sábado, fevereiro 07, 2015

CORAÇÕES DE FERRO (Fury)



Raro ver um filme de guerra tão intenso e tão vivo nos dias de hoje quanto este CORAÇÕES DE FERRO (2014), de David Ayer. Muito provavelmente por ser mais um filme de personagens do que de roteiro. O roteiro, no caso, se interessa mais na construção dos tais personagens, no modo como eles nos são apresentados e desenvolvidos e na evolução do jovem Norman (Logan Lerman), ao ingressar no grupo do Sargento Don 'Wardaddy' Collier (Brad Pitt), o homem que o ensina a matar, mas também lhe dá oportunidade para sentir um pouco das delícias da vida, ainda que naquele inferno que era a Alemanha antes da completa rendição dos nazistas.

É fácil gostar dos personagens. Shia LaBeouf está em um de seus melhores papéis até o momento, como o soldado protestante que vive citando trechos da Bíblia e tem uma relação toda especial com a guerra. Não à toa, seu apelido é 'Bíblia'. Em contrapartida, temos dois homens mais mundanos, vividos por Michael Peña e Jon Bernthal, que costumam relembrar as aventuras e desventuras vividas junto com seu bravo chefe, o durão 'Wardaddy'.

CORAÇÕES DE FERRO procura não fazer daquele período histórico o que tantos outros filmes fazem, isto é, torná-lo nobre. No calor da batalha, o que há mesmo é espaço para pedaços de corpos espalhados por todos os lados, inclusive em meio à lama que o tanque Fury do título passa, ao longo da devastada Alemanha rural. O primeiro serviço de Norman, aliás, é limpar os restos do corpo de alguém morto dentro do tanque. Mas isso não é nada perto do que viria a enfrentar.

Certamente um dos momentos mais devastadores, no sentido de emoção mesmo, é quando Don e Norman entram na casa de duas mulheres alemãs. As duas morrendo de medo de serem assassinadas pelos americanos acabam sendo relativamente bem tratadas. Que o diga a bela e jovem Emma, vivida por uma atriz que chegou a interpretar a versão adolescente de Romy Schneider em um telefilme de 2009.

O momento na casa dessas duas mulheres é uma espécie de trégua em meio a tantos tiros e mortes, mas ainda reservaria uma surpresa cruel para o espectador. Uma prova de que a guerra é sempre suja e de que acreditar em Deus nesses tempos é uma tarefa muito ingrata. Mas ainda assim ‘Bíblia’ acredita no fato de que até então o Senhor os estaria ajudando, num belo exemplo de fé.

Uma das grandes qualidades do filme é ter algo de hawksiano, ao apresentar a amizade masculina daqueles homens unidos diante de situações terríveis, mas que ainda dizem que têm o melhor emprego que há. A amizade, junto com a brutalidade e a violência muitas vezes gráfica das cenas de guerra, compõem um quadro que há muito não se via em filmes americanos do gênero.

É o caso, portanto, de admirar o belo trabalho do diretor David Ayer, que de roteirista de sucesso em DIA DE TREINAMENTO (2001) passou a diretor respeitado em MARCADOS PARA MORRER (2012). Torçamos que não estrague a carreira com uma superprodução da DC Comics, ESQUADRÃO SUICIDA, prevista para estrear no próximo ano. Enquanto isso talvez seja hora de conhecer seus trabalhos anteriores e ver se se trata mesmo de um cineasta de linhagem nobre.

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