terça-feira, janeiro 28, 2014

AVANTI POPOLO


O cinema é um território de fantasmas. Por isso, não importa se a pessoa que está representada na tela está viva ou se já partiu. Morremos um pouco a cada dia, somos diferentes em cada dia. Mesmo assim, não deixa de ser uma alegria, ou pelo menos um alento, poder ver o nosso querido Carlão Reichenbach na telona, desta vez como um ator, não atrás das câmeras. Ele já havia aparecido em obras como O DESPERTAR DA BESTA, de José Mojica Marins, e gargalhando no cinema em O BANDIDO DA LUZ VERMELHA, de Rogério Sganzerla, entre outros papeis menores, mas agora é diferente. Agora é um papel de destaque, como protagonista.

Em AVANTI POPOLO (2013), de Michael Wahrmann, Carlão interpreta um senhor um tanto deprimido e solitário, cuja única companhia é sua cachorrinha de nome Baleia. Não sei se o nome foi escolha do Carlão ou do diretor, mas certamente é uma homenagem à famosa cadela criada por Graciliano Ramos. Sua solidão é atrapalhada pela chegada do filho, vivido por André Gatti, que quer mudar um pouco a rotina da casa, como, por exemplo, abrir a janela, coisa que o pai trata logo de desfazer. Gente velha é teimosa mesmo.

Mas o que AVANTI POPOLO tem de tristonho, tem também de engraçado. Há pelo menos dois momentos que se destacam: o taxista interpretado por Eduardo Valente, um sujeito que tem os hinos nacionais de quase todos os países em seu carro, e o sujeito que inventa o tal Dogma 2012, algo que contando não vai ter a mesma graça. É preciso ver.

AVANTI POPOLO é, definitivamente, um filme estranho. Mas isso faz parte de sua beleza. As tomadas em câmera parada na casa mostram um trabalho de mise-en-scène bem arquitetado, ainda que longe de ser tão inventivo. Mas há um belo trabalho de utilização do som e daquilo que não é mostrado na tela, coisa que era muito comum de se ver nos filmes de Robert Bresson.

Claro que Wahrmann não é nenhum Bresson, mas também ninguém espera isso dele. E nem sei se Bresson seria de fato uma de suas maiores influências. O filme, em seu ritmo cadenciado e suas tomadas longas, tem uma melancolia carregada pela saudade do pai, que espera por um filho há décadas, quando este partiu para a União Soviética. Assim, imagens da fase áurea do mundo soviético e velhos filmes caseiros em 8 mm são o que restou do filho ausente.

Quando AVANTI POPOLO termina, com aquela canção pegajosa, difícil não simpatizar com essa obra incomum, mas que vale demais ver. Até para saber que o nosso saudoso mestre e agitador cultural também era um ótimo ator.

O filme foi exibido numa mostra especial no Cinema do Dragão e, como não é uma obra que tem apelo comercial, foi muito bom poder aproveitar essa oportunidade que talvez não se repita. Pelo menos, não nos cinemas daqui.

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