sábado, fevereiro 28, 2015

LÚCIA McCARTNEY, UMA GAROTA DE PROGRAMA



Sou totalmente contrário a analisar um filme sob a perspectiva de sua "fidelidade" à obra literária. Mas não resisto quando sei que um filme é baseado em um conto que posso muito bem ler em alguns minutos para em seguida apreciar a adaptação. Acredito que pode até "atrapalhar" um pouco a apreciação fílmica em si, já que torna o ato de ver o filme mais divertido.

Peguemos o caso de LÚCIA McCARTNEY, UMA GAROTA DE PROGRAMA (1971), de David Neves. Fiz questão de ler o conto "Lúcia McCartney", de Rubem Fonseca, antes de ver o filme. E me deliciei até metade do filme, pois não sabia que a obra cinematográfica também havia traduzido "O Caso de F.A.", outro conto do escritor. Resultado: enquanto gostei bastante da primeira parte do filme, tendo lido o conto e percebendo as escolhas do diretor na adaptação, a segunda parte saiu prejudicada, pois “O Caso de F.A.” é um conto maior e mais dinâmico.

Enquanto a adaptação de "Lúcia McCartney" ainda teve a incrível possibilidade de inserir canções dos Beatles na trilha sonora (uma delícia), dando um respiro adorável à história de uma jovem prostituta que se apaixona por um cliente e se sente incompreendida, a parte dedicada a "O Caso de F.A.", com outros atores e personagens, acabou por se mostrar bastante atabalhoada e muitas vezes confusa. Creio que se eu tivesse lido o conto antes teria até gostado. E é aí que eu vejo a fragilidade da obra de Neves, embora também veja suas qualidades.

Adriana Prieto, como a Lúcia McCartney do título, está adorável no papel. Infelizmente foi uma atriz que se foi cedo demais (morreu com apenas 24 anos), mas deixou uma filmografia bem legal, tendo trabalhado, inclusive, com o Khouri (em O PALÁCIO DOS ANJOS). Como o conto tem alguns aspectos modernosos, não deixa de ser interessante o que Neves preparou para diferenciar aquilo que não acontece (ou só acontece na cabeça de Lúcia) daquilo que acontece de fato.

Quanto à outra história, Paulo Villaça está muito bem como o advogado cafajeste e mulherengo que procura ajudar um amigo cliente que se apaixona por uma jovem prostituta, que estaria sendo refém de uma cafetina francesa (Odete Lara) em um bordel. Villaça já era um tipo famoso desde O BANDIDO DA LUZ VERMELHA e o personagem se adequou muito bem a ele. Pena que a história tenha ficado um tanto confusa na montagem final. Sem falar que a cena de ação é tão convincente quanto a de um filme dos Trapalhões.

No quesito erotismo, no início dos anos 1970, a nudez gráfica ainda era um pouco tímida. Só do final da década para o início dos anos 1980 é que se intensificaria enormemente, principalmente nas produções da Boca do Lixo. Mesmo assim, LÚCIA McCARTNEY, UMA GAROTA DE PROGRAMA não deixa de também ser um objeto de apelo erótico.

sexta-feira, fevereiro 27, 2015

SUPERPAI



Costumam dizer que um dos grandes problemas do cinema brasileiro são os maus roteiros. Nunca concordei com isso, mas com SUPERPAI (2015) temos a oportunidade de ver como um roteiro americano vai parar nas mãos de um diretor brasileiro e não sai exatamente uma maravilha da comédia. E olha que tem gente bastante simpática envolvida, como o Danton Mello, que tinha se saído muito bem em VAI QUE DÁ CERTO, Dani Calabresa (ex-CQC) e Antonio Pedro Tabet (PORTA DOS FUNDOS).

Dá para perceber um pouco dos costumes americanos na história do sujeito (Mello) que quer se encontrar com sua turma do colegial depois de 20 anos. Aqui no Brasil, pelo menos nos filmes, isso não é uma tradição. Mas funciona bem em SUPERPAI e os momentos que se passam na tal festa da turma até lembram um pouco SUPERBAD – É HOJE, de Gregg Mottola. Não é difícil imaginar o personagem Cueca sendo interpretado pelo Christopher Mitz-Plasse. Vestiram o ator como se isso fosse proposital, até.

Quem tem mais de 30 anos vai se divertir com o saudosismo de algumas das músicas que rolavam nas festas no início dos anos 1990, embora o que mais anima mesmo é ver a turma de velhos amigos cantando "Inútil", do Ultraje a Rigor, em plenos pulmões dentro do carro. Canção considerada hino de uma geração, dentro do contexto do filme se adequou muito bem. "Bichos escrotos", dos Titãs, também é bem executada.

Na trama, Danton Mello é Diogo, um sujeito que não nasceu pra ganhar na vida. Vive fazendo entrevistas de emprego, mas não consegue nada. Por isso sair com essa turma do tempo do colégio é uma maneira de mostrar que ele está inteiro e pronto para resolver uma pendência daqueles anos, quando ele queria transar com a menina mais bonita da escola e acabou estragando tudo. Ela estaria lá. 

O problema é que a mãe de sua esposa caiu e quebrou a perna. Logo, Diogo precisa arranjar um jeito de deixar o seu filho pequeno com alguém. Consegue deixar o menino por algumas horas numa creche noturna, que fecha às 22 horas. A brincadeira fica melhor quando ele, sem querer, pega o filho errado (por causa de uma máscara de cachorro). A noite divertida conta com sequestradores de crianças, invasão de domicílio para roubo de drogas de farmácia e um bocado de humor físico.

De todo modo, o filme de Pedro Amorim pelo menos não se parece com as globochanchadas. Parece mais com filme americano, dada sua origem. E também aproveita a presença de gente que vem da comédia. Pena que não consegue chegar lá e atingir pelo menos um status de boa comédia. Ainda assim, vale a conferida.

quinta-feira, fevereiro 26, 2015

TRÊS FILMES FRACOS



Assistir só filmes bons é para os fracos. É preciso também ter força e disposição para encarar as tranqueiras. E alguns desses filmes a gente até encara com certo entusiasmo inicial. Ou pelo menos esperando mais do mesmo, no caso de uma continuação ou um filme de gênero convencional. Falemos um pouco destes três filmes, todos produções de 2015 e vistos no cinema.

BUSCA IMPLACÁVEL 3 (Taken 3)


Não resta dúvida de que Liam Neeson se saiu muito bem como um action hero desde o primeiro BUSCA IMPLACÁVEL (2008), tendo feito em seguida outros trabalhos de ação bem dignos, inclusive. Neste terceiro exemplar da franquia não há mais um sequestro, como nos filmes anteriores, mas a esposa e a filha aparecem e são parte essencial da trama. Agora ele luta para provar sua inocência, ao ser acusado de um terrível assassinato. Quase um ninja, o ex-agente Bryan Mills consegue se desviar da patética polícia (liderada pelo personagem de Forrest Whitaker) para descobrir os verdadeiros autores do crime. Seria até um bom feijão com arroz do gênero se as cenas de ação não fossem tão mal filmadas e editadas. Cortesia de Megaton, o pior discípulo de Luc Besson, aqui mais uma vez na posição de produtor de mais um filme francês com cara de americano.

O DESTINO DE JÚPITER (Jupiter Ascending)


Acho que ver O DESTINO DE JÚPITER foi uma espécie de castigo por não ter visto há anos nenhum desfile de escola de samba no Carnaval, já que é mais ou menos isso o que os irmãos Wachowski nos oferecem em sua colorida aventura sci-fi. Pelo trailer já dava para prever que não vinha coisa boa daí, e saber que foi adiado para o ano seguinte por causa de má recepção em exibições-teste não deixa de ser mais um possível indicador. Mas O DESTINO DE JÚPITER é daqueles filmes que é preciso ver para crer. A trama, boba e chata, trata de uma jovem (Mila Kunis) que é uma espécie de reencarnação de uma grande deusa do universo (ou algo do tipo). Ela é salva dos raptores alienígenas por um pau pra toda obra interestelar, vivido por Channing Tatum, que tem algo de lobo e de selvagem em sua essência (embora nada disso seja realmente mostrado). Ruim mesmo é o oscarizado Eddie Redmayne, o oscarizado de A TEORIA DE TUDO. Seu personagem é um desses vilões bem afetados que só funcionaria se o filme conseguisse se assumir e se resolver como comédia (mesmo involuntária). Mas o humor é um desastre. Difícil entender como Hollywood arrisca gastar tantos milhões com mais uma extravagância dos diretores.

A CASA DOS MORTOS (Demonic)

Não há muito a reclamar de A CASA DOS MORTOS. Isso se a pessoa vai ao cinema esperando ver um genericão de casa assombrada com todos os clichês usados exaustivamente e sem a menor criatividade. O único incentivo para que se veja o filme é por ser produzido por James Wan. Como ANNABELLE foi um trabalho simples, mas bem realizado, poderia se esperar o mesmo deste aqui, dirigido pelo pouco experiente Will Canon. Na trama, policial vivido por Frank Grillo tem sua noite de namoro estragada por um caso sinistro: numa casa abandonada por causa de um assassinato ocorrido anos atrás são encontrados os corpos de alguns jovens. Apenas um está presente, mas um tanto alterado para que a polícia consiga arrancar dele pistas do que ocorreu. Em flashback de seu depoimento ou através de vídeos encontrados (mais uma desculpa para usar a câmera na mão e o found footage, ainda que em menor grau), vamos acompanhando o que ocorreu. O resultado é pouco satisfatório, alguns sustos são bem gratuitos e pouco assustadores e eu até já me esqueci do filme, mesmo tendo visto há poucos dias.

terça-feira, fevereiro 24, 2015

OS DOCES BÁRBAROS























Um dos momentos mais arrasadores (no melhor dos sentidos) ocorridos durante a mostra ocorrida no Dragão do Mar no mês de janeiro foi poder ver em gloriosa película este documentário que trata da turnê feita pelo grupo então recém-formado por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa, quatro dos maiores artistas musicais de sua época – e da atualidade, ainda.

OS DOCES BÁRBAROS (1977) acompanha os ensaios, as entrevistas, ouve os artistas em sua intimidade nos bastidores e, o mais importante, nos oferece apresentações maravilhosas dos quatro, passando por diversas cidades do Brasil. Agora, claro que o diretor Jom Tob Azulay não ia prever que seu documentário acompanhando o grupo na turnê seria brindado por um acontecimento que tornaria seu filme ainda mais divertido: a prisão de Gilberto Gil por porte de maconha em Florianópolis.

Não que isso seja a melhor coisa do filme, mas é o que faz o público gargalhar a valer. A sessão em que eu estive (era a única da mostra) estava com a casa cheia e sentir todo mundo ali respondendo ao filme, rindo da seriedade das autoridades e da imprensa e da reação do próprio Gil foi uma experiência impagável.

Mas nada disso importaria se a música não fosse tão boa. Confesso que não conhecia o trabalho dos Doces Bárbaros. Sabia que eles haviam se reunido, mas nunca havia me interessado em ouvir os discos. Até ver o filme. A primeira canção que ouvimos é a alegríssima “Os mais doces bárbaros”, que costumava abrir os shows já elevando o espírito da plateia. Misturando Jesus com a mitologia do Candomblé, discos voadores, a natureza e a arte de cantar, essa canção sintetiza um pouco o som do grupo.

E o mais bonito de tudo é que cada artista tem uma força toda especial no cantar, embora eu tenha uma queda especial pela voz de Gal Costa. Quando ela entra em sua parte de "Atiraste uma pedra", difícil não ficar arrepiado. Até porque esse é o tipo de canção que se destaca das demais por ser de dor de cotovelo, de fossa. E eu tenho um apreço por esse tipo de canção, especialmente quando é bem composta e bem executada. E o arranjo que fazem para esta música é excepcional.

Destaque também para "Fé cega, faca amolada", "O seu amor" e "São João, Xangô menino". Vale também lembrar uma que homenageia o rock'n'roll, chamada "Chuck Berry Fields forever", que é explicada por Caetano como sendo fruto de sua época, da contracultura. Desde os discos de Caetano de fins da década de 1960 que a aproximação bem-vinda da música brasileira com o rock faz com que essa rixa boba entre MPBistas e rockers se torne obsoleta, embora costumeiramente volte sempre a ser objeto de discussão. 

segunda-feira, fevereiro 23, 2015

OSCAR 2015



Não foi das melhores noites do Oscar. Imperou o luxo e isso causou uma boa impressão no início, com um capricho maior numa canção interpretada pelo apresentador da noite e mais duas participações especiais. Também gostei bastante das homenagens que fizeram a alguns filmes no cenário. Mas o problema é que foi mais uma daquelas noites com muita música chata, incluindo aí uma homenagem aos 50 anos de A NOVIÇA REBELDE, cantada por Lady Gaga. Isso a gente não merecia.

A noite ter sido de BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA) também deixou um gosto um pouco amargo, mas também não é de se lamentar tanto. Eu até estava torcendo pelo Michael Keaton. Em vez disso resolveram premiar um rapaz que fez vergonha recentemente em outro filme (O DESTINO DE JÚPITER). Mas de qualquer maneira, Eddie Redmayne estava entre os mais cotados ao prêmio por sua interpretação de Stephen Hawking em A TEORIA DE TUDO.

Curiosamente, numa noite que não teve a graça do ano passado, que contou com uma apresentadora bem mais carismática, tivemos pelo menos um grande momento de emoção: a da comovente apresentação de "Gloria", canção de SELMA – UMA LUTA PELA IGUALDADE. O único prêmio de um filme que foi bem pouco valorizado. E para remediar isso a Academia convidou vários atores negros para a apresentação dos prêmios. Foi também uma noite em que as mulheres mostraram sua insatisfação com os baixos salários, representada principalmente pelo discurso de Patricia Arquette. Muito justo.

Ainda com relação à música, impressionante como a Academia além de escolher mal uma canção de MESMO SE NADA DER CERTO, ainda não convida Keira Knightley para interpretar uma das versões melhores de "Lost stars". A interpretação do rapaz do Maroon 5 foi totalmente sem graça. Para uma noite em que a música desempenha um papel importante, ouvir canções ruins ou chatas torna a cerimônia quase que um suplício.

Pelo menos dá pra dizer que o número de bons e ótimos filmes entre os indicados estava entre os melhores há muito tempo. Nenhum dos filmes é ruim, embora possa se reclamar de dramas convencionais como A TEORIA DE TUDO ou mesmo odiarem os mais cotados, como BIRDMAN ou BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE. Mas há uma obra-prima lá, que pelo menos ganhou prêmio de edição de som. Quem viu SNIPER AMERICANO numa sala IMAX sabe o quanto o som deste filme é sensacional. O mais do que simpático WHIPLASH - EM BUSCA DA PERFEIÇÃO também teve a sua boa dose de prêmios.

No mais, o que comentar desta premiação? Talvez a quantidade de mulheres bonitas presentes em seus vestidos lindos. Jessica Chastain. Jennifer Lopez. Dakota Johnson. Scarlett Johansson. Keira Knightley. Zoe Saldana. Margot Robbie. Marion Cotillard. Felicity Jones. Rosamund Pike. A beleza é efêmera, mas a vida também é. Então, não custa louvar aquilo que satisfaz os olhos e o coração no presente.























Os premiados

Melhor Filme – BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Direção – Alejandro G. Iñárritu (BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA))
Ator – Eddie Redmayne (A TEORIA DE TUDO)
Atriz – Julianne Moore (PARA SEMPRE ALICE)
Ator Coadjuvante – J.K. Simmons (WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO)
Atriz Coadjuvante – Patricia Arquette (BOYHOOD – DA INFÂNCIA À JUVENTUDE)
Roteiro Original – BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Roteiro Adaptado – O JOGO DA IMITAÇÃO
Fotografia – BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Montagem – WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO
Trilha Sonora Original – O GRANDE HOTEL BUDAPESTE
Canção Original - "Glory", de SELMA – UMA LUTA PELA IGUALDADE
Mixagem de Som – WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO
Edição de Som – SNIPER AMERICANO
Efeitos Visuais – INTERESTELAR
Design de produção – O GRANDE HOTEL BUDAPESTE
Figurino – O GRANDE HOTEL BUDAPESTE
Maquiagem e cabelos – O GRANDE HOTEL BUDAPESTE
Filme Estrangeiro – IDA (Polônia)
Longa de Animação – OPERAÇÃO BIG HERO
Curta de Animação – O BANQUETE
Curta-metragem – THE PHONE CALL
Documentário – CITIZENFOUR
Curta Documentário – CRISIS HOTLINE: VETERANS PRESS 1


domingo, fevereiro 22, 2015

LIVRE (Wild)



Não vou negar: o que mais me chamou a atenção em LIVRE (2014) foi a trilha sonora. Não a original, mas os trechos das canções que surgem ao longo do filme. Ao longo da jornada de Cheryl (Reese Witherspoon), podemos ouvir "El condor pasa (If I could)", por Simon & Garfunkel; "Let'em in", por Paul McCartney"; "Suzanne", de Leonard Cohen; "Glory box", do Portishead; "The air that I breathe", do The Hollies; entre outras tantas que eu não sou tão íntimo, mas que compõem um painel sonoro que ajuda a tornar a apreciação do filme de Jean-Marc Vallée ainda mais agradável.

Não é como NA NATUREZA SELVAGEM, de Sean Penn, que é muito extremo, e também não é tão incômodo quanto 127 HORAS, de Danny Boyle. E comparar com HISTÓRIA REAL, de David Lynch, então, seria um sacrilégio. Sim, Cheryl passou por maus bocados, mas se não sentimos tanto o peso do seu passado não é necessariamente um problema do filme, que talvez tenha optado mesmo pela busca de uma leveza espiritual, que a personagem vai obtendo ao sacrificar o corpo, ao pensar no passado, ao ter um contato com a natureza de maneira exponencial.

Depois do sucesso de CLUBE DE COMPRAS DALLAS, que conferiu Oscar a dois astros do elenco, Jean-Marc Vallée volta a conseguir novamente indicações para dois de seus intérpretes. Embora o papel de Laura Dern seja bem fraco, ainda assim, ela e Reese estão juntas na competição, mesmo que com poucas chances. Então, só a indicação já está valendo, ainda que o filme em si tenha passado quase batido nos cinemas quando foi exibido.

Na trama, Cheryl é uma jovem mulher que pretende fazer uma jornada a pé pela costa oeste americana, num percurso de 1.100 milhas (transformar em quilômetros daria número quebrado). Isso, como uma forma de se penitenciar pelo tempo em que passou viciada em heroína e vivendo uma vida sexual irresponsável, depois de passar por maus bocados com a morte da mãe e o divórcio. Uma penitência e ao mesmo tempo uma busca de si mesma. A enorme mochila que ela carrega nas costas, inclusive, pode ser vista como um simbolismo daquilo que ela carrega na mente e no coração.

LIVRE é baseado em um livro de memórias de Cheryl Strayed, que alguns amigos leram e gostaram bastante. É mais um exemplar do quanto o cinema tem se apropriado de histórias reais ultimamente. Talvez porque a vida se tornou mais espetacular do que a arte, talvez por falta de criatividade mesmo. Ou talvez seja um momento de mais apego à vida real, por mais ficcionalizada que ela seja quanto transposta para as telas.

sábado, fevereiro 21, 2015

FOXCATCHER – UMA HISTÓRIA QUE CHOCOU O MUNDO (Foxcatcher)



Antes de mais nada, fica a pergunta: o que a Academia vê tanto em Bennett Miller a ponto de indicá-lo ao Oscar de direção pelos seus três longas de ficção realizados? Foi assim com sua estreia com o ótimo CAPOTE (2005), com o segundo longa, o bom O HOMEM QUE MUDOU O JOGO (2011), e agora com o novo FOXCATCHER – UMA HISTÓRIA QUE CHOCOU O MUNDO (2014), uma obra incômoda, é verdade. E digo isso como um elogio. Mas mesmo assim, acaba decepcionando um pouco, não apenas por não chocar tanto quanto o título brasileiro quer vender, como porque, talvez, haja um excesso de confiança por parte do diretor, ao optar por um andamento narrativo mais lento.

Não que isso seja um defeito. Para provocar o efeito desejado em FOXCATCHER esse tipo de andamento talvez seja mesmo necessário. Outra coisa que talvez possa incomodar nos aspectos técnicos é a trilha sonora, que funciona bem para construir uma atmosfera de tensão e suspense, mas que ao final acaba não causando lá grande comoção. E dá a impressão de que sem ela o filme não se sustentaria.

Ainda assim, FOXCATCHER é o tipo de filme que vai com a gente pra casa. Levamos conosco John Du Pont, o personagem de Steve Carell, um velho narigudo e com gosto por luta grego-romana e por corpos masculinos que ao mesmo tempo que é repugnante é também patético, especialmente quando finge ser o que não é. É o tipo de personagem digno de pena, por sua solidão e sua tentativa de mostrar autoridade e poder por causa do dinheiro, mas ao mesmo tempo é distante o suficiente para não ser digno de nossa solidariedade.

Também encaramos com distanciamento outro personagem solitário, o campeão olímpico de luta greco-romana Mark Schultz. Escolherem Channing Tatum para interpretá-lo não deixa de ser um acerto e tanto de casting, por sua fama de ser mau ator ou de estar no showbizz pelos músculos. Mark Schultz caminha feito um chimpanzé, e não se sabe até que ponto houve um exagero na construção do personagem nesse aspecto ou se o verdadeiro Mark era assim mesmo. Mas isso é irrelevante para a obra, trata-se apenas de uma curiosidade.

Chegamos, então, ao terceiro personagem, o irmão de Mark, David (Mark Ruffalo), um sujeito bem diferente do irmão. Na verdade, o único amigo dele, embora durante a narrativa mostrada ele não tenha encontrado tempo para se dedicar ao irmão solitário, por causa de compromissos profissionais e principalmente familiares – esposa e filhos. Mark é o único personagem centrado nesse trio.

Com personagens tão bem construídos, ainda que vistos à distância, FOXCATCHER se firma mais como uma obra de personagens do que de enredo. Ainda assim, há um enredo também bem tecido, que se inicia de verdade quando John Du Pont convida Mark a treinar em sua mansão. Lá ele receberia todo o suporte financeiro que um atleta olímpico merece. No início até que as coisas funcionam bem, mas aos poucos a relação de Mark com Du Pont vai ficando no mínimo muito incômoda. Um mal estar que contagia a plateia até os seus momentos finais.

Talvez haja espaço para alguns risos amarelos, ao vermos as roupas um tanto datadas e até um tanto eróticas que os atletas da década de 1980 vestiam. Principalmente quando vemos Steve Carell vestido com uma delas. O que vemos ali é um homem ridículo, mas não um homem ridículo como o chefe Michael Scott, da série cômica THE OFFICE, mas algo diferente. E embora não seja o primeiro papel dramático de Carell (lembremos do suicida de PEQUENA MISS SUNSHINE), é o que mais se aproxima do trágico. Não deixa de ser um mérito e tanto para o ator e para o filme de Miller.

FOXCATCHER – UMA HISTÓRIA QUE CHOCOU O MUNDO concorre ao Oscar nas categorias de direção, ator (Carell), ator coadjuvante (Ruffalo), roteiro original e maquiagem e cabelo.

sexta-feira, fevereiro 20, 2015

O JOGO DA IMITAÇÃO (The Imitation Game)



A história certamente é melhor do que o filme. Mas que bom que resolveram nos apresentar a esse homem tão especial que foi Alan Turing, hoje considerado o inventor do computador moderno. Mas não apenas isso, este sujeito antissocial, ingênuo e homossexual muito provavelmente salvou a vida de milhões de pessoas, ao abreviar a Segunda Guerra Mundial por causa do aparelho que inventou para descobrir as informações secretas dos nazistas. E quase ninguém sabia nada dele até os anos 1970. E nada como o cinema para ampliar essa apresentação para o mundo.

O JOGO DA IMITAÇÃO (2014) é sobre Turing e sobre sua busca desesperada por essa máquina capaz de reconhecer qualquer mensagem enviada todos os dias através de códigos que eram modificados diariamente, o que se tornava uma missão impossível para os mais inteligentes mortais daquela época. O trabalho de Turing e de seus companheiros foi mantido em sigilo e o sujeito teve um fim muito ingrato, para usar de eufemismo, por causa de sua orientação sexual.

É uma história tão comovente que fica difícil falar do filme em si. E talvez isso deponha contra a obra audiovisual, ao mesmo tempo em que não deixa de ser inegável o quanto este drama com toques de thriller, romance e espionagem é capaz de envolver o espectador. E de emocionar em diversos momentos, inclusive no final, que nos deixa tão desapontados e revoltados com a humanidade.

No papel de Turing, Benedict Cumberbatch, que em alguns momentos parece uma versão mais séria do Sheldon, da sitcom THE BIG BANG THEORY. Mas talvez Turing fosse um pouco assim, isto é, não tinha noção de certas convenções sociais, e acabava saindo como arrogante. É a partir do contato com a personagem de Keira Knightley que ele descobre que fazer amigos e juntar forças é melhor do que ficar trabalhando sozinho.

O diretor, Morten Tyldum, é um desses cineastas desconhecidos que aparecem em filmes de língua inglesa e nos deixam curiosos para conhecer suas obras pregressas em seus países natais. No caso de Tyldum, a Noruega, onde ele fez o thriller HEADHUNTERS (2011), com Nicolaj Coster-Waldau (GAME OF THRONES). Sua estreia na Inglaterra não deixa de ser um feito admirável, e já lhe abriu as portas para Hollywood, onde adaptará um romance de William Gibson.

O JOGO DA IMITAÇÃO foi indicado ao Oscar nas categorias de filme, direção, ator (Cumberbatch), atriz coadjuvante (Knightley), roteiro adaptado, edição, design de produção e trilha sonora.

quinta-feira, fevereiro 19, 2015

WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO (Whiplash)



A safra deste ano do Oscar tem prestigiado os filmes indies. E se por um lado isso é bom para escolher obras mais comprometidas com a arte e menos interessadas na bilheteria, por outro isso é ruim justamente porque a maioria dos indicados não tem apelo comercial suficiente para que a velha teoria de que o Oscar abre portas para o sucesso popular dos filmes cai por terra. Dos oito indicados a melhor filme este ano, por exemplo, o único campeão de bilheteria, por assim dizer, é SNIPER AMERICANO, de Clint Eastwood – A TEORIA DE TUDO é um caso à parte. Os demais são produções pequenas com repercussão maior nos festivais.

É o caso de WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO (2014), de Damien Chazelle, que tem faturado prêmios de melhor filme em alguns festivais em que participou (Sundance, duplamente, com prêmio do júri e do público, Calgary e Deauville), além de direção, em Santa Barbara e Valladolid. Mas quem mais tem ganhado prêmios mesmo é J.K. Simmons (excelente), que faz o papel de Fletcher, o professor carrasco de uma banda de jazz de uma conceituada universidade americana. Fletcher é impiedoso e humilha não apenas os medíocres, mas também aqueles que são muito bons, mas que não conseguem ser perfeitos para suas exigências. Ele é capaz, por exemplo, de jogar uma cadeira numa de suas vítimas.

E uma de suas vítimas, até por vontade própria, na verdade por obsessão, é o jovem Andrew (Miles Teller), sujeito solitário, que até consegue uma bela namorada, mas abdica desse relacionamento, pois acredita que ela seria para ele uma distração, poderia fazer com que ele perdesse o foco do seu principal objetivo de vida: ser um dos maiores bateristas de jazz do país, um artista a ser lembrado para sempre.

Até daria para traçar um paralelo entre essa obsessão pela perfeição mostrada em WHIPLASH com a de CISNE NEGRO, de Darren Aronofsky, embora os registros sejam bem diferentes. Enquanto o primeiro é um drama de relacionamento entre professor-aluno, o segundo aposta no clima de pesadelo. Ambos, porém, são retratos sofridos de pessoas não necessariamente felizes em busca de um ideal.

No caso de Andrew, o filme faz questão de mostrar o quanto ele sangra, literalmente, para atingir os seus fins. Para ser o melhor é preciso experimentar a dor, é preciso renegar alguns dos prazeres da vida. Isso deve valer para praticamente qualquer coisa na vida.

Mas o que conta mesmo no filme é a relação de amor (ou admiração) e ódio que se estabelece entre professor e pupilo. Não deixa de ser ao mesmo tempo enervante e engraçada essa relação. E quanto às várias cenas memoráveis ao longo da narrativa? Como esquecer a cena em que Miles chega atrasado a um ensaio? Ou a sua última apresentação no filme, com o jogo de olhares entre os dois. Tudo isso ao som de muita bateria. Talvez, mais até do que em BIRDMAN. Ver WHIPLASH em uma sala equipada com uma excelente aparelhagem de som faz a diferença.

WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO foi indicado ao Oscar nas categorias de filme, direção, ator coadjuvante (Simmons), edição e mixagem de som.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

DOIS DIAS, UMA NOITE (Deux Jours, une Nuit)



O sorriso triste de Marion Cotillard expressa bem o seu drama: estar ainda em luta contra uma depressão e ter que reagir por causa de um emprego que está prestes a perder, numa Bélgica assolada pela recessão. De certa forma, DOIS DIAS, UMA NOITE (2014) parece um daqueles filmes iranianos simples e delicados, como ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO?, de Abbas Kiarostami, em que um menino precisa devolver o caderno de seu colega de sala, sob pena de o menino ser expulso da escola.

Na trama, Marion Cotillard é Sandra, uma mulher que depois de passar uma um tempo de licença médica por causa de uma depressão, precisa encontrar forças para reaver o emprego, agora que ela foi trocada por bônus de 1.000 euros, oferecidos a cada um dos 16 funcionários da empresa, numa votação. Deste modo, num jogo perverso e desumano, percebeu-se que a companhia pode se virar muito bem com esse número reduzido de empregados, não precisando, portanto, dela. Sua missão é encontrar, em dois dias de um fim de semana, cada um desses funcionários para fazê-los mudar de ideia e conseguir, assim, o emprego de volta.

Esse fiapo de história seria um desastre completo se estivesse nas mãos de diretores convencionais, dentro de uma estrutura convencional de melodrama. Mas os condutores são os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, que em pleno domínio de seu ofício perseguem situações em que a natureza humana é posta em xeque. Vê-se tanto o aspecto mais bondoso do espírito humano, como no rapaz que está jogando futebol e se emociona ao ver a amiga pedindo o emprego de volta; quanto insensível, como no sujeito que é capaz de bater no amigo por não aceitar abrir mão de seus mil euros.

Sem utilização de uma trilha sonora, algo já comum nos trabalhos dos Dardennes, DOIS DIAS, UMA NOITE só tem assim a interpretação de Cotillard, a força da direção dos irmãos, com uso da câmera na mão, e uma decupagem acertada e dinâmica. Esse cinema um tanto bressoniano, já conhecido de quem tem acompanhado os filmes anteriores dos cineastas, aposta na simplicidade para atingir o seu objetivo. Não vai agradar a todos e certamente não é melhor que O GAROTO DE BICICLETA (2011), A CRIANÇA (2005) e ROSETTA (1999), para citar os mais louvados trabalhos dos diretores, mas é uma obra e tanto.

O que pode incomodar é justamente termos uma atriz que já vem de dois papéis bem tristes – ERA UMA VEZ EM NOVA YORK, de James Gray, e FERRUGEM E OSSO, de Jacques Audiard –, em vez dos tradicionais atores pouco conhecidos dos outros filmes dos Dardennes. Há também o fato de que nós, brasileiros, estamos acostumados com uma miséria muito maior, situações de desespero e desesperança muito maior, e por isso a dor de Sandra pode não ser tão fácil de comprar assim. Além do mais, o dia está sempre muito bonito e ensolarado no filme, o que é uma escolha muito interessante para se fugir do óbvio.

Embora o filme também tenha a intenção de tratar do mundo cruel das empresas e de uma situação arquitetada justamente para compor uma busca, como num jogo, o drama de Sandra faz mais sentido pelo viés da depressão, que tira a força das pessoas e as faz ver o mundo através de um pesado véu. E, nisso, o sorriso triste da protagonista, sua magreza, seus atos desesperados, seu andar hesitante e cansado, tudo isso dá credibilidade à obra. Além do mais, cantar "Gloria", de Van Morrisson, quando se está deprimido, não é fácil.

DOIS DIAS, UMA NOITE foi indicado ao Oscar na categoria de melhor atriz (Cotillard).

terça-feira, fevereiro 17, 2015

GRANDES OLHOS (Big Eyes)



Há tempos que esperava um filme que trouxesse uma espécie de redenção a Tim Burton, cineasta que andava cada vez mais distante da excelência de seus filmes das décadas de 1980 e 1990, tempo em que dirigiu pérolas como OS FANTASMAS SE DIVERTEM (1988), BATMAN – O RETORNO (1992), ED WOOD (1994) e A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA (1999). Depois desse tempo e de seu casamento com Helena Bonham Carter, seu estilo foi ficando cada vez mais repetitivo e preguiçoso. Além de suas parcerias com a esposa e com Johnny Depp não terem ajudado muito nos últimos anos.

Foi preciso a separação da esposa, um distanciamento de Depp e o retorno a uma parceria com a dupla de roteiristas Scott Alexander e Larry Karaszeski, os mesmos de ED WOOD, para que o cineasta de estilo gótico desse um restart em sua carreira, voltando à vida real e a uma cinebiografia, dessa vez à de uma pintora muito popular na década de 1950 e cujos quadros eram vendidos como se fossem pintados por seu marido, um pilantra de mão cheia.

Na pele da pintora Margaret Keane, Amy Adams, que confere à personagem uma simplicidade, uma doçura e uma dor fáceis de solidarizar. Do outro lado da moeda, o marido pilantra Walter Keane, interpretado por Christoph Waltz, que acaba fazendo sempre o mesmo papel, mas que não deixa de ser um acerto de casting, embora às vezes pareça um tanto caricato com aquele sorriso de vilão. Curiosamente, uma personagem coadjuvante, a amiga de Amy (Kristen Ritter), aparece em cenas muito estranhas, como se tivessem passado a tesoura em suas participações na edição final. Não vemos, por exemplo, o momento em que ela conhece Walter, mas a vemos julgá-lo e desconfiar de sua índole.

Esse é um dos pontos que depõem contra GRANDES OLHOS (2014), que não chega a ser um grande filme de Burton, mas é um dos mais acertados dele dos últimos anos. Tudo bem que FRANKENWEENIE (2012) é um belo trabalho, mas não deixa de ser uma revisão de um curta-metragem já bastante comovente e uma amostra de que faltava ao cineasta mais criatividade para desenvolver novos projetos.

Por isso uma volta para a vida real, ainda que momentaneamente, talvez possa ser muito saudável para Wood. Aliás, seus olhares para a vida real não deixam de ser sob um ponto de vista fantástico: do mesmo modo que a história de Ed Wood é impressionante, a história de Margaret Keane, e toda aquela cena envolvendo o julgamento seriam consideradas inverossímeis se não fossem baseados em fatos reais.

Há uma diferença bem forte entre os dois filmes: enquanto ED WOOD opta pelo preto e branco para emular o estilo dos filmes do mestre dos piores filmes de terror e sci-fi, GRANDES OLHOS utiliza um esquema de cores estouradas, com um azul que salta pela tela, que até parece defeito de projeção.

GRANDES OLHOS foi esnobado pelo Oscar, mas foi lembrado pelo Globo de Ouro em três categorias: atriz de comédia ou musical (embora o filme não seja nem comédia nem musical) (Amy Adams); ator de comédia ou musical (Waltz); e canção ("Big eyes", interpretada por Lana Del Rey). Amy Adams ganhou o prêmio.

sábado, fevereiro 14, 2015

SNIPER AMERICANO (American Sniper)



Não é de hoje que Clint Eastwood provoca algumas controvérsias no que se refere ao seu posicionamento político apresentado em seus filmes. Desde os tempos de Dirty Harry, principalmente naquele em que ele mesmo dirigiu, IMPACTO FULMINANTE (1983), a questão em torno do fato de seu protagonista ser a sua voz ou de poder ser visto de maneira distanciada e crítica pelo espectador acaba causando um pouco de confusão. De todo modo, o importante é termos um filme controverso de um grande cineasta em questão, um filme que faz pensar e não apenas um filme bem resolvido e fácil de esquecer.

SNIPER AMERICANO (2014), inclusive, tem sido comparado a outro filme bem controverso, que mostrava seus protagonistas atirando em crianças e mulheres: REGRAS DO JOGO, de William Friedkin. Assim, a questão ética tem sido o principal ponto de discussão entre cinéfilos, mesmo entre admiradores da obra do velho Clint. Em minha opinião, trata-se de mais uma obra-prima para seu currículo. Uma que ele devia desde GRAN TORINO (2008).

Assim, não há tanta diferença entre o velho ranzinza e veterano da Guerra da Coreia do filme de 2008, o caubói carregado de culpas de OS IMPERDOÁVEIS (1992), o treinador de boxe ao final de MENINA DE OURO (2004), o cineasta inconsequente e matador de animais de CORAÇÃO DE CAÇADOR (1990) e este atirador de elite de SNIPER AMERICANO.

A princípio, ele é apresentado como um caubói ingênuo do Texas que, ao ver na televisão a morte de americanos por iraquianos, resolve se alistar e assumir uma vida que considera mais digna, assumir uma posição de amor à pátria. Mas, como o próprio Clint já havia mostrado em outro filme de guerra, A CONQUISTA DA HONRA (2006), o gosto do heroísmo pode não ser assim tão doce. Afinal, ter que atirar em uma mulher e em uma criança exige um coração duro.

Uma sequência bem representativa do modo como Chris Kyle (Bradley Cooper) vê o seu trabalho é quando sua esposa (Sienna Miller) o questiona sobre a carta de um companheiro seu morto em serviço. Na carta, escrita duas semanas antes de ele morrer, ele se pergunta sobre a natureza daquela guerra. Uma das guerras mais sujas e torpes que os americanos já criaram, com a desculpa de que havia no Iraque armas de destruição em massa. Mas nada disso é citado no filme, que inclusive toma a liberdade para utilizar várias elipses temporais, até por respeito à inteligência do espectador.

A semelhança do filme com GUERRA AO TERROR, de Kathryn Bigelow, cessa justamente na questão do homem viciado no ambiente da guerra que não consegue mais viver normalmente no seio familiar. No mais, as intenções de Bigelow e Eastwood são bem distintas. SNIPER AMERICANO representaria mais uma contribuição a uma obra voltada a dissecar o espírito do homem americano médio, em especial os mais durões; botar o dedo na questão da culpa mais uma vez; homenagear John Ford, tanto nos aspectos formais quanto nos temáticos.

Há quem reclame do filme por justamente tratar o personagem, supostamente, com certo respeito, sendo que seria um homem merecedor de desprezo; há quem reclame dos problemas de continuidade e da cena do bebê postiço, ou do modo como a maldade dos iraquianos parece ser tão maior quanto a maldade dos americanos. Mas tudo isso é pequeno ou é passível de questionamento diante de uma obra grandiosa, que ainda conta com um absurdo de sequências de ação de tirar o fôlego e nos colocar em meio ao conflito. O que dizer da sequência da tempestade de areia? E poder ver tudo isso numa gloriosa sala IMAX é um privilégio e tanto.

SNIPER AMERICANO concorre ao Oscar nas categorias de melhor filme, ator (Bradley Cooper), roteiro adaptado, edição, mixagem de som e edição de som.

sexta-feira, fevereiro 13, 2015

CINQUENTA TONS DE CINZA (Fifty Shades of Grey)



O fenômeno Cinquenta Tons de Cinza, da escritora inglesa E.L. James, por mais que seja mal visto dentro do círculo literário mais exigente, é algo que tem o seu valor, principalmente quando se trata de chamar a atenção de novos leitores, gente que nunca leu nenhum romance na vida, para sentir o prazer que uma ficção envolvente é capaz. Citar o livro é uma maneira de contextualizar e relativizar a questão do resultado da adaptação.

Hoje em dia, com certos best-sellers que são avidamente lidos e transformados em filmes ou séries, há em geral uma pressão por parte desses leitores para que a adaptação não fuja muito do texto literário. Daí uma possível explicação para o fato de uma diretora como Sam Taylor-Johnson, que havia dirigido o belo e sensível O GAROTO DE LIVERPOOL (2009), ter se deixado levar pelo mau gosto e não ter conseguido se livrar dos diálogos constrangedores e das situações pouco inventivas da história de amor entre a jovem e bela estudante de Literatura Inglesa Anastasia Steele (Dakota Johnson) e o bilionário magnata Christian Grey (Jamie Dornan).

Ela, de nome de princesa e feições delicadas, é uma moça que ainda não se entregou sexualmente a ninguém. Quando fala isso a Christian em certo momento do filme, ela diz que estava esperando. Esperando pela pessoa certa, fica claramente entendido. E essa pessoa seria este homem elegante e cheio de charme que a conquistou em poucos minutos durante uma entrevista que nem era ela que deveria fazer, mas sua colega de quarto.

Um dos méritos de CINQUENTA TONS DE CINZA (2015) é trazer novamente o erotismo para o cinema mainstream, depois de um tempo em que ele se tornou vulgar depois de tantos softcores pós INSTINTO SELVAGEM. Antes disso, havia aqueles filmes dirigidos por Zalman King, que misturavam uma direção de arte pretensamente classuda com cenas de sexo relativamente quentes. Mas nada disso tinha um apelo tão grande ao público feminino, que talvez só tenha encontrado um exemplar à altura na época de 9 E ½ SEMANAS DE AMOR, de Adrian Lyne, na segunda metade dos anos 1980.

Portanto, a ótica dos filmes eróticos quase sempre foi essencialmente masculina. O livro Cinquenta Tons de Cinza nasceu de uma brincadeira que a escritora fez em cima de Crepúsculo, outra obra adorada pelas meninas. A semelhança com a história de amor entre uma humana e um vampiro, mesmo para quem não leu o livro de E.L. James, fica bastante evidente ao longo da história. Principalmente nos horríveis diálogos em que Christian diz que ela deveria se afastar dele, ou que ele não faz amor, ele fode.

Visto assim, o personagem, em vez de ser aquele homem perfeito que tanta mulher vê, acaba por se mostrar bastante patético muitas vezes, diante de uma garota simples que só quer ser amada como uma pessoa normal. Mas o bom é que entre um e outro diálogo ruim há algumas bonitas cenas sensuais envolvendo bondage.

Dakota Johnson se mostra especialmente convincente ao parecer estar sentindo mesmo prazer durante as cenas de sexo e seu truque de morder o lábio não deixa de ser irresistível. Vale lembrar que ela é filha de Melanie Griffith e neta de Tippi Hedren. Logo, está em seu DNA a sensualidade e a beleza.

Pelo termômetro sentido ao final da sessão e pelos comentários esparsos, CINQUENTA TONS DE CINZA parece ter agradado aos fãs do livro. Isso não deixa de ser positivo. Além do mais, o filme pode abrir as portas tanto para que os espectadores conheçam melhores obras eróticas, como também para o próprio mercado se aquecer e sair um pouco do universo da fantasia como opção de blockbuster.

quarta-feira, fevereiro 11, 2015

PRESENÇA DE ANITA



Na época que PRESENÇA DE ANITA (2001) foi exibido na televisão, eu já tinha um certo preconceito com as produções da Rede Globo. Não apenas as telenovelas, mas o que era produzido em conteúdo supostamente mais caprichado, como as minisséries. Ainda assim, sempre que a tevê estava ligada, eu não conseguia tirar os olhos daquela garota só de calcinha em cenas tão ousadas e com um brilho tão especial no olhar, que ofuscava todos os demais e ainda destoava um pouco na interpretação, que fugia um pouco do "padrão Globo de qualidade".

Mel Lisboa foi um achado e tanto e o seu papel repercutiu tanto em sua vida que ela não conseguiu mais ser tão produtiva depois do vendaval que se transformou sua vida, com direito a ensaio para a revista Playboy (um dos mais belos de todos os tempos) e gente estranha a perseguindo e a assustando. Uma pena que ela não tenha feito muito cinema. Os poucos filmes em que trabalhou são bem pouco expressivos. Mas seu papel como Anita foi suficiente para elevá-la ao panteão das maiores musas do audiovisual brasileiro.

A minissérie marcou época também por ser extremamente ousada e picante, exalando sexo e sensualidade, não só na relação entre Anita e Nando (José Mayer), mas há também uma subtrama bem interessante da personagem de Vera Holtz, a irmã de Lúcia Helena, vivida por Helena Ranaldi. Aliás, não sei se é coincidência ou não ela ter o nome de Helena, que costuma ser o nome das protagonistas das telenovelas de Manoel Carlos, o roteirista da minissérie.

Outro elemento que chama bastante atenção na minissérie é seu enredo ligado ao sobrenatural. Anita, desde a primeira vez que entra em cena, já demonstra sentir uma atração forte pelo mórbido, ao se mudar para um sobradinho em que ocorreu uma tragédia envolvendo dois amantes. Um sujeito matou a namorada e em seguida matou a si mesmo. Anita conta a Nando o quanto acha esse tipo de paixão excitante e fascinante. E é justamente por isso que ela havia se mudado para lá. Inclusive, até adota para alguns o nome de Cíntia, o nome da moça assassinada, como se quisesse encarnar seu espírito.

Mais tarde, veremos que esse aspecto sobrenatural não é em vão na série, que para muitos é lembrada mais como uma simples história de traição. Aliás, não tão simples assim, pois há uma diferença de idade grande entre os amantes, e há também as várias vezes em que Anita fala de um sujeito bem mais velho que a apresentou para a vida e para o sexo, desde a adolescência, o que deixava Nando completamente indignado. Por isso é difícil não fazer ligações com Lolita, de Vladimir Nabokov.

Enquanto isso, Helena Ranaldi, ou melhor, Lúcia Helena, sofre o fato de o marido estar cada vez mais distante, inventando desculpas para se afastar dela. Trata-se de uma personagem bem ingênua. Ela ama demais Nando para deixar que sua família estrague ainda mais o que está prestes a desmoronar, o seu casamento. Dá, inclusive, para comparar o enredo básico com o da recente série THE AFFAIR, que também traz a história de um escritor meio loser que começa a ter um caso com outra mulher e arranja a desculpa de que está pesquisando material para o seu livro.

PRESENÇA DE ANITA também tem um quê de JANELA INDISCRETA, ao mostrar alguns dos acontecimentos do sobradinho pelos olhos de um homem e um adolescente que moram numa mercearia em frente. Eles veem o que acontece ali quando Anita está com Nando e o rapazinho chega a se aproximar bastante de Anita, a ponto de perder a virgindade com ela em determinado episódio.

Uma das boas surpresas da minissérie pra mim foi não saber exatamente como acabava. Já havia visto o spoiler da cena da facada em algum especial da emissora, mas não sabia o que acontecia depois, o que acaba por tornar a série especial, memorável mesmo, com direito a uma inventiva montagem paralela.

A única coisa que poderia diminuir mesmo na minissérie é a quantidade de vezes que toca "Ne me quitte pas". Para quem vê em ritmo de maratona, isso chega a incomodar. Mas deve funcionar para quem assiste um episódio por dia, como foi justamente pensada.

segunda-feira, fevereiro 09, 2015

SELMA – UMA LUTA PELA IGUALDADE (Selma)



Filmes como SELMA – UMA LUTA PELA IGUALDADE (2014), de Ava DuVernay, podem até não ser grande cinema, mas é importante que eles existam, nem que seja como meio de apresentar às novas plateias ou lembrar às demais, o tanto de sofrimento que os negros norte-americanos passaram para conseguir o que já mereciam por direito. Por isso que no ano passado, premiar 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO, de Steve McQueen, não pode ser visto como algo ruim. Pode ter sido uma decisão política, mas necessária dentro de uma festa cheia de brancos.

SELMA daria uma boa sessão tripla com MALCOLM X, de Spike Lee, e J. EDGAR, de Clint Eastwood, até pelo fato de os personagens retratados nesses dois filmes estarem presentes de alguma maneira na trajetória de luta de Martin Luther King (David Oyelowo). Malcolm X aparece muito rapidamente, numa conversa com a esposa de King (Carmen Ejogo). Ele representa uma luta mais radical pelos direitos, enquanto King busca uma solução pacífica. Talvez por ser também um pastor protestante. Assim, existia segmentos de grupos organizados em prol de um mesmo fim.

Difícil não sentir uma pontada de dor quando vemos uma senhora negra do Alabama tentando se cadastrar para ter direito ao voto em um cartório e ter seu pedido negado por não saber de cor o nome de dezenas de juízes de direito de todo o estado. Fica claro o ódio que os brancos do sul dos Estados Unidos nutriam por eles. Mais claro ainda quando vemos policiais batendo em idosos e até mesmo matando um jovem a bala por causa de uma manifestação pacífica.

Sem ter o interesse de mostrar a vida e a morte do ativista, SELMA é um recorte de um momento da vida de King e de sua luta. Não apenas dele, aliás, mas também de pessoas que estiveram em luta com ele, bem como de políticos cínicos como o Governador do Alabama George Wallace, vivido por Tim Roth, e pelo então Presidente da República Lyndon Johnson, vivido por Tom Wilkinson, em um jogo muito perigoso em que os líderes de movimentos de luta negros eram seguidos de perto e grampeados pelo próprio FBI. Assim, Martin Luther King era considerado um subversivo perigoso.

Muito disso porque ele era um homem de discurso forte, que falava com clareza ao povo oprimido, além de também incluir citações bíblicas e a fé em Deus em suas palavras. Um dos momentos mais bonitos do filme é logo no início: ele acorda de madrugada e liga para uma amiga pedindo que ela cante uma canção gospel para aliviar o seu coração e fortalecer o seu espírito.

Em tempos de briga para separação entre o Estado laico e a Igreja, é curioso ver com bons olhos esse tipo de apego à fé. Até por fazer parte intrínseca da cultura negra americana, do mesmo jeito que o candomblé também tem muita força na cultura baiana brasileira. Mas, claro, não estou dizendo que sou contra o Estado laico.

SELMA – UMA LUTA PELA IGUALDADE foi indicado ao Oscar nas categorias de filme e canção ("Glory", de Common e John Legend).

domingo, fevereiro 08, 2015

FELIZES PARA SEMPRE?



Não é sempre que uma minissérie da Globo me chama atenção para que eu possa acompanhá-la até o fim. Aliás, já faz algum tempo que eu escolhi ou acompanhar tudo ou desistir logo no primeiro episódio de qualquer série que seja. Felizmente, FELIZES PARA SEMPRE? (2015) me encantou logo nos episódios iniciais, com uma trama envolvendo sexo, traição e corrupção em Brasília, que se mostrou uma cidade perfeita nas lentes dos produtores da O2, de Fernando Meirelles, responsável pelos dois primeiros e ótimos episódios e pelo desastroso episódio final.

Sim, FELIZES PARA SEMPRE? comete deslizes a partir da segunda semana e chega a uma conclusão bem pouco satisfatória, para usar de eufemismo. Mas se é para ser um folhetim mais bem trabalhado do que se costuma ver na teledramaturgia da emissora, como até de forma humilde comentou o próprio Meirelles, de certa forma eles conseguiram, apesar das derrapadas.

Interessante como a minissérie é dinâmica e ao mesmo tempo não parece ter pressa em apresentar os personagens e seus dramas pessoais. A cena da família Drummond reunida para comemorar o aniversário de casamento do patriarca Dionísio (Perfeito Fortuna) e da matriarca Norma (Selma Egrei, musa dos filmes do Khouri, irreconhecível) é perfeita para mostrar o quanto o que há de sujo pode ser varrido para debaixo do tapete e trazer à tona para os pais e avós apenas as máscaras. O casal tem três filhos que gostam muito, mas sabem muito pouco do que eles fazem. Principalmente o mais bem-sucedido de todos, o mais velho Cláudio, vivido pelo excelente Enrique Díaz.

Bem-sucedido por causa das falcatruas que faz como empreiteiro. Trabalha com os irmãos Hugo (João Miguel) e Joel (João Baldasserini). Os três vivem situações totalmente distintas com suas esposas. Cláudio é casado com uma mulher que julga ser frígida, Marília (Maria Fernanda Cândido), Hugo é doido por sexo mas sua esposa Tânia (Adriana Estevez) o evita, e Joel (João Baldasserini) passa por um momento de divórcio com a bela Suzana (Carol Abras). Como se vê, é um elenco precioso o que o pessoal da O2 e da Globo conseguiram. Mas falta falar da cereja do bolo: a garota de programa vivida por Paolla Oliveira, o grande chamariz da minissérie.

Surgida a partir de uma ligação feita pelo casal Cláudio e Marília para apimentar o casamento frio, ela ganha não só a atenção do mulherengo Cláudio, que a quer como sua, como de Marília, que descobriria as delícias do sexo com ela, sem precisar pagar, mas também sem saber que ela está envolvida com o marido.

O jogo de intrigas e mentiras chega a um ponto em que todos na série estão vivendo situações extremamente perturbadoras em suas vidas, seja por descobrir que um filho não é seu (Hugo), seja por estar apaixonada por outra mulher (Marília), seja por estar rodeado pela Polícia Federal (Cláudio), seja por enfrentar um amor da juventude (Dionísio).

Quanto a Dani Bond, o nome de guerra da personagem de Paolla Oliveira, trata-se de uma personagem bem interessante e não há como negar que é por causa dela e de sua beleza que muitos – eu, inclusive – resolveram ver a série. Sua primeira vez sem roupa, no segundo episódio, é de causar infarto em cardíacos, mas depois o sexo e a nudez mais gráfica são suavizados em prol da trama. Além do mais, as cenas de amor lésbico entre as duas mulheres, por causa de uma edição muito picotada, acabam não mostrando o que há de mais belo nesse tipo de relação: os beijos.

Mas, tudo até aí tudo bem. O que não se esperava era que a minissérie iria cair tanto em sua conclusão apressada e mal pensada. Será que não conseguem aprender com as excelentes séries americanas e britânicas? O que fazem, ao final, é jogar no ralo tudo de bom que haviam conseguido na promissora primeira metade. Sorte que dá pra lembrar dos bons momentos e do personagem cínico e sacana, tão bem encarnado por Enrique Díaz.Como esquecer o momento em que seu pai infarta, justo quando ele está num quarto de hotel com cinco prostitutas?

sábado, fevereiro 07, 2015

CORAÇÕES DE FERRO (Fury)



Raro ver um filme de guerra tão intenso e tão vivo nos dias de hoje quanto este CORAÇÕES DE FERRO (2014), de David Ayer. Muito provavelmente por ser mais um filme de personagens do que de roteiro. O roteiro, no caso, se interessa mais na construção dos tais personagens, no modo como eles nos são apresentados e desenvolvidos e na evolução do jovem Norman (Logan Lerman), ao ingressar no grupo do Sargento Don 'Wardaddy' Collier (Brad Pitt), o homem que o ensina a matar, mas também lhe dá oportunidade para sentir um pouco das delícias da vida, ainda que naquele inferno que era a Alemanha antes da completa rendição dos nazistas.

É fácil gostar dos personagens. Shia LaBeouf está em um de seus melhores papéis até o momento, como o soldado protestante que vive citando trechos da Bíblia e tem uma relação toda especial com a guerra. Não à toa, seu apelido é 'Bíblia'. Em contrapartida, temos dois homens mais mundanos, vividos por Michael Peña e Jon Bernthal, que costumam relembrar as aventuras e desventuras vividas junto com seu bravo chefe, o durão 'Wardaddy'.

CORAÇÕES DE FERRO procura não fazer daquele período histórico o que tantos outros filmes fazem, isto é, torná-lo nobre. No calor da batalha, o que há mesmo é espaço para pedaços de corpos espalhados por todos os lados, inclusive em meio à lama que o tanque Fury do título passa, ao longo da devastada Alemanha rural. O primeiro serviço de Norman, aliás, é limpar os restos do corpo de alguém morto dentro do tanque. Mas isso não é nada perto do que viria a enfrentar.

Certamente um dos momentos mais devastadores, no sentido de emoção mesmo, é quando Don e Norman entram na casa de duas mulheres alemãs. As duas morrendo de medo de serem assassinadas pelos americanos acabam sendo relativamente bem tratadas. Que o diga a bela e jovem Emma, vivida por uma atriz que chegou a interpretar a versão adolescente de Romy Schneider em um telefilme de 2009.

O momento na casa dessas duas mulheres é uma espécie de trégua em meio a tantos tiros e mortes, mas ainda reservaria uma surpresa cruel para o espectador. Uma prova de que a guerra é sempre suja e de que acreditar em Deus nesses tempos é uma tarefa muito ingrata. Mas ainda assim ‘Bíblia’ acredita no fato de que até então o Senhor os estaria ajudando, num belo exemplo de fé.

Uma das grandes qualidades do filme é ter algo de hawksiano, ao apresentar a amizade masculina daqueles homens unidos diante de situações terríveis, mas que ainda dizem que têm o melhor emprego que há. A amizade, junto com a brutalidade e a violência muitas vezes gráfica das cenas de guerra, compõem um quadro que há muito não se via em filmes americanos do gênero.

É o caso, portanto, de admirar o belo trabalho do diretor David Ayer, que de roteirista de sucesso em DIA DE TREINAMENTO (2001) passou a diretor respeitado em MARCADOS PARA MORRER (2012). Torçamos que não estrague a carreira com uma superprodução da DC Comics, ESQUADRÃO SUICIDA, prevista para estrear no próximo ano. Enquanto isso talvez seja hora de conhecer seus trabalhos anteriores e ver se se trata mesmo de um cineasta de linhagem nobre.

quarta-feira, fevereiro 04, 2015

COPACABANA ME ENGANA



O anúncio da morte de Odete Lara hoje, aos 85 anos, fez com que eu mudasse os meus planos quanto a filmes a assistir. Em sua homenagem, selecionei um de seus trabalhos mais aclamados, COPACABANA ME ENGANA (1968), de Antonio Carlos Fontoura. Ou "da Fontoura", como ele passou a assinar posteriormente. Na época deste filme, até o nome de Odete Lara era escrito com dois Ts.

Uma das coisas que mais chama a atenção em COPACABANA ME ENGANA é a trilha sonora, cheia de canções bem interessantes, sendo a melhor delas e única creditada, "Baby", de Caetano Veloso, na voz de Gal Costa e Caetano. A canção pontua não só o drama do personagem de Carlo Mossy e seu posterior envolvimento com a bela Irene (Odete Lara), mas outros momentos também.

Aí a gente lembra do gosto de Fontoura por canções em seus filmes, casos de "Índia", na voz de Paulo Sérgio, nos créditos de abertura de A RAINHA DIABA (1974), ou as várias canções da Legião Urbana em SOMOS TÃO JOVENS (2013), a cinebiografia de um momento da vida de Renato Russo. Entre as várias que surgem rapidamente em COPACABANA ME ENGANA, certamente a que mais impressiona dentro de um dos pontos altos é mesmo "Try a little tenderness", na voz de Otis Redding. É o momento mais tipicamente contracultural do filme.

COPACABANA ME ENGANA marca tanto a estreia de Fontoura na direção de longas-metragens quanto a primeira vez nas telas de Carlo Mossy, já num papel bastante significativo. Odete Lara, por outro lado, já vinha de um cinema diferente, pré-cinema novo. Ela já havia abrilhantado trabalhos de grandes autores como Walter Hugo Khouri (NA GARGANTA DO DIABO e NOITE VAZIA), Anselmo Duarte (ABSOLUTAMENTE CERTO), Nelson Pereira dos Santos (BOCA DE OURO), Carlos Manga (CACARECO VEM AÍ e AS SETE EVAS) e Fernando De Barros (UMA CERTA LUCRÉCIA, DONA VIOLANTE MIRANDA e MORAL EM CONCORDATA).

Portanto, já desde a década anterior, a atriz era símbolo de beleza e sofisticação, mesmo nas chanchadas. Mas a vida não foi um mar de rosas para a atriz. Sofreu na infância e na adolescência com o suicídio da mãe e, em seguida, também do pai. Difícil imaginar como fica a cabeça de alguém que vivencia uma experiência desse tipo. Viveu tanto tempo assim porque devia ter muita força e autoconfiança. Mas a paz interior ela disse que encontrou no budismo, que abraçou na década de 70, quando começou a deixar o cinema.

Quanto a COPACABANA ME ENGANA, o filme tem uma vivacidade impressionante, com suas cenas externas, nas ruas de Copacabana, tão bonitas de ver na fotografia em preto e branco do jovem Affonso Beato. Destaque para o uso da câmera na conversa entre os personagens de Mossy e Paulo Gracindo. Esta cena é a que mais explicita o quão fracassado é o personagem de Mossy, em momento de lucidez, advinda, paradoxalmente, de uma conversa regada a álcool.

Depois de uma engraçada cena numa reunião de sindicato, o filme encerra com um belíssimo diálogo dos pais do protagonista, mostrando com delicadeza um quadro agridoce que mistura um cansaço de viver com uma tênue esperança no futuro dos filhos.

terça-feira, fevereiro 03, 2015

A TEORIA DE TUDO (The Theory of Everything)



Eis um filme que não precisava de muito para ser um sucesso. Pelo menos de público. Falar sobre a vida de Stephen Hawking, um dos homens mais inteligentes do mundo, só seria complicado se houvesse a intenção de trazer para a tela também a complexidade da física e de suas teorias inovadoras. Mas não é essa a intenção de A TEORIA DE TUDO (2014), que James Marsh, diretor de O EQUILIBRISTA (2008), dirigiu, a partir de um livro de memórias da ex-esposa de Hawking, Jane, aqui lindamente representada por Felicity Jones.

Que moça adorável. Felicity, além de ter uma beleza resplandecente, que justifica as cenas com filtros de modo a representar uma espécie de sonho misturado com memória, faz o papel de uma mulher cheia de força, embora mais cedo ou mais tarde pudesse sucumbir aos desejos por outro homem. Afinal, quanto mais humana é a personagem, mais fácil nos aproximamos dela.

Curioso o modo como A TEORIA DE TUDO tem um tom de conto de fadas misturado com filme de doença. E não há nada de errado nisso. É apenas uma constatação. Muito provavelmente o diretor tentou ser fiel às memórias de Jane, ao mesmo tempo em que tenta mostrar a evolução da doença de Hawking, tão bem retratado por Eddie Redmayne, que fica impressionantemente parecido com o verdadeiro Stephen.

O fato de o filme não abusar do melodramático pode ser visto tanto como um acerto quanto como uma falha. Há quem ache que o diretor possa ter sido um tanto covarde ao não meter o pé na jaca duma vez; mas há também quem reclame de seus poucos momentos lacrimosos. São poucos, mas são belos, válidos, valorizam a jornada do casal diante de tantas adversidades. Por outro lado, poderia ser um filme que tivesse mais força para arrebatar a plateia, dada a sua história tão cheia de emoções.

Há também o problema da culpa da personagem de Jane, que acaba por trazer para o filme, por meio de uma montagem paralela, a ideia de que ela estava errada ao praticar adultério. Mas não é esse o ponto de vista da personagem? Não são suas as lembranças? Ou o fato de o filme não deixar isso claro compromete e o torna excessivamente moralista? Talvez isso vá depender do senso de moral e do sistema de crenças de quem está vendo o filme.

A TEORIA DE TUDO foi indicado ao Oscar nas categorias de filme, ator (Redmayne), atriz coadjuvante (Jones), roteiro adaptado e trilha sonora.

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

O HORROR SOBRENATURAL EM TRÊS FILMES



O cinema de horror aparenta estar vivendo uma crise de criatividade. Pelo menos aqueles mais convencionais, que se aproveitam dos clichês já manjados para construir sua estrutura e pregar bons sustos. Esses filmes acabam deixando as plateias insatisfeitas ou se tornam esquecidos em pouco tempo, devido à sua pouca singularidade. Estes três títulos abaixo são bons exemplos deste momento em que estamos vivendo. Um deles pode ser considerado um bom filme, enquanto os outros são mais esquecíveis. Mas é possível analisar esses três trabalhos sob outro prisma: o tema tão caro da luta dos vivos contra espíritos desencarnados ou criaturas do além. Na maioria das vezes o final não é nada positivo para os heróis. O mal sempre está lá, prestes a agir novamente.

OUIJA – O JOGO DOS ESPÍRITOS (Ouija)


É certamente o mais vulgar dos três, embora não seja exatamente um filme ruim de acompanhar. É até divertido e tem o seu charme. OUIJA – O JOGO DOS MORTOS (2014) utiliza o famoso tabuleiro usado para se comunicar com os mortos como ponto de apoio para sua história. E como acontece em muitos filmes de horror, o tal tabuleiro traz morte para um grupo de amigos, além de se recusar a ser queimado ou desaparecido. No fim das contas há sempre uma história perturbadora por trás, que os heróis, encabeçados por Olivia Cooke, precisam desvendar, tendo que lidar com seus mais terríveis medos. É a estreia na direção de Stiles White.

THE BABADOOK

Um dos filmes mais badalados dos últimos meses nem sequer chegou aos nossos cinemas. THE BABADOOK (2014), da australiana Jennifer Kent, conquistou a muitos com sua história simples sobre um garotinho que tem absoluta certeza de que está sendo perseguido por um monstro de capa e chapéu chamado Babadook. O filme traz momentos particularmente interessantes e deixa no ar a dúvida se aquela assombração é real ou fruto da imaginação perturbada do garoto ou de sua mãe. De todo modo, tudo aquilo que assombra e mexe violentamente com a alma de alguém passa a ser considerado real, como uma doença. O filme, ao contrário da grande maioria, não começa mostrando paz na família. Há, desde o início, um clima pesado no ar.

A MULHER DE PRETO 2 – ANJO DA MORTE (The Woman in Black 2 – Angel of Death)


Produção da nova encarnação da Hammer Films, A MULHER DE PRETO 2 – ANJO DA MORTE (2014) se aproveita do sucesso comercial do primeiro para capitalizar. Infelizmente, não conta mais com o talentoso James Watkins na direção. A história se passa 40 anos após os eventos do primeiro filme, pegando um momento difícil da história da Inglaterra, a Segunda Guerra Mundial. Na trama, a fim de dar abrigo seguro a um grupo de crianças órfãs, duas mulheres vão parar na casa assombrada do primeiro filme, habitada pela tal Mulher de Preto que mata criancinhas. A MULHER DE PRETO 2 demora um pouco a engatar e melhora bastante em sua segunda metade, mas até então já é um pouco tarde para salvá-lo, apesar da interessante fotografia quase sempre escura que dá o tom de opressão.

domingo, fevereiro 01, 2015

CAMINHOS DA FLORESTA (Into the Woods)



Houve um tempo em que um dos segredos para se criar ótimos musicais era compor também boas canções que costurassem bem a história, que nem precisava ser tão bem elaborada. É até uma característica do gênero ser leve nesse aspecto. A pretensão (no bom sentido) estaria no modo como tudo era filmado, nas coreografias, em canções grudentas e às vezes arrebatadoras, na criação de momentos especialmente emocionantes e, muitas vezes, numa leveza tamanha que sentíamos os pés quase saindo do chão.

Infelizmente um sujeito como Rob Marshall tem feito um desserviço em sua tentativa de revitalizar o gênero em Hollywood. Foi assim com o oscarizado CHICAGO (2002), que a tantos enganou, foi assim com NINE (2009) e é assim com o novo CAMINHOS DA FLORESTA (2014), que desta vez não tem sido tão bem recebido assim, a não ser por entusiastas dos musicais da Broadway.

CAMINHOS DA FLORESTA é uma tortura, já em seus 20 primeiros minutos de duração. Suas cerca de duas horas se arrastam de tal maneira que seria preferível ver uma maratona da franquia TRANSFORMERS. As cantorias são monótonas e as canções parecem forçadas e compõem cerca de 97% da duração do longa. O principal trailer do filme esconde essa característica tão presente, de modo que se torna quase impossível evitar a saída de espectadores durante as sessões. Aliás, a vontade de ir embora também me consumia, mas resisti bravamente até o fim a este que já pode ser encarado como o filme mais chato do ano.

A trama une várias histórias de contos de fadas – Cinderela, Rapunzel, Chapeuzinho Vermelho e João e o Pé de Feijão – em uma história que envolve o desejo de um casal de ter filhos, o padeiro (James Corden) e sua esposa (Emily Blunt). Nenhuma história é minimamente interessante, de modo que pelo menos o filme seja visto como uma obra irregular. Ele é até bem regular em sua capacidade de encher o saco.

O elenco estelar não é suficiente para tornar o filme interessante. Em NINE, havia pelo menos um apelo sensual causado pelo elenco feminino e uma interpretação intensa do grande Daniel Day-Lewis. Aqui não adianta nem colocar a Meryl Streep. Curiosamente, o último filme que me causou esse sentimento de tortura foi O CAVALEIRO SOLITÁRIO, que também trazia Johnny Depp. Aqui ele aparece bem pouco no papel do Lobo Mau, mas parece estar contagiando da pior maneira possível os filmes em que aparece. Depois a turma fala mal do Nicolas Cage.

CAMINHOS DA FLORESTA foi indicado ao Oscar nas categorias de atriz coadjuvante (Meryl Streep), design de produção e figurino.