terça-feira, outubro 28, 2014

O APOCALIPSE (Left Behind)























Quando eu era criança, um de meus maiores temores era acordar e não ver mais a minha família em casa, ela ter sido arrebatada. O arrebatamento da Igreja era contado por minha mãe e ao mesmo tempo que me deixava impressionado, me deixava também com muito sentimento de culpa, já que eu tinha uns pensamentos "impuros", mesmo criancinha, mesmo não sabendo direito o que era sexo. Mas, na minha cabeça (talvez por eu já ter começado a ler com quadrinhos e com o Livro de Gênesis), aquilo era errado, e portanto eu seria um daqueles que ficariam para enfrentar o começo do fim na Terra. Hoje penso que isso é mais terrorismo para conquistar adeptos para as igrejas evangélicas, mas o tema continua me interessando muito. Aliás, não só a mim, já que até uma série de televisão recente e sem interesse religioso aborda o tema, THE LEFTOVERS.

O APOCALIPSE (2014) é baseado no mesmo livro que deu origem ao telefilme DEIXADOS PARA TRÁS, esse sim feito exclusivamente para os evangélicos ou com interesse em converter pessoas. O telefilme rendeu uma dúzia de continuações, mostrando eventos posteriores ao desaparecimento dos puros de espírito, e baseados no Apocalipse de S. João.

O filme estrelado por Nicolas Cage tem tudo o que se esperaria de um filme dessa natureza: diálogos ruins, atuações canastronas, cara de filme B, interesse em evangelizar, moralismo incômodo. A diferença é que tudo o aspecto evangelizador é discreto e a cara de filme B até dá ao filme certo charme. Sem falar que o andamento da narrativa é agradável, por piores falhas que encontremos. Além do mais, em certo momento, o que mais importa é o que acontece dentro do avião pilotado pelo personagem de Cage.

A trama gira em torno de um piloto de avião (Cage) que trai a esposa com uma comissária de bordo e foge da família no dia do seu aniversário com a desculpa de que foi chamado para trabalhar. A esposa é também tida como chata ou louca pela filha (Lea Thompson) pela mania que tem em evangelizar. Tanto que quando acontece o desaparecimento das pessoas em todo o mundo muitos que já conheciam a passagem bíblica sabiam o que estava acontecendo.

Quando o filme se centra na situação de perigo do avião, o conteúdo religioso diminui drasticamente, já que o que mais importa naquele momento é conseguir fazer o avião aterrissar. Assim, o que era para ser um filme sobre o fim do mundo (ou o começo do fim) acaba se tornando um thriller como outro qualquer. O que não deixa de ser curioso, já que se nota um temor em não exagerar na dose de evangelização e não fazer de O APOCALIPSE um filme de gueto. Ao contrário, parece mais direcionado a um público interessado apenas em puro entretenimento.

Quanto a Nicolas Cage, ele continua sua brava luta em se autossabotar com filmes ruins. Como foi o caso do recente FÚRIA. Mas de vez em quando dá para se divertir com esses trabalhos. Contanto que já estejamos preparados para o pior.

domingo, outubro 26, 2014

BANDA DO MAR NA PRAÇA VERDE DO DRAGÃO DO MAR – FORTALEZA, 25 DE OUTUBRO DE 2014























Que ideia excelente a de juntar o talento de Marcelo Camelo e Mallu Magalhães em uma banda. Isso fez muito bem para os dois, especialmente para Camelo, que estava enveredando por um caminho não muito atraente. A ideia de fazer um disco para se cantar junto e com os dois compondo (e mais o baterista Fred Ferreira) saiu melhor do que a encomenda. Com pouquíssimo tempo do disco ter saído do forno, os primeiros shows já têm se revelado um sucesso imenso.

Já havia lido sobre o show no Rio de Janeiro, de como as pessoas já cantavam todas as músicas, e fiquei muito feliz que aqui também foi assim. Acredito que só na hora que Camelo cantou "Vermelho" que a plateia parou um pouco de cantar, até pela pouca popularidade de seu segundo disco solo. Ainda assim, é uma canção lindíssima, e foi ótimo poder ouvi-la sem os gritos da multidão.

No mais, a sensação é quase como a de um show do Los Hermanos, inclusive com uma inesperada invasão de parte da plateia nos palcos, especialmente adolescentes que entravam para abraçar o Camelo ou a Mallu. Ambos reagiam com muito carinho, mas em certo momento os seguranças não estavam mais conseguindo conter a situação. Ao que parece esse comportamento não estava nos planos. E talvez tenha sido um pouco assustador para a Mallu, que trafegou sempre pelo caminho da música alternativa.

Mas foi muito bom ver que o poder de fogo do Camelo e o dela se equipararam durante o show. Além de todas as faixas do disco da Banda do Mar, ainda tivemos o prazer de ouvir canções dos discos solo de ambos, além de duas do Los Hermanos. Maravilha. Se tem uma coisa que eu poderia reclamar é que foi curto demais: apenas uma hora e quinze minutos. Mas foi saboroso e inesquecível.

O show começa com um tradicional problema no microfone do Camelo, enquanto ele canta “Cidade nova”, a faixa de abertura do álbum da banda. Depois é a vez de Mallu cantar "Me sinto ótima". A essa altura já deu pra perceber que o público estava afinadíssimo, já nas primeiras canções. E isso aumenta ainda mais quando Camelo canta "Hey Nana", que tem um potencial pop muito mais forte. Quando Mallu canta a deliciosa "Mais ninguém", então, é puro deleite, seguido de uma das mais belas canções do disco, "Pode ser".

A primeira canção de fora do álbum da banda é "Velha e louca", do terceiro álbum de Mallu. Camelo vem com duas: a linda "Vermelho" e a primeira do Los Hermanos do show, "Além do que se vê", que ele toca sozinho, com a ajuda da plateia, inclusive para emular os nananás lindos que os metais desempenham na versão original da música.

Para continuar o equilíbrio, Mallu também manda uma dobradinha: "Olha só, moreno" (também sozinha, ela com cara de feliz com a plateia toda cantando junto) e "Sambinha bom", que reinicia a volta da banda. Aumentam os volumes na hora em que Camelo toca "Solar", que ao vivo ganha um punch incrível. Até mesmo a doce e sensível “Cena”, da Mallu, ganhou uma roupagem rock, o que ao mesmo tempo me decepcionou (já que eu adoro a versão mais pianinho), como também me deixou muito animado. Mas a intenção, ao que parece, era espantar a melancolia.

A tão esperada “Janta”, que traz um dueto do casal, ficou um pouco bagunçada, por causa, provavelmente, do público. O show se encerra com uma versão diferente de “Morena”, cantada a plenos pulmões pelo público (afinal, quando teremos a chance de vê-lo cantar essa maravilha novamente?), e finalizado com as guitarras excitantes de “Muitos chocolates”, decisão sábia para encerrar o show em alto astral. O público, criativo como sempre, começou a jogar um monte de chocolates na Mallu durante a canção. Enquanto não machucar a moça, a ideia é até simpática. Se bem que às vezes o amor machuca mesmo.

sábado, outubro 25, 2014

RELATOS SELVAGENS (Relatos Salvajes)























Uma das maiores surpresas do ano, RELATOS SELVAGENS (2014), do argentino Damián Szifrón, foi um estouro em seu país de origem, com mais de três milhões de espectadores pagantes. O fato de ter sido produzido pela empresa El Deseo, de Pedro Almodóvar, dá ao filme um luxo na direção de arte e em todos os outros aspectos técnicos que agrada aos olhos.

Mas o mais importante é o sorriso de orelha a orelha que o filme de Szifrón proporciona ao espectador desde o primeiro segmento, que funciona como prólogo que precede os créditos iniciais, que até lembram alguma série de televisão americana bem caprichada. Aliás, as críticas negativas que o filme anda obtendo é dizerem que se parece muito com filme americano. Não sei se concordo com isso. De todo modo, não deixa de ser um filme mais cosmopolita, dentre as produções argentinas recentes.

O primeiro segmento, por ser o mais engraçado, acaba lembrando OS AMANTES PASSAGEIROS, do Almodóvar. Tanto pelo humor absurdo quanto pelo fato de se passar inteiramente dentro de um avião. A história toma forma a partir de uma conversa entre dois estranhos que têm algo em comum. Trata-se de um dos segmentos mais curtos e simples, mas é eficientíssimo ao estabelecer um tom.

Esse tom é acrescido também de suspense nas outras cinco histórias narradas de forma independente. Provavelmente, a melhor delas seja a da disputa entre dois sujeitos em uma estrada. O suspense e o humor negro imperam e o público quase para de respirar para ver a briga entre aqueles dois homens. (Estou sendo um pouco vago quanto às histórias, pois como se tratam de curtas, é preciso tomar cuidado para não falar muito e não estragar as surpresas.)

A história curta que se passa num restaurante de beira de estrada e envolve ódio e sede de vingança é tensa, embora seja a menos interessante; a história de um homem atormentado pela burocracia e pela injustiça (Ricardo Darín) tem ares kafkianos e é o que mais trata de questões sociais, mas sem perder o bom humor em sua conclusão; uma crítica feroz à ambição se apresenta na trama que envolve um atropelamento com fuga e uma família tentando acobertar a situação. Mas o que fecha com chave de ouro esta belezura de filme é mesmo o segmento da festa de casamento, que acaba sendo prejudicada depois que a noiva flagra o noivo se mostrando íntimo com uma das convidadas.

Trata-se, portanto, de um dos filmes mais deliciosos da temporada e merece muito que façamos uma boa divulgação boca-a-boca para que se torne no Brasil um desses poucos fenômenos de bilheteria que sai de algum lugar improvável. Por improvável, quereo dizer que não seja dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Como foi o caso do francês INTOCÁVEIS, dois anos atrás.

sexta-feira, outubro 24, 2014

DRÁCULA – A HISTÓRIA NUNCA CONTADA (Dracula Untold)


Desde seu lançamento em 1897, por Bram Stoker, Drácula se tornou um dos personagens literários mais fascinantes e logo obteve muitas versões para o cinema. Desde a criatura repugnante de NOSFERATU, de F.W. Murnau (que ganharia um remake nos anos 1970 por Werner Herzog); passando pelo DRÁCULA "oficial" de Tod Browning, com seu charme galanteador; pelo sangrento O VAMPIRO DA NOITE, de Terence Fisher, e suas várias continuações pela Hammer; pelo telefilme DRÁCULA, O DEMÔNIO DAS TREVAS, de John Badham; pelo romântico DRÁCULA DE BRAM STOKER, de Francis Ford Coppola, e até pelo tão criticado DRACULA 3D, de Dario Argento, entre tantos outros filmes com o personagem clássico, toda uma mitologia foi criada, moldada de acordo com a mudança dos tempos e frequentemente revisitado.

A própria mudança na forma como os vampiros passaram a ser apresentados no cinema e na televisão também sinalizam um novo momento. O grafismo e o gore, uma maior sensualidade, a saída do crucifixo como elemento perturbador para as criaturas da noite, e uma maior simpatia por elas contribuíram para que nascesse um Drácula herói (apesar do passado de crueldade), cristão e defensor de sua pátria e sua família, como o da nova aposta da Universal, DRÁCULA – A HISTÓRIA NUNCA CONTADA (2014), do estreante em longas-metragens Gary Shore.

A proposta aqui é juntar o lendário personagem histórico Vlad Dracul, o empalador, que defendeu seu território do expansionismo do Império Otomano, com a história do Drácula, de Bram Stoker, criando, assim, uma origem para o personagem. E o filme até que começa bem, com o diretor conseguindo manter uma narrativa cuidadosa. Não é uma má ideia, mas, aos poucos, DRÁCULA – A HISTÓRIA NUNCA CONTADA vai perdendo sua credibilidade.

Talvez o instante em que se percebe isso com maior força seja no momento em que um padre descobre que ele agora é um vampiro e incita a comunidade a queimá-lo, apesar de ele ter salvado da morte toda a cidade, matando sozinho, com a sua força sobrenatural adquirida, os soldados turcos. É a cena mais improvável pelo modo como ela é porcamente encenada e o começo da descida do filme ladeira abaixo. Nem falo do humor involuntário da presença do homem que deseja ser um servo de Vlad, já que, para o bem e para o mal, ele acaba tendo sua função.

Apesar dos elementos fantásticos e da mitologia em torno dos vampiros, a opção é mais por uma aventura épica, lembrando, com sua fotografia em tons de cinza e seu excesso de CGI (destaque para os milhares de morcegos controlados pelo herói), 300. Especialmente sua continuação. Ainda assim, não reclamo do didatismo e da escolha pela aventura em detrimento do horror, mas reclamaria das pouco convincentes cenas de ação e da tentativa de esconder a violência gráfica, de olho na classificação indicativa.

Infelizmente este é o novo Drácula que a Universal pretende vender para o público, aparentemente simpático ao novo filme, que deve ter uma continuação, a julgar pelo gancho no final. Ainda assim, não deixa de ser mais uma bola fora da Universal, que já havia tentado ressuscitar outros monstros clássicos antes, sem muito sucesso, a Múmia e o Lobisomem. O primeiro até que teve uma aceitação comercial, com direito a uma continuação e um spin-off (O ESCORPIÃO REI). O segundo foi um fracasso de público e crítica, apesar do bom diretor escalado.

terça-feira, outubro 21, 2014

O PROTETOR (The Equalizer)























Quando Antoine Fuqua ganhou o respeito de meio mundo com DIA DE TREINAMENTO (2001), instaurou-se a esperança de que ali surgia um grande cineasta. Ledo engano: os trabalhos seguintes do diretor deixaram a desejar, e quando ele acertava a mão era motivo para comemoração, como foi o caso recente de INVASÃO À CASA BRANCA (2013).

O PROTETOR (2014), segunda parceria de Fuqua com Denzel Washington, dividiu opiniões. Afinal, é preciso comprar a ideia de um filme de justiceiro com super-poderes. Ou quase isso. Trata-se, também, de um filme que remete ao cinema policial dos anos 1970, com uma divisão bem clara entre herói e vilão. Os vilões, inclusive, são malvados o bastante para que a audiência torça por sua morte nas mãos do justiceiro. Nesse sentido, pode-se categorizá-lo como um "filme de direita", como eram DESEJO DE MATAR, de Michael Winner, e PERSEGUIDOR IMPLACÁVEL, de Don Siegel.

E nem dá pra dizer que Denzel Washington faz feio frente a Charles Bronson e Clint Eastwood, mas o mesmo não se aplica ao filme em si, que começa até de maneira bem interessante, especialmente nada sabemos da identidade do protagonista, mas depois o filme vai brincando com exageros na forma como pinta a invencibilidade do herói, tornando as coisas fáceis demais.

Na trama, Denzel é um sujeito solitário que vive uma vida pacata de frequentar sempre o mesmo restaurante e estar sempre lendo um clássico da literatura. O que chama sua atenção é o jeito doce e a vida atribulada da jovem prostituta imigrante vivida por Chlöe Grace Moretz. Depois que os dois se aproximam e ela é encontrada violentamente agredida em um hospital, o herói parte em busca de vingança.

E essa vingança não se restringiria ao que ocorreu com a moça, mas ao completo desmantelamento dos negócios criminosos da máfia. E isso não deixa de ser divertido. Além do mais, quem teve a oportunidade de ver o filme em IMAX, pôde apreciar melhor os aspectos técnicos. Ainda assim, as expectativas altas do reencontro de Denzel e Fuqua foram um tanto frustradas. E O PROTETOR não é o novo DIA DE TREINAMENTO, como gostaríamos que fosse.

quinta-feira, outubro 16, 2014

SOBRE ONTEM À NOITE... (About Last Night…)























De vez em quando eu sinto vontade de ver um filme da fase oitentista de Demi Moore. Tenho uma admiração por sua beleza angelical desde a minha fase pré-cinéfila. E, se eu não me engano, vi este SOBRE ONTEM À NOITE... (1986) na televisão, antes de ser um cinemeiro de carteirinha. O que mais lembrava do filme era de uma cena em que Demi aparecia pelada em pé, de costas, na cozinha da casa em que morava, junto com o personagem de Rob Lowe.

Naquela época, essa imagem foi tão marcante para a minha cabeça de adolescente cheio de hormônios que o impacto diminuiu um pouco na revisão. Por outro lado, acho que os meus anos de experiência sentimental acabaram fazendo com que o filme tivesse uma importância maior no que se refere aos problemas conjugais. Ou quase conjugais, já que os dois não chegam exatamente a casar. Sem falar que o final é emocionante, compensando o aspecto frio que chega a incomodar na narrativa.

Edward Zwick, o diretor, faria uma obra melhor em tempos recentes, AMOR & OUTRAS DROGAS (2010). Mas SOBRE ONTEM À NOITE...tem um mérito: é baseado em uma peça de David Mamet, o que o torna sofisticado em seus diálogos, que se passam, em sua maior parte, em interiores. Embora James Belushi roube a cena algumas vezes, o que há de melhor no filme são mesmo os diálogos entre o casal. Não tem nada de diálogo cabeça. É tudo muito simples e natural.

Não só pela beleza e graciosidade de Demi Moore, mas é muito mais fácil você ficar do lado dela, já que os roteiristas fizeram do personagem de Lowe um bobão, ainda que um bobão cheio de charme. Na época, o ator era quase tão popular quanto Tom Cruise, entre os jovens astros galãs. O que acaba trazendo redenção ao personagem é o seu sofrimento, depois que os dois se separam. Afinal, não é todo dia que se ganha uma mulher como a Demi, que além de tudo faz uma personagem carinhosa e atenciosa, e depois perde por pura babaquice.

Daí o final ser tão bonito, aproximando finalmente o filme de um belo melodrama amoroso, que não é bem o estilo do cerebral Mamet. Muito provavelmente por isso o filme é tão racional na apresentação da situação complicada que é viver junto e ter que lidar com as mudanças que uma vida a dois traz.

SOBRE ONTEM À NOITE... também serve hoje como um interessante registro da época. E registro também de uma maior permissividade nas relações afetivas nos filmes americanos, apesar de a AIDS já ter surgido (a relação dos dois, por exemplo, começa logo com sexo no primeiro encontro). Muito legal ver a moda da época, com as roupas extremamente folgadas que Demi usa quase o tempo inteiro. Senti falta de um tema musical forte, mas o filme compensa isso com boas atuações e um final emocionante sem exagerar na sacarose. No fim, acabei me surpreendendo positivamente.

quarta-feira, outubro 15, 2014

BREAKING BAD – A TERCEIRA TEMPORADA COMPLETA (Breaking Bad – The Complete Third Season)























A terceira temporada de BREAKING BAD (2010) se caracterizou por dar mais atenção às questões criminosas do que aos dramas familiares, que eram mais fortes nas temporadas passadas. Agora, com Skyler, a  esposa de Walter White, deixando de ser apenas cúmplice e entrando de vez no mundo do crime do marido, as coisas ficam muito mais perigosas. Aquela história de White inventar desculpas para a família o tempo todo já estava se desgastando mesmo.

Pode-se dizer que a terceira temporada é a mais acertada até então, sem nenhum episódio com gordura ou com algo faltando, sem que com isso a série perca os seus momentos de surpresa. Em meio a episódios mais unidos a uma só narrativa, há um que se destaca dos demais, "Fly", em que vemos a obsessão de White depois de ver uma mosca no laboratório de metanfetamina. Trata-se de um episódio especial, que também lida com a relação de Walter com o parceiro Jesse. Inclusive, neste episódio ele quase fala de sua parcela de culpa na morte da namorada do amigo.

Como não se trata de uma série que separa pessoas boas e más e que tudo é relativo em se tratando de honestidade e maldade, aprendemos a não julgar os personagens, embora seja fácil torcermos pelos protagonistas a cada encrenca feia que eles se encontram. Até porque o próprio Jesse é o mais inocente da turma, enquanto Walter suja as mãos em momentos pontuais usando a inteligência.

A terceira temporada se destaca também pela força em cena do chefe de White, Gus, um discreto dono de uma loja de fast food que gerencia um grandioso negócio de tráfico de drogas. Gus, com sua expressão fria, impõe respeito e medo, e vale destacar o episódio em que ele força Jesse a pedir perdão a seus empregados traficantes de rua. Os mesmos que foram responsáveis por usar uma criança para assassinar um dos colegas de Jesse. Ao final da temporada, o jogo vai se tornando cada vez mais perigoso para os dois até culminar em um forte gancho.

Skyler é uma personagem que cresce muito nesta temporada, deixando de ser uma esposa enganada para se mostrar uma mulher que aprendeu com o marido a lidar com a mentira e a sujeira. Vem bem a calhar sua personagem ser uma contadora e as cenas dela trabalhando em um escritório e vendo o quanto seu chefe esconde falcatruas servem também para aproximá-la do lado errado da lei.

Quem acaba perdendo um pouco o espaço nesta temporada é Hank, o policial da narcóticos que é cunhado de Walt. Mas é dele um dos momentos mais intensos da série: quando se vê acuado por dois inimigos de Walt querendo matá-lo em uma eletrizante sequência em um estacionamento. Talvez seja o momento mais visceral da série, já que o personagem, por não ser protagonista, podia ser morto, segundo a vontade dos roteiristas.

Agora é ver o quanto as temporadas seguintes evoluem. Se tudo der certo, consigo terminar a série ainda em 2014.

terça-feira, outubro 14, 2014

ANNABELLE























Quem viu INVOCAÇÃO DO MAL (2013), de James Wan, certamente deve ter ficado intrigado com uma boneca bizarramente feia que foi brevemente citada na narrativa, mas que chamou atenção o suficiente para ser base de sustentação de um derivado: ANNABELLE (2014), que Wan não dirige, mas produz, entregando a direção para um cineasta de filmes de segunda categoria, John R. Leonetti, de MORTAL KOMBAT – A ANIQUILAÇÃO (1997) e EFEITO BORBOLETA 2 (2006).

Daí o fato de ANNABELLE ser uma boa surpresa, muito provavelmente por causa do dedo de Wan como produtor. O resultado é um filme saboroso do gênero horror, que não traz exatamente nada de novo, mas que é eficiente na construção de sequências assustadoras e em movimentações de câmera em interiores que chegam a ser opressivos em vários momentos. O fato de a trama se passar na década de 1960 acaba dando ao filme um ar de produção daquela época, emulando bons filmes de baixo orçamento desse período.

A história é simples: um jovem casal passa a ser atormentado por forças estranhas depois que ela ganha de presente uma boneca. Mia (Annabelle Wallis) é colecionadora desses brinquedos de meninas. Sabemos o quanto esses elementos do universo infantil são poderosos em filmes de horror clássicos. Junte-se a isso a figura de uma mulher grávida ou com um filho pequeno. O fato de haver um perigo bem assustador ali perto contribui para o misto de prazer e tormento que o filme proporciona ao espectador.

O filme se passa no tempo em que o bando de Charles Manson aterrorizou a Califórnia e isso serve de pano de fundo para o início da trama, dando espaço para que o satanismo se torne assunto em questão logo após um perturbador ataque noturno. É depois desse incidente no início que o filme vai ficando mais interessante, à medida que eventos assustadores começam a assombrar Mia, que passa a maior parte do tempo sozinha com o bebê em casa, enquanto o marido, médico, trabalha.

Não faltam a figura de um padre e de uma mulher com experiência em demônios (a dona de uma livraria esotérica, o que compensa a falta de um Google, tão presente em filmes de horror contemporâneos). Quanto à criatura maligna que quer tragar a alma da criança, o filme se aproxima mais de outro trabalho de Wan, SOBRENATURAL (2010) e sua continuação SOBRENATURAL – CAPÍTULO 2 (2013), em que a figura do mal é explicitada graficamente, embora não chegue a ser banalizada.

Não podemos esquecer de outro trabalho ainda que menos conhecido de Wan, que já lidava com um boneco amaldiçoado, GRITOS MORTAIS (2007). Mas podemos dizer que ANNABELLE é tão bom que consegue superar em construção atmosférica e em aspectos técnicos (a fotografia e a direção de arte são lindas) o semiobscuro filme de boneco de ventríloquo de Wan.

domingo, outubro 12, 2014

AOS VENTOS QUE VIRÃO























Na manhã deste sábado, tivemos a oportunidade de ver uma sessão de AOS VENTOS QUE VIRÃO (2013) seguido de debate com seu realizador. O Cinema de Arte não faz isso desde MÃE E FILHA, de Petrus Cariry, que felizmente foi exibido numa época em que o UCI Iguatemi ainda não estava com suas máquinas de projeção sucateadas e fazendo vergonha a seus realizadores. Infelizmente, o que tem se visto atualmente é péssima qualidade de imagem tanto em projeções em película quanto em projeções digitais. Hermano Penna, diretor de AOS VENTOS QUE VIRÃO, ficou extremamente triste como o modo como a bela fotografia de seu filme foi totalmente deturpada durante a sessão.

Ele até culpou a distribuidora, mas quem frequenta os cinemas do Iguatemi atualmente sabe que o problema não é esse. No sábado anterior, eu havia visto o drama AMOR FORA DA LEI numa projeção tão escura que mal dava para perceber o rosto dos atores. Por enquanto só tem se salvado a sala IMAX, que é nova e exibe em imagem cristalina, de dar gosto. As demais, todas deixam a desejar. O que é uma pena para o multiplex de maior número de salas do circuito comercial da cidade.

Quanto ao filme de Hermano Penna, apesar da falta de mais força em sua dramaticidade, diria que é um belo trabalho. E que ainda tem o mérito de nos apresentar a Zé Olímpio, um dos últimos sobreviventes da época dos cangaceiros e que viveu na cidade de Poço Redondo, em Sergipe. O local foi palco da morte de Virgulino Ferreira, o Lampião, e, consequentemente, é representativa do ocaso da era do cangaço.

Em um momento em que a polícia e a política era cercada de sujeira, um bando de foras-da-lei acabaram ganhando as graças de boa parte da população rural nordestina e se tornou símbolo de resistência até hoje. Ao mesmo tempo, eles eram também símbolos de uma personalidade irracional do nordestino, em comparação com a personalidade supostamente mais racional dos sudestinos. Isso é descrito muito bem em uma cena em que Marat Descartes apresenta uma aula para um grupo de homens que fariam parte das obras de um edifício em São Paulo.

Essa cena e, ao mesmo tempo, este atual momento em que os nordestinos voltam a ser atacados por alguns preconceituosos de outras partes do país  (cismaram até com o sotaque da Miss Ceará que ganhou o prêmio Miss Brasil este ano, sem falar nos eleitores da Dilma) faz lembrar outro filme muito interessante que aborda o tema de maneira mais enfática, O HOMEM QUE VIROU SUCO, de João Batista de Andrade. No filme de Penna, porém, o protagonista prefere deixar São Paulo para defender as terras de seu pai, em sua cidade natal.

O cineasta se utiliza de muitos simbolismos típicos do sertão do Nordeste para ilustrar o seu trabalho, como o mamulengo, o forró tradicional, a memória dos cangaceiros, a própria imagem triste da caatinga. Poderia ficar mais bonito, mais atraente. Mas enfeitar demais talvez não fosse uma decisão sábia. Preferindo a simplicidade, AOS VENTOS QUE VIRÃO é um filme que poderia alcançar públicos maiores se tivesse oportunidade para tal. A história de Zé Olímpio seria mais conhecida.

Mas se o filme de Penna não teve a repercussão desejada (como, aliás, não tem, a grande maioria dos filmes brasileiros sem o apoio da Globo Filmes), ao menos ele está vivo e pronto para ser reconhecido futuramente por novas gerações, não só como a história de um homem, mas como um recorte de cerca de 30 anos da História do Nordeste.

sexta-feira, outubro 10, 2014

SEIS CURTAS EXIBIDOS NO CINE CAOLHO























A 11a edição do Cine Caolho segue mostrando a variedade das produções cearenses. De experimentações formais a formatos mais clássicos, da arte pela arte a convites a reflexões em torno de temáticas sociais, o cinema de uma nova geração, que normalmente se inicia em curtas-metragens, tem ganhado cada vez mais visibilidade em festivais nacionais e internacionais e outras exibições públicas.

JUS

JUS (2012), de Marcelo Dídimo, destaca a importância do jumento na sociedade nordestina através de uma linguagem lúdica e afetuosa. Porém, trata-se mais de um filme sobre a cada vez maior falta de espaço do animal em uma sociedade que se moderniza. Dídimo aponta a desumanidade do homem frente a um animal que tanto fez em todos esses séculos. Dos jumentos recolhidos pelo Detran-CE a uma nada confiável fazenda em Santa Quitéria à rememoração da história de Damião do Jegue, que queria levar o seu estimado animal até o Papa, no Vaticano, além do apresentador que funciona como uma espécie de consciência da humanidade, JUS é um filme que deixa no ar um sentimento terno mas também amargo sobre a situação atual e futura desses doces animais.

TEMPO BRANCO

TEMPO BRANCO (2013), de Sabina Colares e David Aguiar, como um misto de documentário e ficção, se estrutura através de imagens fortes e representativas do sertão nordestino, como uma rede balançando ao vento, nuvens carregadas passeando por um céu azul que, por sua vez, contrasta com a enxada batendo no chão duro e cheio de raízes. O primeiro close-up humano demora um pouco a acontecer. Os diretores convidam primeiro o espectador a educar o olhar, de modo a entrar em uma espécie de transe movido a poesia falada e às imagens das nuvens, que podem assumir diferentes formas a partir da imaginação do espectador. Há ainda um espaço filosófico para o pensar a própria arte, os sonhos e a realidade.

FLUXOS/LINHAS E ESPIRAIS

A animação está bem representada por FLUXOS (2014) e LINHAS E ESPIRAIS (2009), dois trabalhos de animação hipnotizantes de Diego Akel. FLUXOS lida com formas de relevo mais próximas do palpável, dando para perceber, inclusive, as marcas dos dedos do realizador como rastro do árduo processo de animação em stop motion. Já LINHAS E ESPIRAIS trabalha com tinta e brinca com formas em que sucessivas imagens vão se moldando e sendo transformadas em outras imagens. Ambos os filmes lidam com processos de transformação e sugerem simbolismos associados à vida e às relações
humanas.

MONTE PEDRAL

MONTE PEDRAL (2012, foto), de Marcley de Aquino, traz a poesia do cotidiano do sertão cearense para o cinema em uma atitude de reverência com aquilo que é mostrado, quer sejam as figuras do homem e dos animais, quer sejam da natureza. Não à toa os nomes homenageados ao final do filme são de escritores e cineastas que trouxeram a poesia do homem do campo para a arte. As primeiras imagens e sons já mexem com os sentidos: o nascer do sol, o canto dos pássaros, as vacas surgindo ao som de sinos. Monte Pedral é uma homenagem de seu autor aos seus tempos de criança e é possível imaginar cada plano como sendo uma memória de seu arquivo pessoal.

DAMAS DA LIBERDADE

O exemplar mais clássico da noite é o documentário DAMAS DA LIBERDADE (2012), de Célia Gurgel e Joe Pimentel, que faz parte do projeto "Marcas da Memória". O filme trata do importante papel das mulheres na luta pela anistia dos presos políticos nos anos de chumbo. Nos depoimentos, somos apresentados a mulheres que militaram nesses anos difíceis, muitas por convicções políticas, mas, boa parte delas por amor a seus filhos, irmãos, maridos. A costura dos depoimentos das militantes é entrecortada ou ilustrada por imagens de arquivo de grande força histórica e dramática.

Podemos dizer que por mais que certos filmes sejam bem diferentes uns dos outros no aspecto formal, há um denominador comum entre eles: o humanismo. Ele está presente nas questões sociais que envolvem JUS e DAMAS DA LIBERDADE, nos documentários híbridos TEMPO BRANCO e MONTE PEDRAL e até mesmo nas animações FLUXOS e LINHAS E ESPIRAIS, de Diego Akel, em que esse humanismo é menos explicitado, mas que é também percebido.

Esse humanismo pode se configurar na voz triste das mães, irmãs e esposas que perderam seus familiares durante o regime ditatorial do período de 1964-1985; no tom de lamento pelos maus tratos de uma sociedade a um animal que já foi até homenageado por um cineasta sensível ao sofrimento alheio, como Robert Bresson (em A GRANDE TESTEMUNHA, 1966); no tom de saudade da infância, ao exibir uma série de imagens do sertão cearense em sua pureza; e no pensar sobre a própria criação artística, que traz, junto com seu criador, a sua incompletude, sua imperfeição, que, afinal, é o que faz dele um ser humano.

Texto originalmente publicado no site oficial do projeto Cine Caolho.

quinta-feira, outubro 09, 2014

O ATO DE MATAR (The Act of Killing)























Assisti O ATO DE MATAR (2012) com a saúde um tanto delicada. Tanto por causa de minha fragilidade física e espiritual, quanto pela natureza do filme em si, saí do cinema com ânsia de vômito, tonto, com a visão turva e não querendo falar com ninguém ao chegar em casa. O filme me deixou sobrecarregado de energia negativa, depois de presenciar os atos obcenos dos carrascos de uma ditadura que ainda permanece na Indonésia. E especialmente por causa de uma das cenas finais, que causa engulhos. Essa cena pode ter surgido espontaneamente, fruto do peso na consciência do protagonista assassino, mas pode ter havido uma intervenção dos diretores, encabeçados pelo americano Joshua Oppenheimer, de modo a dar mais impacto à obra.

A tal cena da ânsia do vômito, aliás, reforça outra cena horrível de ver, na qual um dos auxiliares do carrasco escova a língua de modo a causar uma sensação de mal estar físico no espectador. Mas sabemos que cinema não é só de trabalhos que elevam o espírito e nos deixam leves. O ATO DE MATAR é o exemplo vivo de um tipo de cinema feito para incomodar, causar reflexão e indignação. Além de informar, já que poucos sabem do assassinato de milhares de pessoas a pretexto de serem comunistas, na Indonésia da década de 1960, em um regime que hoje apresenta os carrascos/gângsteres como heróis da pátria, a ponto de participarem de talk shows, inclusive.

Aproveitando esse ego inflado desses homens repulsivos, Oppenheimer e outros diretores, a maioria deles assinados como anônimos, de modo a não sofrer represálias do governo do país, o cineasta americano chega com a proposta de convidar alguns desses homens a dirigir e atuar em um filme criado por eles mesmos a reconstituição do que ocorreu naquela época. E a descrição do carrasco de maior destaque não poderia causar mais indignação. O sujeito afirma que, para evitar o sangue excessivo das vítimas que eram torturadas e depois assassinadas, ele inventou um método mais "limpo" de mortes, usando arames para asfixiar a pessoa.

E o absurdo de tudo é que eles contam com orgulho e sorriso no rosto tudo aquilo. Absurdo também ver o quanto os valores deles são totalmente invertidos, dando até para encarar o principal carrasco como alguém ingênuo à sua maneira. O fato de ele repensar o que fez no passado e de dizer que tem pesadelos que o perturbam pode até dar a ele um ar de mais humanidade, assim como a cena em que ele chama o neto para ver uma filmagem em que ele encena a posição de uma vítima sofrendo tortura. A extorsão desses velhos gângsteres a comerciantes temerosos também é mostrada com naturalidade e até com orgulho por eles, assim como a terrível descrição de um deles de como adorava matar as pessoas, mas especialmente apreciava estuprar adolescentes de quatorze anos.

Tudo isso e mais as várias repetições das filmagens do filme de mentira que realizam contribuem para um sentimento de mal estar intenso no espectador, embora haja um uso de cores e alguns momentos que ficam entre o belo e o brega que atenuam levemente esse impacto. Caso da cena do peixe gigante; caso das cenas envolvendo uma cachoeira.

O que pode depor contra O ATO DE MATAR é a sua natureza ética, já que os diretores estavam enganando todo mundo ali. Tanto os implacáveis gângsteres semiaposentados, quanto os inocentes que toparam participar de uma reconstituição violenta do passado, e que já carregavam no coração a dor de ter perdido entes queridos por causa desses indivíduos ou mesmo de terem presenciado na infância algumas dessas atrocidades. Como um dos produtores é Werner Herzog, que de vez em quando opta pelo exploitation disfarçado de filme de arte (ou seria o contrário?), vide O HOMEM-URSO, é de imaginar que essa questão ética possa ser tanto um problema quanto mais um elemento, apesar de tudo, a favor do filme.

sábado, outubro 04, 2014

GAROTA EXEMPLAR (Gone Girl)























David Fincher, desde pelo menos SEVEN – OS SETE CRIMES CAPITAIS (1995), tem chamado bastante a atenção das audiências. Ficar com um pé atrás com um trabalho ou outro seu é até normal, pois algumas obras podem perturbar o espectador a ponto de ele não saber se o que acabou de experienciar foi algo bom ou ruim. O fato é que filmes como SEVEN, CLUBE DA LUTA (1999) e o anterior MILLENNIUM – OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (2011) têm algo que deixam o espectador angustiado ou desnorteado ao final da projeção.

Com GAROTA EXEMPLAR (2014) esta sensação é ainda mais forte, e novamente a trilha sonora de Trent Reznor e Atticus Ross contribui para a criação de uma atmosfera tensa e crescentemente perturbadora. Principalmente porque vemos o filme mais pelo ponto de vista do personagem de Ben Affleck, o escritor Nick Dunne.

Amy é mostrada a princípio através de flashbacks, que são narrados com tintas bem diferentes da história que se passa no presente. Inclusive, com um tipo de trilha sonora diferente também, servindo para fazer com que o espectador desconfie de Dunne, que com o tempo passa a ser o principal suspeito pelo desaparecimento de Amy.

O ocorrido causa comoção em rede nacional, já que Amy é escritora de livros infantis bastante populares. E por mais que ela não fosse nenhum exemplo de popularidade na vida real, a imagem que a mídia cria dela é de perfeição. Neste sentido, podemos fazer uma relação direta com outra ótima obra de Fincher, A REDE SOCIAL (2010). Ambos os filmes lidam com o poder da imagem e a mentira que pode se transformar em uma verdade diante das câmeras. Sejam elas de televisão, de um celular ou de segurança.

Mas o que mais perturba em GAROTA EXEMPLAR é a teia com que Nick se vê enredado. O perigoso de contar mais detalhes sobre a trama é tirar do espectador que ainda não viu o filme o prazer das surpresas que a narrativa apresenta ao longo de suas quase duas horas e meia de duração. Uma metragem, aliás, que não chega a pesar, dada a excelente montagem de Kirk Baxter, que tem trabalhado com Fincher desde O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON (2008). Uma direção primorosa junto com uma edição bem cuidada já é quase tudo que se pode querer para um trabalho bem-sucedido.

Quanto às atuações, se Rosamund Pike faz uma personagem marcante e que consegue mexer com as emoções do espectador, Affleck, com sua tradicional atuação econômica, é o ator perfeito para o papel, o de um homem que se vê perdido diante das circunstâncias e que não sabe como expressar suas emoções diante de uma sociedade que parece comer pessoas vivas.

O jogo de mentiras e verdades não ditas que são a marca de outros trabalhos de Fincher, como VIDAS EM JOGO (1997), CLUBE DA LUTA, ZODÍACO (2007) e A REDE SOCIAL, se faz presente de maneira orgânica neste novo trabalho, que está sendo visto por muitos como sua obra-prima. Ou no mínimo o filme que vai aumentar ainda mais o número de admiradores do cineasta. A ponto de crescer a necessidade de avaliar sua obra pregressa. O que é muito justo.

quarta-feira, outubro 01, 2014

SIN CITY – A DAMA FATAL (Sin City – A Dame to Kill for)























Quando Frank Miller foi revelado para o mundo com seu estilo cinematográfico de fazer histórias em quadrinhos no título do Demolidor, muita gente já se perguntava por que ele não faria cinema. Seria um cineasta e tanto. No papel, parecia verdade, mas tudo que Miller pôs a mão no cinema foi um desastre. Desde os roteiros para ROBOCOP 2 (1990) e ROBOCOP 3 (1992), passando pela codireção com Robert Rodriguez de SIN CITY – A CIDADE DO PECADO (2005) até a horrível e única experiência solo na direção de longas em THE SPIRIT – O FILME (2008), tudo é muito ruim.

Quanto ao novo SIN CITY – A DAMA FATAL (2014), além do problema de timing (há uma distância temporal enorme entre o primeiro filme e este, além do fato de as HQs de Miller terem perdido o hype), somos enganados pela criativa propaganda, representada principalmente pelos belos cartazes de divulgação, principalmente o que mostra Eva Green usando um vestido transparente e exibindo suas formas voluptuosas.

E apesar de a atriz aparecer nua (enquanto Jessica Alba segue fazendo aquele strip-tease para criança ver), isso não ajuda em nada a melhorar aquilo que até tem um visual bonito e que parece ainda mais devedor dos quadrinhos de Miller, mas que se mostra vazio à medida que o enredo de múltiplas histórias prossegue.

Os dois personagens mais marcantes do primeiro filme reaparecem aqui: o Marv, de Mickey Rourke, e o Hartigan, de Bruce Willis, este apenas como fantasma. Há coisas que não aparecem nas HQs de Sin City. Mas no geral o que se vê é um desfile de astros famosos sendo desperdiçados em um filme que desperta mais sono do que interesse. Além dos já citados Rourke, Willis, Green e Alba, há ainda Joseph Gordon-Levitt, Josh Brolin (esse, na trama principal, da tal Dama Fatal), Powers Booth, Ray Liotta, Rosario Dawson, Stacy Keach (irreconhecível), entre outros.

A única vantagem de haver um novo SIN CITY é a chance de parte da plateia não ter visto o primeiro filme, que inovava em aspectos formais. Mas esse tipo de inovação – excesso de CGI e fotografia estilosa – também já foi explorado, e até de maneira melhor, nos dois filmes de 300, também baseados em personagens de Frank Miller. Sem falar em THE SPIRIT, que também copia essa forma, despida de cores e com uma ou outra coisa colorida em destaque. Em A DAMA FATAL, o maior destaque são os lábios vermelhos da personagem de Eva Green. Mas só em alguns poucos momentos. Assim, o frescor que havia durante o primeiro filme perde-se nesta sequência. Vai ver por isso foi um fracasso nas bilheterias.

Mas o maior problema está na completa falta de força nas histórias e de seus personagens e no jeito desleixado de direção e montagem já típico de Rodriguez, que não faz um filme bom de verdade desde PLANETA TERROR (2007) e vem tentando conquistar audiências que curtem homenagens a filmes exploitation, como os dois filmes do Machete (2010, 2013).

E falando em exploitation, não deixa de ser bonito o sangue branco espirrando nas cenas de violência com objetos cortantes em A DAMA FATAL, mas nada disso é mérito do filme, mas da obra original de Miller, que tem seu poder diminuído nessa tradução para as telas. Bem que já se percebia no ar um clima de frieza diante da obra, que desanima até mesmo quem já espera o pior.