sexta-feira, janeiro 09, 2015

NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA (20,000 Days on Earth)



A experiência de ver NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA (2014) no cinema, além de ser sensorial, é também espiritualmente arrebatadora, principalmente por causa da música, e também pelos assuntos que me são tão caros e que são tratados, como a memória, a infância, a criação artística e os medos. Ao terminar a sessão, a vontade que eu tinha era de deixar de lado os outros dois filmes que iria ver em sequência e partir para um computador a fim de escrever minhas impressões, no calor do momento. Mas acabei deixando para este momento da madrugada, quando meus olhos já estão pesados e o sono se aproxima. Isso não quer dizer que a lembrança da empolgação deste fantástico filme não contamine a escrita.

Falando em lembrança, quero deixar registrado que o meu primeiro contato com Nick Cave foi no cinema, vendo ASAS DO DESEJO, de Win Wenders, em uma sessão memorável do Cinema de Arte, no saudoso Cine Center Um. Pode ser atestado de que estou velho, mas também é atestado de quem teve o privilégio de ver esta obra na telona.

E a memória é um elemento tão forte em NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA que ela é certamente um dos três temas principais. Ao ser perguntado por um psicanalista o que ele mais tem medo, o cantor responde que é de perder a memória, que segundo ele é o que nós somos. A própria memória, aliás, já aparece nos créditos, em uma explosão de imagens que seriam posteriormente reveladas como caras ao artista. Elas são mostradas de modo tão frenético quanto os inúmeros televisores na turnê Zoo Tv do U2. E vendo essas memórias afetivas em forma de imagem, até pensei em fazer uma espécie de blog só de fotos daquilo que me é/foi caro ao longo de minha vida. Sim, o filme mexeu comigo assim.

Enquanto estamos completamente encantados com aquele artista e seu processo criativo – como não se empolgar ouvindo a arrepiante versão de estúdio de "Higgs Bosom Blues"? – o que mais queremos é continuar vendo Nick, seja falando, conversando ou cantando. Adorei saber da história envolvendo o romance Lolita, de Nabokov, e imaginar que aquilo pode ter ajudado a criar um artista tão fascinado com as palavras, a ponto de elas serem tão ou mais importantes que a música em suas canções.

Além das conversas com o analista, que podem ser postas em dúvida dado o caráter pseudodocumental da obra, há o sempre intrigante papo com personalidades amigas suas dentro de seu carro: o ator Ray Winstone, a cantora Kylie Minogue e um de seus ex-parceiros de banda. Também são ótimas as conversas com o fiel amigo Warren Ellis.

E mais: tem a lembrança de quando ele apresentou Nina Simone em show, que é tão forte em sua magnética e poderosa voz, que até chega a ser mais memorável do que a cena de Celine (Julie Delpie) ao final de ANTES DO PÔR-DO-SOL, de Richard Linklater. Criamos de maneira mais fácil em nossa memória as imagens narradas por ele. Mesmo caso quando ele cita um Jerry Lee Lewis idoso em um show.

Falando em show, dos poucos momentos em que o vemos em um show de verdade no filme, ele ali, perto do público, parece uma espécie de deus venerado, tocando a cabeça dos fãs, que reagem como se fossem tocados por um santo ou algo próximo disso. Há de fato uma força mística que o envolve.

Ver NICK CAVE – 20.000 DIAS NA TERRA faz com que nos sintamos felizes de estar vivos, de se sentir agradecido por aquele momento. Filmes assim são raros e por isso devem ser louvados, elogiados, recomendados. Deixo meus agradecimentos também ao pessoal do Cinema do Dragão, que o trouxe para essa já histórica Mostra Expectativa Retrospectiva.

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