sexta-feira, fevereiro 28, 2014

VIDAS AO VENTO (Kaze Tachinu)























E a anunciada despedida de Hayao Miyazaki é justamente um filme sem elementos de fantasia ou ficção científica tão característicos de seu cinema. E o fantástico disso é que VIDAS AO VENTO (2013), indicado ao Oscar de melhor animação, é um filme com a cara de seu diretor, que já havia mostrado em diversos outros trabalhos a sua fascinação pelo voo. LAPUTA – O CASTELO NO CÉU (1986) se passa boa parte do tempo em ambientes aéreos. Em outros trabalhos, como NAUSICAÄ DO VALE DOS VENTOS (1984) e PORCO ROSSO (1992), é possível, inclusive, sentir um frio na barriga em algumas cenas de voos. E ele consegue isso utilizando uma animação tradicional, sem uso da tecnologia 3D ou truques semelhantes.

Com exceção dos encontros através de sonhos do protagonista Jiro Horikoshi com o designer de aviação italiano Gianni Caproni, VIDAS AO VENTO é um trabalho sobre a história real de um rapaz apaixonado por aviação que se passa nas décadas de 1920 e 1930, em que alguns momentos importantes da história do Japão são mostrados ou citados, como o grande terremoto em Kanto, a Grande Depressão, a epidemia de tuberculose e a entrada do país na Segunda Grande Guerra.

A cena do terremoto é a primeira do filme a nos deixar impressionados. É possível sentir o caos que essa tragédia causou naquela cidade, deixando destruição, incêndios, explosões, mortos e feridos. Aliás, não deixa de ser uma síntese dos terremotos frequentes que assolam o país. É durante esse terremoto que o jovem Jiro conhece a bela e frágil Nahoko, que se tornaria a mulher de sua vida.

Apesar de o filme se deter mais na vida profissional e na obsessão de Jiro com a aviação, que o leva a construir a construir aviões destinados à Segunda Guerra Mundial, é o romance de Jiro e Nahoko que mais mexe com as emoções do público. A cena do casamento dos dois, inclusive, é de uma beleza tão especial que chega a ser difícil conter as lágrimas.

Os traços dos desenhos seguem uma linha quase tão simples quanto a de PONYO – UMA AMIZADE QUE VEIO DO MAR (2008), diferente, por exemplo, dos traços finos e mais caprichados de PRINCESA MONONOKE (1997) e A VIAGEM DE CHIHIRO (2001). Mas isso em nenhum momento atrapalha a apreciação. Até porque algumas imagens são de uma beleza impressionante, inclusive as mais trágicas. Há uma sequência que mostra, numa visão de cima, em um travelling que amplia o plano, um grupo de moças tuberculosas em um hospital situado em uma montanha, referência à Montanha Mágica, de Thomas Mann, obra que é citada em uma conversa.

VIDAS AO VENTO, porém, pode desagradar a muitos que não ligam para aspectos técnicos da aerodinâmica de aviões. Porém, como se trata de uma paixão do personagem (e do cineasta), é bom se deixar contagiar um pouco com o entusiasmo. Pode desagradar também a quem estiver esperando um trabalho cheio de fantasia e elementos fantásticos, como o que é encontrado em todos os seus demais filmes.

Daí a distribuidora brasileira, a California Filmes, ter resolvido, muito sabiamente, lançar o filme apenas em cópias legendadas. Afinal, trata-se de uma animação para adultos ou, no máximo, para adolescentes. Isso acaba sendo uma oportunidade de ouro para quem nunca teve a oportunidade de ver um Miyazaki com o áudio original no cinema, já que a língua japonesa tem uma musicalidade toda especial.

Quanto ao aspecto da Segunda Guerra Mundial e de o filme não questionar enfaticamente o uso dos aviões para fins não muito nobres, digamos que VIDAS AO VENTO prefere crer que as escolhas do Japão em se aliar aos países do Eixo foram uma infelicidade. E que os soldados, apesar de terem se transformado em máquinas assassinas a serviço de um imperador terrível, eram, acima de tudo, homens obstinados e corajosos. Mas Miyazaki prefere não se aprofundar muito nessa questão. Até porque o seu filme já abraça muitos momentos da história japonesa e da história do próprio personagem.

P.S.: Curiosamente, quem faz a voz de Jiro é Hideaki Anno, o criador de NEON GENESIS EVANGELION, uma das séries de animação japonesa mais queridas de todos os tempos, aqui em seu primeiro trabalho como dublador. Isso leva-nos a imaginar que existe uma admiração mútua entre os dois criadores. 

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