segunda-feira, maio 05, 2014

O HOMEM DAS MULTIDÕES



Foi com muito prazer e um sentimento misto de alegria (por ter visto um filme tão bonito) e de melancolia (porque o filme lida com o tema da solidão com tanta sensibilidade) que saí da sessão de O HOMEM DAS MULTIDÕES (2013), de Cao Guimarães e Marcelo Gomes. O filme contou com a presença de Gomes e do produtor João Vieira Jr. para um debate após a sessão. Gomes trouxe sua simpatia e uma facilidade na comunicação que fez com que o espectador se sentisse, além de tudo, um privilegiado por estar ali. Meus agradecimentos, desde já, à turma do Cine Dragão do Mar por nos ter concedido essa graça.

O HOMEM DAS MULTIDÕES é um filme único em sua forma. Sua janela, como a de um retrato 3x4 em polaroide ou do Instagram, causa estranheza e um sentimento de sufocamento dentro daquele pequeno quadro no início, mas depois é só curtir aquele jeito diferente de fazer cinema, que valoriza também o que está fora do quadro, que fica, na maior parte das vezes, por conta da imaginação do espectador.

Baseado livremente no conto homônimo do escritor americano Edgar Allan Poe, o filme mostra o cotidiano de um maquinista de trem de uma cidade grande – no caso, Belo Horizonte. Juvenal (Paulo André) é um homem só, mas que de certa forma curte a sua solidão. Ele adora ficar anônimo no meio da multidão, ouvindo as conversas das pessoas ou vendo alguma coisa que lhe chama atenção nas ruas.

De poucas palavras, Juvenal passa a se aproximar de sua colega de trabalho, Margo (Sílvia Lourenço), cujo trabalho é ficar em uma sala fechada com televisões que mostram as várias estações ferroviárias. Ela também fica sabendo se acontece alguma irregularidade técnica durante as idas e vindas dos trens.

Margo também é uma solitária. Porém, bem mais afinada com os novos tempos. Não tem nenhum amigo no mundo "real" e ficou noiva de um sujeito que conheceu pela internet. Convida a única pessoa próxima do que seria um amigo, o calado Juvenal, para ser seu padrinho, mas este fica intimidado com o convite e a princípio diz "não".

A fotografia com filtros de imagens esmaecidas de Ivo Lopes Araújo, presente em vários ótimos filmes da safra recente, dá o tom desse sentimento que os diretores querem passar para o espectador. Há também uma excelente utilização de espelhos, que acabam por remeter aos próprios personagens e suas semelhanças e diferenças. Ou ao tom reflexivo que o filme provoca.

O HOMEM DAS MULTIDÕES, apesar de ter uma narrativa lenta e um formato bem fora do comum, não possui planos longos e isso contribui para um dinamismo na narrativa. Vale destacar os momentos em que os dois protagonistas estão na casa de Juvenal e a câmera não tem pressa para seguir os personagens. Em outra ocasião, durante a conversa para o convite do casamento, a câmera, em vez de usar o corte habitual do campo-contracampo, prefere o balé lento e elegante ao redor dos personagens, mostrando a tensão em seus rostos.

Os sentimentos dos dois são mostrados principalmente por imagens. Muito pouco por palavras. A não ser por Margo, que é capaz de se expressar bem por palavras mas também sabe lidar com silêncios que seriam constrangedores para outros, mas ela mora com o velho pai caladão vivido por Jean-Claude Bernadet. No entanto, fica no ar sempre a impressão de que Juvenal e Margo nutrem algum sentimento um pelo outro, embora talvez não saibam, e isso torna O HOMEM DAS MULTIDÕES também um filme sobre o encontro com o amor.

Trata-se de um trabalho de dois cineastas que entraram em sintonia. Marcelo Gomes, como ele mesmo disse no debate pós-sessão, já havia trabalhado com personagens solitários, mesmo sem perceber, em CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (2005), VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO (2009) e ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA (2012). Cao Guimarães, também, principalmente em seus documentários, A ALMA DO OSSO (2004) e ANDARILHO (2007). Esse ar documental está presente em O HOMEM DAS MULTIDÕES, esse que é um dos melhores filmes deste ano.

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