sexta-feira, julho 31, 2015

O GORILA



Um cinema brasileiro muito especial segue praticamente invisível em nosso circuito. Por isso é preciso olhar com carinho para a nossa cinematografia que, contrariando o que pode parecer para muitos, está sim passando por uma excelente fase criativa.

Um exemplo disso é o sensacional O GORILA (2012), de José Eduardo Belmonte. Trata-se, muito provavelmente, do melhor trabalho do cineasta brasiliense. Nem o trailer nem muito menos o cartaz ou o título oferecem a dimensão do que o filme oferece, com seu flerte com o gênero suspense, enquanto conta também uma história de solidão. Uma solidão também sentida e refletida, de modo solidário ao protagonista, pelos poucos (e privilegiados) presentes à sessão.

Na trama, que se passa provavelmente na década de 1990, Otávio Müller é um ex-dublador que se aposenta precocemente por causa de um grave problema nos dentes. Sentindo-se sozinho e evitando se socializar, ele cria um personagem para diminuir sua solidão, bem como trazer um pouco de alegria para aquelas (e aquele) para quem ele liga usando o codinome "Gorila". Com sua voz aveludada, ele conquista quem está do outro lado da linha.

Sua brincadeira é perturbada quando alguém liga para ele anonimamente lhe pedindo ajuda. A inversão de papéis o incomoda, ainda mais quando, pelo menos aparentemente, deixa de ser um simples trote e se torna um evento especialmente perturbador em sua vida. Isso faria com que o pano que cobria o Gorila daqueles a quem ele ligava começasse a cair.

Alessandra Negrini interpreta a mais adorável das moças para quem ele liga anonimamente. E a brincadeira de ela usar também um pseudônimo (Rosalinda) acaba acentuando essa impressão. Sem falar que a atriz, com sua beleza e o fascínio que geralmente nos causa, consegue facilmente simbolizar o exemplo de amor perfeito. Ou algo próximo disso, ao menos.

Acontece que Afrânio, o nome verdadeiro do Gorila, não tem a imagem de nenhum príncipe encantado ou algo do tipo. Mais um dos motivos de ele se esconder em sua voz – o jeito como o personagem de Eucir de Souza, o gay enrustido – o descreve é exemplar desse tipo de dissonância do que se imagina e do que se é. Mas nada nos prepara para uma das cenas de encontro entre Afrânio e Cíntia, vivida por Mariana Ximenes. A atriz continua tendo um sex appeal fenomenal. E usa-o a seu favor, para a construção de sua personagem.

O mix de sentimentos que O GORILA passa faz transbordar as emoções do espectador, seja utilizando uma trilha de suspense quando o personagem parece saído de uma obra de Franz Kafka, seja quando o filme também lida com os sentimentos de Afrânio, uma figura de fácil identificação para quem experimenta com certa frequência a solidão. É, possivelmente, o personagem da vida de Otávio Müller, que já havia trabalhado com Belmonte em BILLI PIG (2012) e ALEMÃO (2014), que na verdade, foi filmado depois.

Quanto ao final, ele serve para coroar a obra com uma beleza inenarrável, criando uma sensação contraditória que só faz o filme crescer no pensamento. Dá até vontade de conhecer a novela de Sérgio Sant'Anna, que deu origem ao filme, e que está presente no livro O Voo da Madrugada. Lembrando que Sant'Anna é também autor de outra obra que rendeu uma adaptação belíssima: CRIME DELICADO (2005), de Beto Brant.

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