil naquele momento de fins de ditadura, mas de crise econômica das grandes. E como os personagens parecem saídos de pornochanchadas daquela época, então nos sentimos em casa e ainda achamos tudo muito gostoso de ver.

Uma pena que O ROUBO DA TAÇA tenha passado pelo cinema de maneira tão rápida. Se feita uma propaganda efetiva, teríamos um excelente filme popular que ganharia e muito com o boca a boca. Infelizmente, ele só ficou uma semana em cartaz aqui. Nem eu, que costumo ver quase tudo, consegui vê-lo em uma dessas semanas de "lançamentos de estreias". Mas, felizmente, o filme está aí na telinha para ser descoberto e devidamente apreciado.

O diretor, Caíto Ortiz, é um apreciador do futebol, tendo em seu currículo um documentário sobre a paixão pelo esporte brasileiro por excelência chamado O DIA EM QUE O BRASIL ESTEVE AQUI (2005) e a minissérie (fdp) (2012), produção da HBO sobre um árbitro de futebol. Seu longa-metragem de ficção anterior, porém, ao que parece, não tem nada de futebol: é sobre um paulista descendente de japoneses que recebe uma carta do Japão.

segunda-feira, dezembro 26, 2016

SULLY - O HERÓI DO RIO HUDSON (Sully)























Clint Eastwood tem se tornado o grande cronista da História americana do cinema contemporâneo. Seus últimos filmes trataram de histórias reais. J. EDGAR (2011), JERSEY BOYS – EM BUSCA DA MÚSICA (2014) e SNIPER AMERICANO (2014) juntam-se agora a uma outra história: a do piloto Chesley ‘Sully’ Sullenberg, que ficou mundialmente famoso por livrar da morte 155 passageiros e membros da tripulação, através de um pouso forçado no Rio Hudson, poucos minutos depois de decolar de um dos aeroportos de Nova York.

SULLY – O HERÓI DO RIO HUDSON (2016) infelizmente chegou aqui em um momento particularmente triste para os brasileiros: poucos dias após o desastre que vitimou dezenas de pessoas ligadas a um simpático time pequeno mas com uma escalada de vitórias digna de um filme, a Chapecoense. Aliás, há um filme americano que conta uma história semelhante: SOMOS MARSHALL, de McG.

Mas o filme de Eastwood não trata de uma tragédia, mas do feito heroico de um homem comum, que realizou algo considerado um milagre para os americanos, que vinham de uma fase cheia de notícias ruins. E, diferente de SNIPER AMERICANO, que trazia um herói mais problemático e controverso, principalmente por ser um homem que matou a tantos em guerras perturbadoras, o herói de Sully é representativo daqueles heróis antigos, como os mostrados em filmes estrelados por Gregory Peck ou Gary Cooper. Por isso, ninguém melhor que Tom Hanks para assumir o papel.

Ainda assim, há algo no filme que parece não funcionar muito bem. Talvez seja a história que é muito curta (e em determinado momento ela se repete, inclusive), ou tenha faltado uma mão mais firme do diretor para lidar com o drama do personagem acuado por um grupo de peritos da NTSB (Departamento Nacional de Segurança no Transporte), que supõe que o piloto colocou a vida dos passageiros em risco ao tomar a decisão de pousar na água, já que é muito raro que um pouso nessas condições não resulte em tragédia.

SULLY está mais para um filme correto, bem realizado, com um elenco muito bom e outras tantas qualidades, mas que falha em não conseguir atingir o espectador com mais força, como em tantos outros filmes o cineasta soube fazer tão bem, a ponto de ser considerado por muitos como o maior dentre os diretores americanos vivos. Além do mais, talvez a simplicidade do roteiro tenha prejudicado um pouco o resultado final. Ainda assim, é desses filmes que se veem com prazer e que é bastante coerente com a filmografia do autor.

Aliás, o próximo filme de Clint contará outra história real de um homem comum que salva pessoas e que é injustamente transformado em vilão pela imprensa. É algo a se pensar sobre o que o nosso velho e querido caubói está querendo dizer com essa série de filmes de temáticas semelhantes.

domingo, dezembro 25, 2016

ROGUE ONE – UMA HISTÓRIA STAR WARS (Rogue One)























E, diferente do que aconteceu com o último filme da franquia Star Trek, não bastou J.J. Abrams ficar na produção de ROGUE ONE – UMA HISTÓRIA STAR WARS (2016) para que o filme fosse um sucesso de crítica e aceitação. Aliás, sucesso é uma coisa relativa, já que as críticas à obra dirigida por Gareth Edwards têm sido mistas. Mas como não estou aqui para falar das críticas, falemos das minhas impressões, ou melhor, dos motivos pelos quais eu não gostei do filme. Ou pelo menos não gostei tanto quanto gostaria.

ROGUE ONE é o primeiro spin-off de Star Wars para o cinema. A franquia já havia se expandido para os quadrinhos e para a literatura há muito tempo e depois para as animações para a televisão. Com a compra da Disney dos direitos dos personagens criados por George Lucas, era só questão de tempo que essa expansão também chegasse aos cinemas. Afinal, uma coisa que se constatou é que mesmo com episódios fracos dirigidos pelo próprio criador a série se mantém muito querida por uma legião de fãs das mais variadas gerações.

Como uma história independente, ainda que tenha algo que a liga a um dos filmes da saga, ROGUE ONE perde pontos em comparação com STAR WARS: EPISÓDIO VII – O DESPERTAR DA FORÇA (2015) pela falta de personagens carismáticos e por trazer sequências de ação que mais causam sono do que entusiasmo. O terço final do filme parece um videogame em que você não é convidado a jogar. E com uma música orquestrada das mais genéricas entre os filmes de ação de Hollywood. Michael Giacchino, parceiro de Abrams desde os tempos de LOST (2004-2010), já foi mais inspirado.

Na trama, Felicity Jones é Jyn Erson, filha de um homem que pertencia a uma facção rebelde de resistência contra o malvado Império. No começo do filme somos apresentados a ela ainda criança. Agora adulta, ela não está muito interessada em participar de grupos rebeldes, mas acaba voltando a lidar com um grupo de resistência por causa de seu contato com o lendário líder Saw Gerrera (Forrest Whitaker). Uma série de situações fará com que lidere um grupo suicida para chegar até uma base do Império a fim de destruir a Estrela da Morte, criada por seu pai (Mads Mikkelsen).

O estilo de interpretação ruim que já é característico da franquia fica ainda mais evidente em ROGUE ONE, com o diferencial que temos atores do naipe de Whitaker fazendo cenas patéticas de tão ruins – caso de sua última aparição no filme, principalmente. Ainda assim, Felicity Jones se destaca e está bem no papel principal, chegando a destoar do restante do elenco.

Quem também se destaca, mas para trazer um senso de humor que funciona no filme em diversos momentos, é o sarcástico robô K-2SO, que costuma sempre fazer cálculos pessimistas. É também uma boa sacada o fato de ele ser um robô criado pelo Império mas modificado pela Aliança Rebelde. Star Wars acaba ganhando, assim, mais um simpático robô para sua já bela galeria de seres de metal inteligentes e fofos.

A trama se passa pouco antes dos eventos de GUERRA NAS ESTRELAS (1977), o primeiro filme da série, depois rebatizado como STAR WARS: EPISÓDIO IV – UMA NOVA ESPERANÇA. Assim, há a presença de vários elementos familiares aos fãs e também a pessoas não tão fãs que tem acompanhado os filmes ao longo dos anos. O próprio Darth Vader marca presença, inclusive.

No mais, é esperar o veredito do tempo: se ROGUE ONE será esquecido e mal visto até mesmo por quem gostou dele e o elogiou ou se entrará para o rol dos filmes da série que até hoje são mal-afeiçoados, como foi o caso de STAR WARS: EPISÓDIO I – A AMEAÇA FANTASMA (1999). De todo modo, isso não diminui o interesse pelo próximo episódio, a ser lançado em 2017, que já conta com personagens carismáticos e uma equipe de confiança, embora, saibamos, tudo pode acontecer.

terça-feira, dezembro 20, 2016

BELOS SONHOS (Fai Bei Sogni)























Que triste a Itália não ter mais tantos cineastas gigantes, nem ter se renovado com novos grandes nomes. Mas ao menos o país pode se orgulhar de ainda ter Marco Bellocchio ainda ativo em seus 77 anos de vida, fazendo filmes com uma frequência consideravelmente muito boa. BELOS SONHOS (2016) é mais um belíssimo exemplar de um grande cinema, com uma história tão envolvente que poderíamos ficar quatro, cinco horas assistindo os trechos do protagonista, que nos são apresentadas ao longo da narrativa.

E isso é um mérito e tanto, pois poucos filmes conseguem ser ao mesmo tempo tão fragmentado e tão orgânico, conseguindo se fechar muito bem em sua cena final. Na trama, acompanhamos homem, Massimo (Valerio Mastandrea), que carrega consigo um passado traumático relacionado à morte precoce de sua mãe, quando ele tinha apenas nove anos de idade. No princípio o filme concentra-se na infância do protagonista, no quanto a afeição pela mãe é grande, na doença dela, na terrível cena do caixão fechado, em sua quase negação de sua partida.

Mais adiante, o filme voltará a essa infância, mas aos poucos também somos apresentados ao Massimo adulto em diversas passagens da década de 1990, dando destaque ao momento em que ele conhece a médica Elisa, vivida por Bérénice Bejo. Seu personagem é pequeno, mas é responsável pela única cena verdadeiramente feliz de BELOS SONHOS, quando Massimo dança em uma festa da família de Elisa, ao som de "Surfin' bird", dos Ramones.

No mais, o que mais vemos é o olhar entristecido de Massimo, seja a criança que nega a morte da mãe, seja o adulto que luta para seguir adiante em sua profissão. Nas sequências escolhidas por Bellocchio da fase adulta do protagonista, vale destacar outras duas: uma delas tem tudo a ver com o que aconteceu recentemente com a tragédia da Chapecoense; a outra envolve a experiência de Massimo em Sarajevo.

São, aliás, tantas as sequências tão bem orquestradas que é quase um milagre não ter no filme nenhum momento aborrecido. As aparentemente menos importantes situações apresentadas ao longo da narrativa se agigantam em nosso interesse no caleidoscópio de cenas de BELOS SONHOS. Mal comparando, é como se fosse um grande álbum contendo várias excelentes faixas que podem ser vistas separadamente, dado seu aspecto fragmentado.

Talvez isso possa ser dito sobre qualquer filme, mas em BELOS SONHOS – e em outros filmes em que esse aspecto se explicita – o herói também é fragmentado, tanto por ser pós-moderno, quanto por ser uma pessoa que nunca mais foi o mesmo, nunca mais deixou de ser uma pessoa quebrada, após a dramática morte da mãe.

quarta-feira, dezembro 14, 2016

O.J.: MADE IN AMERICA























Curioso o fato de o caso de O.J. Simpson vir à tona de maneira tão forte neste ano, que contou com a produção de dois excelentes trabalhos: a minissérie THE PEOPLE V O.J. SIMPSON – AMERICAN CRIME STORY e este documentário da ESPN que chegou a passar integralmente em suas quase oito horas de duração, mas que é conhecido mesmo por sua exibição na televisão em cinco partes. O.J.: MADE IN AMERICA (2016), além de ter ganhado prêmios em festivais, apareceu na lista de melhores do ano da Sight & Sound. E é o favorito ao Oscar de documentário. E de fato é uma obra e tanto.

Uma coisa que pode vir à mente do espectador é o quanto uma visão dos fatos pode ser mais clara depois de passado algum tempo. Para entender o motivo de um homem que matou a esposa ter sido inocentado e ter seu veredito celebrado principalmente pela população negra dos Estados Unidos no chamado "julgamento do século" tem muito a ver com a forma como os negros foram tratados em todo o país, mas principalmente em Los Angeles, pela Polícia de Los Angeles.

O caso de Rodney King, o caminhoneiro negro que foi espancado sadicamente pela polícia de Los Angeles, e cujo julgamento inocentou todos os policiais envolvidos em um crime filme e que chocou o mundo todo, não havia sido engolido pela comunidade negra americana, por razões óbvias. Além do mais, foram séculos de exploração, humilhação, assassinato, estupro, injustiça. Não é fácil deixar barato. O problema é ter como representante da comunidade negra alguém que estava pouco se lixando para a comunidade, para os direitos e os problemas dos negros americanos, mas que soube muito bem se aproveitar dessa situação para se safar.

O documentário não começa muito animador para quem não gosta de esportes, pois mostra primeiramente o começo da carreira de O.J, o seu imenso sucesso no futebol e sua popularidade também entre os brancos, já que ele virou, além de garoto-propaganda, também um ator esforçado. Quem viu CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ não deve esquecer de sua memorável participação.

O filme (ou minissérie) vai ficando melhor a cada parte, mas é importante que a ascensão de Simpson seja apresentada, de modo que a decadência se mostre imensa, como de fato foi. Além do mais, O.J.: MADE IN AMERICA também, nessa primeira parte, mostra a violência sofrida pelos negros por parte dos policiais da cidade, extremamente racistas. Tudo isso funciona como um preparatório para o que mais interessa e que é visto com muito dinamismo na minissérie que tratou de recriar com brilhantismo os eventos reais.

O documentário, porém, vai mais fundo, já que há diversos depoimentos, além de imagens de arquivo preciosas. As cenas do tribunal, por exemplo, são mostradas em paralelo com os depoimentos dos próprios envolvidos, pelo menos aqueles que aceitaram participar, como o pai de Ron Goldman e até mesmo o policial que foi desmascarado em tribunal como um sujeito ultra-racista e que acabou sendo um dos responsáveis pela não-condenação de O.J.

Algumas sequências são bem poderosas e ainda chocam, como a cena em que o perito criminal conta como O.J. agiu na noite do homicídio que vitimou a esposa Nicole Brown e o amante (ou amigo) Ron Goldman. Mas o melhor (ou pior) ainda estaria por vir, depois que o ex-jogador é inocentado, quando ele percebe que não pode mais voltar a ter a mesma vida boa que tinha, como se nada tivesse acontecido. O fato de haver a questão dos filhos é de causar aflição também. A decadência de O.J. só não é mais triste pois trata-se de uma pessoa mentirosa e fria, possivelmente um psicopata. Portanto, acompanhar de camarote sua trajetória ladeira abaixo não deixa de trazer uma ponta de prazer sádico, ainda que um prazer associado a um gosto amargo.

Afinal, trata-se da história de um homem que foi amado por muitos e que devolveu esse amor da pior forma que se pode imaginar. E o fato de o documentário ser longo se justifica, já que o caso é bastante complexo, a personalidade de O.J. é bastante complexa, para se contar em apenas duas horas. Uma história fascinante, perturbadora e marcante que ganhou um filme à altura.

segunda-feira, dezembro 12, 2016

MONSTROS (Monsters)























Falta pouco para a estreia de ROGUE ONE – UMA HISTÓRIA STAR WARS e por isso parece um bom momento para conferir outra obra menos famosa do diretor inglês Gareth Edwards. MONSTROS (2010) foi o seu primeiro longa-metragem para cinema. Antes ele havia feito um telefilme e alguns curtas. É uma obra pequena e claramente de baixo orçamento, mas que chamou a atenção de Hollywood, que o chamou para dirigir GODZILLA (2014). O que há de comum entre os dois filmes é que há um interesse em tratar de questões humanas, quando o que parece ser o foco são monstros gigantes.

No caso de MONSTROS, isso fica ainda mais evidente, já que não há dinheiro para explorar tanto assim os efeitos especiais. E talvez nem seja do interesse do diretor, já que a construção do relacionamento entre o casal de protagonistas é muito bom. São eles o fotógrafo Andrew (Scoot McNairy) e uma turista americana presa no México, Sam (Whitney Able). Ele fica incumbido de levar a moça até os Estados Unidos, a uma região menos perigosa, tendo que atravessar a zona infectada, que fica justamente entre os Estados Unidos e o México.

O filme procura manter o mistério e não dar muitas informações sobre a natureza da invasão alienígena e os propósitos das criaturas gigantes em nosso planeta, o que funciona como um ponto positivo. A princípio, só vemos seus corpos mortos. Elas mais parecem aranhas gigantes. O filme explora até que bem pouco a tensão e os sustos, preferindo focar no desenvolvimento do afeto que vai sendo criado ao longo da jornada entre os dois jovens.

Ele tem um filho pequeno com outra mulher e sofre em não poder dizer para a criança que ele é seu pai biológico, a pedido da mãe. Ela, por sua vez, está prestes a casar, mas ultimamente anda repensando muito bem se está tomando a decisão certa. E quando sentimentos por Andrew começam a surgir, então, aí é que tudo fica complicado em sua cabeça.

MONSTROS tem um título tão genérico e que tão pouco remete ao que realmente o filme mostra que parece claro que se trata de uma opção comercial, já que as pessoas estão interessadas em ver um filme de monstros e não um filme de relacionamentos com poucos monstros, embora seja isso o que elas recebem. De todo modo, só se tem a ganhar ao ver o filme, inclusive pelas cenas com as criaturas. A cena no posto de gasolina, por exemplo, é ótima. Explora tanto o medo e o terror quanto as questões pessoais dos personagens.

Agora é ver o quanto Edwards vai impor essa característica que parece marcante em MONSTROS e em GODZILLA em uma superprodução comandada pela Disney/Lucas Film. De todo modo, ainda que não seja um filme de autor, a expectativa em relação ao primeiro spin-off para o cinema de Star Wars tem sido bem positiva, de acordo com algumas primeiras críticas que têm surgido.

domingo, dezembro 11, 2016

QUATRO COMÉDIAS BRASILEIRAS























O tempo urge, companheiros, e a inspiração para escrever textos melhores não tem aparecido com frequência ultimamente. Então, vamos de textos curtos e rasteiros, mesmo, que é pra não deixar esse espaço aqui parado, ok? A temática escolhida foi a de comédias brasileiras.

O DUELO

Marcos Jorge, ao que parece, vai ficar sendo lembrado sempre por ESTÔMAGO (2007), de longe seu melhor trabalho. O DUELO (2015) acabou ganhando alguma visibilidade pela presença de José Wilker, que já tinha morrido quando o filme estreou. Não se trata de um filme ruim, mas há algo nele que faz parecer uma adaptação ruim de uma obra literária. E de fato é. Trata-se de uma adaptação de Os Velhos Marinheiros, de Jorge Amado. O cineasta não soube transformar a obra literária em uma produção autenticamente cinematográfica, mas o filme não deixa de ter o seu charme, mesmo ficando um pouco maçante nas cenas estreladas por Joaquim de Almeida. Trata-se de um filme sobre o encanto das narrativas orais. Na trama, Almeida interpreta um homem que diz ser um capitão em uma cidadezinha da Bahia dos anos 1920. Seu sucesso provoca a fúria de um cidadão da cidade, vivido por José Wilker, que tenta desmascarar o seu rival.

O ÚLTIMO VIRGEM

Claramente uma cópia descarada das comédias americanas de jovens em busca do sexo da década de 1980, O ÚLTIMO VIRGEM (2016, foto), de Rilson Baco e Felipe Bretas, acaba divertindo bastante se a intenção for não esperar muito do filme. Como diversão despretensiosa, dá pra dar boas risadas da história de Dudu (Guilherme Prates), que está prestes a entrar na faculdade, mas não conseguiu ainda perder a virgindade. Seu grupo de amigos trata de ajudá-lo, enquanto, paralelamente, a professora de Química (Fiorella Mattheis) anda dando mole pra ele. Mas como é um filme que a gente já viu várias vezes (e melhor), já se sabe como tudo vai acabar desde o começo. Ou seja, a garota que é a melhor amiga de Dudu (a adorável Bia Arantes), é a que deve ficar com ele no final. Quem está acostumado com as comédias sobre sexo daquela década deve ficar um bocado chateado com a completa falta de cenas de nudez em O ÚLTIMO VIRGEM.

TAMO JUNTO

Eis um filme que, apesar de bem bobo, encanta. E olha que a interpretação de Matheus Souza, o próprio diretor, é bem ruim. Mas, surpreendentemente, ele é muito responsável pela simpatia que TAMO JUNTO (2016) causa no público, pela inocência de seu personagem. O humor, se no começo, é difícil de engolir, por ser demasiado amador, aos poucos vai ficando melhor (ou a gente se acostuma). O protagonista, vivido por Leandro Soares, é um rapaz que acabou de se libertar de um casamento que não estava lhe trazendo alegria. Mas ele descobre que a vida de solteiro também não é nada fácil. No meio do caminho, ele encontra uma colega e amiga dos tempos de colégio, Julia, vivida por Sophie Charlotte. E é quando Sophie entra em campo que o filme nos ganha de vez. Pode não ser a melhor comédia romântica brasileira, mas é um trabalho de personalidade. E que tem, sim, seus momentos de encanto.

O AMOR NO DIVÃ

Uma pena que O AMOR NO DIVÃ (2016), de Alexandre Reinecke, estrague seu quarteto de bons atores em um filme totalmente destituído de graça, com personagens sem carisma algum. É mais um filme sobre dificuldade nos relacionamentos, mas aqui ninguém tenta fugir de cara. O casal vivido por Fernanda Paes Leme e Paulo Vilhena anda atravessando uma crise. O sujeito até se esforça para que o casamento ande, mas a mulher não ajuda e parece ter perdido o interesse nele. Eles se dão uma chance ao ingressar em uma terapia de casal. A terapeuta deles (Zezé Polessa), por sua vez, anda percebendo, pelas palavras do casal, e pela decadência de seu casamento, que ela também precisa dar uma sacudida em sua vida privada. Aliás, impressionante como o personagem do Daniel Dantas parece um completo idiota. É um filme que tem os seus momentos, mas que falta mais graça.

quinta-feira, dezembro 08, 2016

O FILHO ETERNO























Tarefa complicada adaptar uma obra sobre um pai que não aceita a condição do filho, que tem Síndrome de Down, e não resvalar na pieguice, no dramalhão. O mérito está em toda a equipe envolvida, passando pelo roteiro adaptado de Leonardo Levis (CANÇÃO DA VOLTA, 2016); pela produção sempre competente de Rodrigo Teixeira, que só este ano se mostrou atuante em quatro produções importantes; pela direção contida, mas sem perder o interesse na emoção de Paulo Machline (de TRINTA, 2014); nos dois protagonistas, vividos por Marcos Veras e Débora Falabella; e também no trabalho comovente do garoto Pedro Vinícius, que empresta seu coração gigante para o último ato do filme, sem parecer se esforçar muito para isso.

O FILHO ETERNO (2016) também tem o mérito de nos colocar nas décadas de 1980 e 90, já que a história se passa no intervalo entre duas Copas, a de 1982, quando a seleção brasileira de Zico e cia. perdeu naquele histórico 3x2 para a Itália e deixou um gosto amargo no país inteiro, e termina em 1994, com a conquista do título de tetracampeão, com a seleção de Romário e a memorável disputa por pênaltis. Percebemos não apenas o bom trabalho de direção de arte, mas também o próprio espírito desse período, exemplificado no próprio modo mais duro e até desumano como as coisas eram ditas. Naquela época, era natural chamar um garoto com Síndrome de Down de mongol; ou dizer coisas que não deveriam ser ditas para os próprios amigos, como se pode ver em um diálogo entre o personagem de Veras e um amigo, em uma festa regada a vinho em sua casa.

Esse jeito duro de mostrar as coisas também se traduz na condução narrativa do filme, que evita, na maior parte do tempo, o caminho fácil da emoção. Afinal, trata-se de uma história de não-aceitação de um pai do próprio filho, que para ele é um grande problema, um grande desgosto. Marcos Veras, em seu primeiro trabalho dramático para o cinema, confere verdade a seu personagem, embora sua performance seja apenas correta. Como ele é o condutor da narrativa, também não é fácil para o espectador olhar, ainda que com certo distanciamento, o modo como ele vê a situação, seja fugindo para a bebida ou para outras mulheres, seja tratando o filho de forma agressiva e impaciente, seja até mesmo ficando feliz ao saber que crianças com Down podem morrer cedo.

Mas o interessante de tudo é que o filme consegue não transformar esse personagem em um monstro ou um sujeito odiável. Ele é apenas um homem que demora a enxergar o presente que lhe foi dado de uma maneira amorosa. Até lá o amor aparece na figura da mãe, vivida por Débora Falabella. E é dela o grande momento do filme. Desses de fazer muito espectador chorar. Trata-se de um monólogo em que ela conta sobre um dia na vida dela com o filho. Percebemos que a emoção está ali de verdade, não apenas uma técnica de interpretação. É o tipo de cena que já eleva o filme a um outro patamar.

Baseado na história real de Cristóvão Tezza, que desabafa em forma de romance sobre esse difícil processo de aceitação da condição do filho, O Filho Eterno também ganhou uma adaptação para os palcos na forma de monólogo. E em ambos os casos, a personagem da mãe aparece muito pouco. Na adaptação cinematográfica ela está não só mais presente, mas também representando o amor incondicional, ajudando a tornar mais palatável aquela situação dura de negação do diferente. Foi uma escolha muito feliz dos realizadores (roteirista e diretor) e por causa disso o filme ganhou uma força maior, embora muito disso também se deva à escalação do ótimo garoto que interpreta o Fabrício pré-adolescente, um amor de menino, que empresta sensibilidade e espontaneidade à obra.