quarta-feira, setembro 09, 2015

QUE HORAS ELA VOLTA?



E Anna Muylaert, mais do que nunca, se mostra ainda melhor em lidar com os tons de drama e comédia, que marcaram também seus outros dois trabalhos mais famosos, DURVAL DISCOS (2002) e É PROIBIDO FUMAR (2009). A diretora tem um talento especial para contrabalançar esses dois pólos, que em se tratando especificamente de QUE HORAS ELA VOLTA? (2015) é bastante delicado. Ainda assim, o filme sofre com parte da audiência rindo em determinados momentos que talvez não sejam tão adequados, ou talvez essa adequação varie mesmo de pessoa para pessoa.

O que vemos aqui é um trabalho sensível sobre o ato de ser mãe, o estar presente e o estar ausente. E, nisso, o título do filme é bastante feliz, aparecendo em dois momentos distintos e ao mesmo tempo muito parecidos da narrativa. O fato de Regina Casé estar mais associada à comédia do que ao drama contribui positivamente para o filme, e para o modo como nos afeiçoamos à sua personagem. Quem cresceu, por exemplo, vendo-a em um programa como TV PIRATA, ou em exibições na televisão de OS SETE GATINHOS, de Neville D'Almeida, já criou em torno da atriz uma persona associada ao escracho.

Em QUE HORAS ELA VOLTA? ela é Val, uma empregada doméstica que dorme no trabalho. Ela veio do Nordeste e lá deixou uma filha, que não vê há dez anos. Compensando a dor de não estar com a filha, ela cuida com muito carinho do filho da patroa, Fabinho (Michel Joelsas). Ele nutre muito mais amor por Val do que pela própria mãe, Bárbara (Karine Teles), que está quase sempre ausente, por causa do trabalho.

A rotina de Val muda quando ela recebe o telefonema da filha Jéssica (Camila Márdia), que vai prestar vestibular em São Paulo. Sem ter onde alocá-la, Val acha por bem trazê-la para a casa dos patrões e cria-se, desde a sua chegada, um sentimento de desconforto, que é automaticamente sentido pelo espectador também.

Está ali uma jovem que não se conforma com o jeito extremamente subserviente da mãe e que, deliberadamente, age de maneira a questionar a cultura herdeira do tempo da escravidão, que deixa a empregada em um quartinho propositalmente minúsculo e desconfortável, próximo de vassouras e outros apetrechos de limpeza. Quando Jéssica propõe dormir no luxuoso quarto de hóspedes, isso acaba gerando uma espécie de discórdia entre o marido, Carlos (Lourenço Mutarelli), e a mulher. Ele tenta tratá-la da melhor maneira possível (depois entendemos o porquê), enquanto a mulher fica incomodada com aquela moça tão segura de si, mesmo não tendo dinheiro, nem lugar pra ficar.

Desse modo, QUE HORAS ELA VOLTA? funciona muito bem em suas duas funções: a de tratar da questão da maternidade e também dos embates de classes da sociedade contemporânea, que já havia sido vista em outros trabalhos de destaque, O SOM AO REDOR, de Kleber Mendonça Filho, e CASA GRANDE, de Fellipe Barbosa. Os três filmes dialogam entre si e trazem uma discussão muito saudável sobre um novo estado das coisas.

O filme de Mulayert tem se saído muito bem em exibições no exterior, principalmente na França, depois de conquistar vários prêmios internacionais, como os de melhor atriz para a dupla Regina Casé e Camila Márdia, no Festival de Sundance. Tem-se falado muito, também, de o trabalho ser indicado ao Oscar 2016.

As premiações e o sucesso de crítica têm atraído também um público mais específico, o que é uma pena, pois o filme tem tudo para agradar tanto as classes mais favorecidas quanto as menos favorecidas da sociedade brasileira, dado o seu discurso de esquerda que toca na ferida de uma forma muito sensível.

Como se trata de um filme especial, QUE HORAS ELA VOLTA? é o caso de obra cujo conjunto de cenas parece perfeito, embora seja fácil enumerar algumas sequências antológicas, como o momento da chegada de Jéssica na casa, as cenas que mostram o carinho de Val com Fabinho, a cena do almoço de Jéssica com o patrão da mãe, e, principalmente, a cena de Val na piscina, que é de deixar os olhos marejados. É um filme que nos deixa com um sentimento de alegria agridoce muito bem-vindo.

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