quarta-feira, novembro 30, 2016

ELIS























Os tempos andam tão sombrios que durante a exibição de ELIS (2016), um prazer e um conforto atravessaram meu espírito de tal forma que eu me senti imensamente grato por estar vendo aquele filme imperfeito, mas que conta a história de uma mulher fascinante e que traz canções que arrepiam. E a gente sabe o quanto grandes canções são beneficiadas dentro de uma sala de cinema. E o filme já começa com "Como nossos pais", escrita pelo nosso Belchior, que tanto reflete em nosso atual momento político, que parece uma versão atenuada, mas não menos ultrajante, do que foi o Brasil das décadas de 1960-70.

Uma das características de ELIS, primeiro longa-metragem dirigido por Hugo Prata, já se mostra logo de cara, quando vemos Andréia Horta cantando (dublando, na verdade) em uma imagem que mostra a silhueta da personagem. Recurso parecido será visto na cena de sexo de Elis Regina com aquele que seria o seu primeiro marido, Ronaldo Bôscoli, vivido por Gustavo Machado. A escolha do ator foi feliz, pelo menos no modo como se queria pintar o compositor e produtor musical. Ou seja, como alguém cheio de charme, mas também um típico cafajeste.

Confesso que algumas cenas são mesmo de dar vergonha, de tão mal resolvidas. E nem dá pra culpar a dificuldade que até mesmo os americanos têm em fazer grandes cinebiografias. Até porque já temos ótimos exemplares no Brasil, como 2 FILHOS DE FRANCISCO, de Breno Silveira; GONZAGA – DE PAI PRA FILHO, também de Breno Silveira; ESTRADA DA VIDA, de Nelson Pereira dos Santos; e TIM MAIA, de Mauro Maia. E até mesmo podemos ver maiores qualidades em filmes como SOMOS TÃO JOVENS, de Antonio Carlos da Fontoura, e CAZUZA – O TEMPO NÃO PARA, de Walter Carvalho e Sandra Werneck.

Mas, voltando a ELIS, um dos prazeres de ver o filme está na familiaridade com o tema, em ver como são retratadas algumas personalidades conhecidas, como Miele (Lúcio Mauro Filho), César Camargo Mariano (Caco Ciocler), Henfil (Bruce Gomlevsky), Jair Rodrigues (Ícaro Silva) e Nelson Motta (Rodrigo Pandolfo). O filme ainda conta com um dos melhores atores da nova geração, Júlio Andrade, que interpreta um grande amigo de Elis, Lennie Dale. O problema é que, além de ser um personagem bem pouco aproveitado, acaba sendo apenas o sujeito que ensina a cantora a levantar os braços e fazer aquela dança que acaba virando piada no próprio filme – "os braços parecem uma hélice", diz em certo momento Ronaldo Bôscoli.

Em uma crítica alguém disse que o filme é mais sobre os homens que passaram pela vida de Elis, de tão fortes que são os seus personagens e de quão frágil, no mau sentido, acaba sendo a protagonista. O furacão que foi a cantora acaba se tornando apenas uma mera chuvinha na interpretação de Andréia Horta, que capricha apenas naquele sorriso parecido com o da cantora, passando a impressão de que é só uma imitação barata. E o triste mesmo é quando o filme vai se aproximando de seu terço final e tenta apressar tudo e não contar direito nada. A morte da cantora, então, é uma das piores cenas do cinema brasileiro dos últimos anos.

Ainda assim, ELIS é um filme cujas falhas são compensadas pelo prazer que se tem de vê-lo. Por isso falar mal de uma obra que me deu tanto prazer é um tanto complicado para mim. Mas é difícil fugir disso. O que importa é que algumas canções fazem com que o filme seja ótimo para ser visto no cinema. Principalmente as posteriores as da fase inicial, quando ela passa a buscar melhores e mais interessantes caminhos e a trabalhar com grandes compositores. Uma pena, porém, que esses compositores não apareçam. Se bem que seriam mais homens na história, não é? E seria mais uma coisa para administrar na montagem e no roteiro já suficientemente problemáticos.

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