sexta-feira, janeiro 31, 2014

AJUSTE DE CONTAS (Grudge Match)























Sylvester Stallone está cada vez mais à sombra de si mesmo, de seus sucessos do passado. Não deixa de ser uma escolha inteligente, mercadologicamente falando, e que rendeu pelo menos um excelente filme: ROCKY BALBOA. Já não sou muito apreciador da franquia OS MERCENÁRIOS e nem de RAMBO IV. AJUSTE DE CONTAS (2013) é outra dessas brincadeiras com o passado. Tão em tom de brincadeira quanto OS MERCENÁRIOS. E quase tão chato quanto.

A ideia, a princípio, me pareceu bem divertida: Rocky Balboa versus Jake LaMotta. Sim, Robert De Niro, cada vez gostando mais de comédias, topou, na boa. ROCKY, UM LUTADOR e TOURO INDOMÁVEL são dois dos mais importantes e melhores filmes de boxe produzidos pela nova Hollywood. Até porque, acima de tudo, são dramas muito bem construídos, não apenas têm a luta final como grande justificativa.

Infelizmente a ideia boa ficou só no papel e talvez por causa de dois roteiristas fracos e de um diretor pouco inspirado o resultado ficou bem aquém do desejado. Além do mais, aquela divertida piada do açougue, que consta no trailer, com Stallone socando um grande pedaço de carne, acabou ficando de fora do corte final. Mas Alan Arkin acaba contribuindo para alguns dos melhores momentos do filme. Eis um ator ótimo e que tem ficado relegado a participações como coadjuvante. Mesmo que roube as cenas. A piada do mijo de cavalo ainda é um dos momentos mais legais deste AJUSTE DE CONTAS.

Até dá para gostar do filme, não levando muito a sério as coisas, e achando divertidas principalmente as paródias em torno dos treinamentos dos velhos boxeadores. As imagens em arquivo dos filmes também são um belo trunfo. Mas aí no fim das contas AJUSTE DE CONTAS é só uma frouxa história de família e velhos amores, envolvendo um filho rejeitado pelo pai (Jon Bernthal, de THE WALKING DEAD) e uma mulher que foi pivô da briga dos dois protagonistas (vivida por Kim Basinger).

O diretor Peter Segal tem em seu currículo uma bela comédia romântica, COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ (2004), mas, ao que parece, esse foi apenas um acidente de percurso em uma carreira medíocre.

quinta-feira, janeiro 30, 2014

PAIXÃO NA PRAIA























Meu retorno à filmografia de Alfredo Sternheim se dá depois de eu ter conseguido dois outros trabalhos do cineasta. Este é sua estreia na direção e o esqueleto da trama é praticamente o mesmo de VIOLÊNCIA NA CARNE (1981), realizado cerca de dez anos depois e em um momento em que a permissividade para as cenas de sexo não era apenas mais aceita, era também incentivada. Era chamariz para as bilheterias e o Cinema da Boca era uma indústria que se mantinha sem incentivos do Governo. PAIXÃO NA PRAIA (1971), portanto, é uma espécie de VIOLÊNCIA NA CARNE sem sacanagem. E isso acaba fazendo falta no filme de estreia do diretor.

Na trama, Norma Bengell é esposa de um bancário e está desiludida com o casamento. Ao voltar para sua casa de praia, vê que o lugar está invadido por dois homens: um sujeito metido a galã e chefe do pequeno bando (Adriano Reys) e o irascível barbudo vivido por Ewerton de Castro, que fala sempre em uma revolução que tramam, motivo para o filme amargar um ano nos porões da censura até ser liberado comercialmente. Ela e seus empregados são feitos de reféns. O grupo de foras-da-lei espera a chegada de uma mulher, a baronesa (Lola Brah).

Enquanto isso, os personagens de Bengell e Reys começam a se envolver afetivamente. Reys fica o tempo todo dizendo o quanto ela é linda e fina, mas curiosamente não vejo beleza em Norma Bengell, principalmente neste filme, em particular. Lendo o livrinho do Alfredo Sternheim, da Coleção Aplauso, soube que o roteiro foi pensado na Eva Wilma, que o diretor havia conhecido durante as filmagens de A ILHA (1960), de Walter Hugo Khouri, em que foi assistente de direção. Faz todo o sentido pensar em Eva Wilma, ainda mais se a imaginarmos jovem, em 1960. Já não sei em 1971.

Uma coisa que me chamou a atenção no filme foi o figurino de Adriano Reys, que me lembrou muito o meu pai. Naquela época, era muito comum os homens se vestirem de camisa de manga longa e deixarem o peito praticamente nu com poucos botões abotoados. Meu pai costumava se vestir exatamente assim, mesmo em plenos anos 1990, quando a moda já havia passado há tempos.

Sobre fofocas de bastidores, a mais curiosa que Sternheim conta em seu livro é de que Bengell brigou com Reys durante as filmagens, pois ele ficou excitado durante uma cena íntima que fez com ela. Lembrando que essas cenas íntimas, por mais que tivessem sido feitas com poucas roupas, são mostradas por baixo dos lençóis.

Como não tem o fator sexploitation descarado de VIOLÊNCIA NA CARNE, PAIXÃO NA PRAIA perde muito da graça que poderia ter, até como forma de compensar suas fraquezas. Felizmente, na próxima empreitada, Sternheim fez um de seus melhores e mais memoráveis trabalhos, ANJO LOIRO (1973), com Vera Fischer. Esse sim foi um acerto, não só pelo apelo sensual, mas também pela construção dos personagens e de suas dores e desejos.

quarta-feira, janeiro 29, 2014

TRÊS TELEFILMES



Três filmes que têm vários pontos em comum: foram feitos para a televisão (todos são produções da HBO), foram dirigidos por cineastas conceituados, mas que aparentemente estão em fim de carreira, e são baseados em histórias reais. Falemos um pouco sobre cada um dele, de maneira rasteira, mas que pelo menos sirva para deixar registradas minhas impressões sobre eles. Os motivos de eu tê-los visto foi, principalmente, a visibilidade que tiveram em premiações como o Globo de Ouro e o Emmy.

MINHA VIDA COM LIBERACE (Behind the Candelabra) 

Essa história de Steven Soderbergh declarar sua aposentadoria todos os anos já estava dando no saco. Mas, até o momento, depois deste MINHA VIDA COM LIBERACE (2013), ele só está agendado no IMDB como diretor de episódio de série de TV (THE KNICK, 2014). De todo modo, seu último longa-metragem é um trabalho interessante sobre o relacionamento entre um velho músico gay e um jovem que se sente atraído por ele e também por sua riqueza. Michael Douglas e Matt Damon se dão muito neste filme. E não falo isso do ponto de vista sexual, mas no que se refere aos seus desempenhos como atores mesmo. Tanto que ambos foram indicados ao Globo de Ouro. Douglas acabou ficando com o prêmio, o que não deixa de ser justo, pois seu personagem é mais complexo. Há momentos bem bizarros, como quando Liberace pede para que o seu amante, mas que ele também quer tratar como filho, faça um cirurgia plástica para ficar parecido com ele. E o sujeito faz! Aumenta o nariz e tal. O filme utiliza muito maquiagem e efeitos especiais para mostrar a passagem de tempo e o resultado das cirurgias que ambos fazem. É também um retrato decadente sobre a vida de um homem que faz o possível para manter-se sempre no glamour. Embora o ponto de vista seja do personagem de Damon, é o Liberace de Douglas que rouba sempre a cena.

PHIL SPECTOR 

Sabe aquele filme que você tenta ver várias vezes e não consegue seguir adiante, de tão tedioso? É o caso de PHIL SPECTOR (2013), do dramaturgo, roteirista, escritor e diretor David Mamet. Para um filme que tem Al Pacino e Helen Mirren e que lida com um momento conturbado na vida do produtor musical Phil Spector, o filme é tudo que menos se espera. Só melhora um pouco quando se aproxima do julgamento de Spector, que é acusado de ter assassinado uma garota em seu apartamento. Ele nega e diz que foi ela mesma que se matou. Helen Mirren, muito boa, aparece como advogada de defesa de Spector, um sujeito esquisito com seu modo de falar, suas perucas, seus pontos de vista. Pena que Pacino está bem ruinzinho. O ator não anda numa fase muito boa.

HEMINGWAY & MARTHA (Hemingway & Gellhorn) 

Confesso que só decidi ver este HEMINGWAY & MARTHA (2012, foto) a fim de completar uma trinca de telefilmes para o post. Acabou sendo o meu preferido dos três. O filme acompanha um momento bem interessante da vida do escritor americano Ernest Hemingway (Clive Owen), que é o tempo em que ele passou com uma outra escritora, Martha Gellhorn (Nicole Kidman). Ambos os astros estão muito bem nos papéis, por mais que se veja sempre as personificações de Hemingway quase sempre como um machão. Mas vai ver ele era assim mesmo. Ele começa o filme pegando um peixe enorme. Ele mata o bicho sem dó nem piedade. Sua então esposa, Pauline (Molly Parker), diz que ele mata todos esses bichos para não matar a si mesmo. Uma citação que já prevê o seu triste fim. Mas até lá ainda há muito chão pela frente, já que o foco do filme é a relação entre ele e a correspondente de guerra que fez a sua cabeça a ponto de ele abandonar Pauline para ficar com ela. O problema é que, assim como ele, Gellhorn era também viciada em adrenalina e adorava fazer cobertura de guerra, talvez para se sentir mais viva, em meio a tantas guerras. A guerra que é mais explorada no filme é a Guerra Civil Espanhola, que foi quando eles começaram pra valer o relacionamento. Philip Kaufman, diretor de filmes tão aclamados no passado, anda sumido, mas não perdeu a mão neste telefilme, que mistura imagens em cores e em preto e branco ou envelhecidas, a fim de dar um ar de documentário a determinadas cenas. O elenco de apoio é estelar e conta com David Strathairn, Rodrigo Santoro, Parker Posey, Tony Shalhoub, Peter Coyote, Joan Chen e até o baterista do Metallica, Lars Ulrich.

terça-feira, janeiro 28, 2014

AVANTI POPOLO


O cinema é um território de fantasmas. Por isso, não importa se a pessoa que está representada na tela está viva ou se já partiu. Morremos um pouco a cada dia, somos diferentes em cada dia. Mesmo assim, não deixa de ser uma alegria, ou pelo menos um alento, poder ver o nosso querido Carlão Reichenbach na telona, desta vez como um ator, não atrás das câmeras. Ele já havia aparecido em obras como O DESPERTAR DA BESTA, de José Mojica Marins, e gargalhando no cinema em O BANDIDO DA LUZ VERMELHA, de Rogério Sganzerla, entre outros papeis menores, mas agora é diferente. Agora é um papel de destaque, como protagonista.

Em AVANTI POPOLO (2013), de Michael Wahrmann, Carlão interpreta um senhor um tanto deprimido e solitário, cuja única companhia é sua cachorrinha de nome Baleia. Não sei se o nome foi escolha do Carlão ou do diretor, mas certamente é uma homenagem à famosa cadela criada por Graciliano Ramos. Sua solidão é atrapalhada pela chegada do filho, vivido por André Gatti, que quer mudar um pouco a rotina da casa, como, por exemplo, abrir a janela, coisa que o pai trata logo de desfazer. Gente velha é teimosa mesmo.

Mas o que AVANTI POPOLO tem de tristonho, tem também de engraçado. Há pelo menos dois momentos que se destacam: o taxista interpretado por Eduardo Valente, um sujeito que tem os hinos nacionais de quase todos os países em seu carro, e o sujeito que inventa o tal Dogma 2012, algo que contando não vai ter a mesma graça. É preciso ver.

AVANTI POPOLO é, definitivamente, um filme estranho. Mas isso faz parte de sua beleza. As tomadas em câmera parada na casa mostram um trabalho de mise-en-scène bem arquitetado, ainda que longe de ser tão inventivo. Mas há um belo trabalho de utilização do som e daquilo que não é mostrado na tela, coisa que era muito comum de se ver nos filmes de Robert Bresson.

Claro que Wahrmann não é nenhum Bresson, mas também ninguém espera isso dele. E nem sei se Bresson seria de fato uma de suas maiores influências. O filme, em seu ritmo cadenciado e suas tomadas longas, tem uma melancolia carregada pela saudade do pai, que espera por um filho há décadas, quando este partiu para a União Soviética. Assim, imagens da fase áurea do mundo soviético e velhos filmes caseiros em 8 mm são o que restou do filho ausente.

Quando AVANTI POPOLO termina, com aquela canção pegajosa, difícil não simpatizar com essa obra incomum, mas que vale demais ver. Até para saber que o nosso saudoso mestre e agitador cultural também era um ótimo ator.

O filme foi exibido numa mostra especial no Cinema do Dragão e, como não é uma obra que tem apelo comercial, foi muito bom poder aproveitar essa oportunidade que talvez não se repita. Pelo menos, não nos cinemas daqui.

segunda-feira, janeiro 27, 2014

BANHO DE SANGUE / O SEXO EM SUA FORMA MAIS VIOLENTA (Reazione a Catena / A Bay of Blood / Twitch of the Death Nerve)























Quem está acostumado com os lindos e sofisticados filmes que Mario Bava dirigiu nos anos 1960 poderá estranhar essa mudança para uma produção aparentemente tão vulgar quanto os filmes da série SEXTA-FEIRA 13. BANHO DE SANGUE (1971), ou, se preferirem, o título sensacionalista lançado nos cinemas brasileiros, O SEXO EM SUA FORMA MAIS SELVAGEM, foi, na verdade, precursor dos filmes de Jason e derivados, tendo algumas de suas cenas "reprisadas" em um de seus exemplares.

Acontece que, por mais que Bava tenha chutado o balde e dirigido algo do tipo, elegante como ele é, não poderia deixar de apresentar uma trama não tão simples quanto um “quem é o culpado?”, sem falar nos belos movimentos de câmera. Além do mais, sem querer, ele acabou entrando no espírito da época, numa década em que o vermelho-sangue ficaria marcado fortemente nos gialli, em especial de um sujeito chamado Dario Argento.

A trama começa com o assassinato de uma baronesa, dona de uma baía. Ela havia rejeitado a oferta da venda do lugar, para que fosse transformado em um resort de luxo. Acontece que não apenas a baronesa é morta, mas o sujeito que a matou também. Em seguida, somos apresentados aos demais personagens, todos suspeitos de terem estado na casa da baronesa naquela noite.

Além dos personagens que lidam com a trama envolvendo a mansão, entra em cena também um grupo de quatro jovens que chegam ao local apenas para se divertir. Uma das moças, inclusive, não perde tempo e trata de tomar banho nua no lago. Já se cria a expectativa, diante de tantos slashers e filmes do gênero que já vimos, de que ela será a primeira do grupo a ser assassinada.

Curiosamente, apesar desta cena de nudez, BANHO DE SANGUE até evita mostrar mais sequências do tipo. Há, por exemplo, uma cena com a namorada do corretor que poderia muito bem ter sido aproveitada nesse sentido. Sem falar que o próprio Bava, no sensacional PERIGO: DIABOLIK (1968), já tinha aproveitado bem a sensualidade e a nudez. O cinema italiano já estava bem resolvido e liberal em se tratando de nudez e cenas de sexo.

Ainda assim, Bava não tira muito o foco do que é o principal: a trama envolvendo as mortes, que se torna ainda mais interessante quando percebemos que se trata de um esquema de "cobra engolindo cobra". Não há heróis. E o final de BANHO DE SANGUE é ainda mais cético com relação à humanidade, já que até mesmo a inocência é contaminada.

domingo, janeiro 26, 2014

A GRANDE BELEZA (La Grande Bellezza)























Numa das primeiras sequências de A GRANDE BELEZA (2013), de Paolo Sorrentino, Jep Gambardella, personagem de Toni Servillo, uma espécie de colunista ou crítico de arte, assiste, junto com outros apreciadores de arte da alta sociedade, a um espetáculo em que uma mulher nua com um pano transparente na cabeça corre e se joga de cabeça em uma parede até sangrar. Em seguida, ela se levanta e grita uma frase de ódio e revolta. Mais tarde, Jep, durante entrevista com a tal artista, ela pergunta se ele gostou do espetáculo. Ele diz algo como: gostei de algumas partes. A da pancada na cabeça, por exemplo.

Pode-se dizer o mesmo de A GRANDE BELEZA, este que é certamente o filme mais incensado e famoso do diretor de AS CONSEQUÊNCIAS DO AMOR (2004) e AQUI É O MEU LUGAR (2011). Já ganhou o prêmio de melhor filme estrangeiro no Globo de Ouro e está entre os cinco concorrentes na mesma categoria no Oscar, com grandes chances de ganhar também. Além disso, há as inúmeras críticas positivas, mas, curiosamente, há também vários espectadores e críticos que consideram o filme intragável. Não estou em nenhuma das duas categorias, pois vejo tanto qualidades quanto problemas em A GRANDE BELEZA. O maior dos problemas talvez seja a duração, a falta de coragem de Sorrentino de cortar algumas cenas.

Uma coisa que notamos no cinema italiano recente, ou melhor, dos últimos vinte anos pelo menos, é o quanto ele deixou de ser aquele cinema grandioso que brilhou na década de 1960, quando se poderia dizer que se tratava da maior e melhor cinematografia do mundo. Não apenas por Fellini, Antonioni, Pasolini e Visconti, mas também pelo excepcional cinema de gênero que era produzido na “terra da bota”. Hoje, temos que nos contentar com esse cinema menor.

Em A GRANDE BELEZA, Sorrentino nos apresenta a um grupo de pessoas de cinquenta anos pra cima que ainda vive a vida como uma festa que nunca termina. O próprio protagonista, Jeb, é um solteirão que ainda pensa no amor da juventude. E esse amor volta mais fortemente ao seu pensamento quando ele fica sabendo de sua morte, contada pelo homem que se casou com ela e que lhe confessa que era ele, Jeb, quem ela sempre amou.

Jeb é um homem cínico com a vida, apesar de usufruir dos prazeres imediatistas, como o sexo, a bebida e as festas. Ele é mais ou menos como o personagem de Marcello Mastroianni em A DOCE VIDA, de Fellini. Só que ainda mais amargo, já que está com 65 anos e sabe que não basta apenas beleza para agradá-lo. Ele passa a ficar interessado por uma stripper cinquentona, filha de um amigo. Ramona (Sabrina Ferilli) é o que ele encontra de mais próximo de uma namorada perfeita naquele momento.

A decadência é um elemento constante no filme. Roma é uma cidade antiga que é vendida aos turistas por suas ruínas, sua arquitetura de vários séculos e pela religião, o Catolicismo, que é representado na figura de uma mulher que é tida como santa e parece uma múmia na mesa de jantar e um cardeal que só quer falar de receitas culinárias. Respostas para as dúvidas existenciais de Jeb o cardeal não tem.

A GRANDE BELEZA também oferece momentos interessantes acerca da arte. O próprio diretor, ele mesmo tendo suas qualidades fílmicas questionadas com frequência por parte da crítica, e que brinca com isso ao final, oferece pelo menos duas cenas em que se pode tanto criticar a alta sociedade consumidora de arte, quanto trazer à tona reflexões sobre o que é arte. O que não quer dizer que o filme esteja, com isso, isento de seus próprios problemas.

Com relação à projeção do filme oferecida em Fortaleza, os excessos da festa de aniversário de Jeb que iniciam a narrativa e remetem a Fellini, assim como a suntuosidade dos edifícios e da geografia da cidade, acabam sendo prejudicados pela cópia ruim em digital Auwe, disponibilizada pela Europa Filmes. Além de afetar a qualidade da imagem, ela ainda mutila o filme, originalmente em scope. Uma pena que a essa altura da transição do celuloide para o digital ainda tenhamos que conviver com esse tipo de projeção desrespeitosa.

sábado, janeiro 25, 2014

O HERDEIRO DO DIABO (Devil's Due)























No futuro, ao estudarmos a história dos filmes de horror dos anos 2000-2010, lembraremos de uma turminha de diretores que, herdeiros de A BRUXA DE BLAIR, que por sua vez é herdeiro de CANNIBAL HOLOCAUST, aproveitou a possibilidade de se filmar barato e obter excelentes resultados financeiros, através do recurso da câmera na mão ou colocada como câmera de vigilância, a fim de dar um ar de verdade. O exemplar mais famoso atualmente é o da franquia ATIVIDADE PARANORMAL, que rendeu quatro filmes e dois spin-offs.

Alguns exemplares recentes: FILHA DO MAL, [REC] e seu remake QUARENTENA, DIÁRIO DOS MORTOS, CLOVERFIELD – MONSTRO, PODER SEM LIMITES, REDACTED, O ÚLTIMO EXORCISMO e tantos outros. Nota-se que há filmes de outros gêneros também, embora o cinema de horror seja o que mais tem se beneficiado desse estilo. Muito provavelmente já existem estudos mais aprofundados sobre esse tipo de filme, mas acredito que o recurso ainda não se esgotou.

O HERDEIRO DO DIABO (2014), de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, é o mais novo exemplar. E não é um filme ruim, não apela para sustos baratos e manjados, tem um andamento narrativo razoável e é até redondinho. Mas tudo aquilo que é mostrado no filme já foi visto em vários outros que lidaram com mulheres engravidando do demônio, tendo O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski, o exemplo mais nobre.

Comparar os dois filmes, então, é até covardia. Por isso, falemos dos aspectos positivos e negativos de O HERDEIRO DO DIABO. A trama é bem contada através da câmera na mão do protagonista e depois com as câmeras de vigilância implantadas na casa e até a elipse do que não aparece durante a sinistra festa da última noite de lua-de-mel em Santo Domingo, na República Dominicana, é inteligente.

Na trama, depois de ter engravidado em circunstâncias misteriosas, Samantha McColl, vivida pela bela Allison Miller, da série TERRA NOVA e que em alguns momentos me lembrou a adorável Natalie Wood, passa a agir de maneira estranha. Adquire super-força, começa a gostar de comer carne crua, fica inimiga dos padres etc. Enquanto isso, o marido Zach, vivido por Zach Gilford, da série FRIDAY NIGHT LIGHTS, fica cada vez mais preocupado. E as coisas só tendem a piorar, como é de se esperar.

O problema é que o andamento e o final mais agitado e sangrento já é algo a se esperar. Então, pra quem já está acostumado a esse tipo de filme e estrutura, pode ficar um tanto previsível. E, assim, é sair do cinema com aquela sensação de ter visto um filme para ser esquecido e que, ainda por cima, não teve a habilidade de construir uma atmosfera de horror suficientemente forte ou interessante.

sexta-feira, janeiro 24, 2014

AMOR BANDIDO (Mud)























Que filme lindo este AMOR BANDIDO (2012). Que, aliás, merecia um título brasileiro mais decente. De todo modo, o que importa é o filme e não o que nomeiam por aqui. E o terceiro trabalho de Jeff Nichols só mostra o quanto este cineasta tem evoluído desde SHOTGUN STORIES (2007), sobre uma briga entre famílias de irmãos, e o aclamado O ABRIGO (2011), que flerta com o cinema fantástico. O elemento em comum entre os três filmes é o homem e a natureza. Todos se passam em regiões do interior dos Estados Unidos, nunca em cidades. No caso de AMOR BANDIDO, o lugar é situado no Arkansas, estado-natal do diretor.

Por mais que Matthew McConaughey esteja em uma fase espetacular e este filme seja mais uma prova disso, AMOR BANDIDO não seria o que é sem a presença dos dois garotos que entram em contato com seu personagem, o misterioso Mud, um homem que está vivendo numa ilha do outro lado do Rio Mississipi, perto de onde eles moram. Os meninos, Ellis (Tye Sheridan) e Neckbone (Jacob Lofland), encontram um barco preso em uma árvore, mas logo descobrem que alguém está morando no barco. No caso, Mud. O sujeito se mostra amigável, apesar da arma que carrega consigo.

Dos dois meninos, o que mais dá um show no filme é Ellis. E o filme é principalmente sobre sua visão de mundo, da perda da inocência. Ao acreditar que pode ajudar o foragido da polícia Mud a encontrar sua cara-metade Juniper (Reese Whitherspoon) e fazer com que os dois fiquem juntos novamente, Ellis tem fé no amor. Do mesmo jeito que também acredita que a garota por quem está apaixonado é sua namorada, mesmo tendo estado com ela apenas uma vez e ela ser mais velha que ele.

Quem foi garoto e nunca passou por situação similar, de se apaixonar por uma garota ou mesmo por uma mulher mais velha? Logo, é fácil se colocar nos sapatos de Ellis. E uma vez que fazemos isso, torna-se doloroso vê-lo conhecendo o desencanto, quando encontra Juniper com outro cara. Aquela cena é como uma facada no peito, que é posteriormente passada para o peito de Mud. Mesmo sendo homem feito e tendo passado por situações semelhantes na vida, inclusive com a mesma mulher, ainda sofre, pois é um sonhador.

Toda essa situação de perigo dos garotos, de terem apenas 14 anos e já se mostrarem corajosos diante de tudo que a vida traz, de experimentar o amor e a dor, é a alma do filme. Mas a geografia também faz a sua parte. Se fosse um filme urbano raramente teria a mesma força. Todo aquele ambiente fora do comum, com os barcos, pessoas vivendo de ferro-velho, casas à beira do rio etc., é essencial para que as questões humanas se confundam com a natureza selvagem.

Michael Shannon, o protagonista dos dois primeiros trabalhos de Nichols e que também marcará presença no próximo, aparece aqui apenas como coadjuvante. Ele é o tio de um dos garotos. Um tio que age com amor com o menino. Aliás, as questões familiares também são importantes para o filme. Tanto em relação a Mud e Tom (o personagem de Sam Shepard), quanto com relação à família dos garotos e a família do homem que foi assassinado por Mud. Esse elemento familiar já se manifestava fortemente em SHOTGUN STORIES e em AMOR BANDIDO é parte importante da trama. É, certamente, o filme mais emotivo e afetivo de Nichols até o momento. E vejo isso como um elogio.

quinta-feira, janeiro 23, 2014

PITTY – {DES}CONCERTO AO VIVO – 06-07-07























Parece que foi ontem que eu vi o primeiro videoclipe da Pitty na MTV. Nem lembrava mais que ainda nos anos 2000 eu tinha o hábito de ver clipes. Foi quando estreou “Máscara”, faixa de trabalho do primeiro álbum da cantora, ADMIRÁVEL CHIP NOVO (2003). Na hora eu achei aquilo tudo muito ruim. Aquele gorila horrível no clipe, a dança e a própria "lição" da letra, de que devemos ser nós mesmos, independentemente de as pessoas nos acharem bizarros, na hora me pareceu óbvia e simplificadora. Impressionante que passados tantos anos eu tenha uma impressão tão distinta desta faixa e da cantora em si, que se tornou uma das minhas preferidas nessa fase em que o rock ficou menos popular nas rádios, a partir dos anos 2000.

Ontem, minha mãe encontrou este DVD que acredito que seja de minha irmã meio que jogado pelos cantos. Tinha alguns arranhões, mas eu fiquei feliz de tê-lo encontrado, ainda que seja um DVD lançado em 2007. Mas, como música boa não perde a validade, vi o show hoje à tarde com muito entusiasmo. O repertório ainda é apenas dos dois primeiros discos, mas já é o suficiente para se fazer um puta show. E foi o que vi. O DVD vem com legendas para se cantar junto e opção de áudio em DTS.

Cheia de charme, beleza, vestida de preto como sempre, Pitty chega com sua banda logo com um sonzão pesado, porrada, ainda que pop. A primeira faixa tocada é "Admirável Chip Novo", não apenas uma alusão ao romance de Aldous Huxley, mas à canção "Admirável Gado Novo", de Zé Ramalho, numa crítica a um modelo de sociedade que deve sempre obedecer às regras impostas pelos poderosos.

"Semana que vem" traz um tema mais comum entre outros artistas, que é o fato de não se deixar nada para depois, pois o futuro pode não existir. "Déjà Vu", por sua vez, é mais profunda, lidando com a questão do sentimento de vazio espiritual, mas ao mesmo tempo uma recusa de buscar opções espirituais convencionais. É, pela pegada, uma canção sobre dor, sobre desacreditar de tudo que não seja palpável.

Em “Brinquedo Torto”, a Pitty empunha a guitarra com o riff que abre a canção, pesada e gostosa. Em “Memórias”, há a questão do desapego com o passado e uma busca por algo próprio, ainda que seja matando seus heróis. A vontade de se perder por aí não deixa de ser contagiante e encontra ecos no espírito juvenil.

Curiosamente, Pitty tem relativamente poucas canções de amor, mas quando ela faz, acerta em cheio. "Na Estante", na verdade, é uma canção de fim de relação. Mas nada de choradeira. Ela mostra uma visão de que o amor que ela sente pelo sujeito é uma espécie de droga, mas que "essa abstinência uma hora vai passar".

"De você" remete a "A Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)", dO Rappa. Também critica as prisões que a própria sociedade cria para si mesmas, mas completa que o nosso maior vilão somos nós mesmos. "No escuro" é deliciosa, com o riff inicial que remete a "Rape Me", do Nirvana. É uma faixa poderosa que celebra e glorifica a noite. Adoro a parte gritada da música. Pitty se deita no palco enquanto canta, nesse momento, como se nunca estivesse tão à vontade.

"Equalize", a canção que fez com que eu me rendesse ao talento da moça e que eu costumava ouvir no ônibus pelos idos de 2003 e 2004, é talvez a mais bela canção de amor que ela fez até hoje. Transformar o amado na canção, a fim de eternizá-lo, remete até mesmo aos sonetos de Shakespeare, embora eu duvide que ela tenha pensado nisso.

"Pulsos" é uma canção nova que creio que não entrou em nenhum álbum de estúdio. É relativamente otimista, mas fala, claramente, de suicídio. Dá pra fazer relação com "Essa noite não", do Lobão, embora seja bem menos mórbida. Depois do blues pesado "Ignorin'u", cantada em inglês e com um lindo solo de guitarra, vem outras bem mais agitadas: "A Saideira", "I Wanna Be" e o punk rock pesado "Seu Mestre Mandou" (mais uma canção sobre desobediência civil).

A banda fecha com "Máscara", o primeiro hit, tocada com muita energia. Difícil não ficar satisfeito. Deu vontade de conhecer o mais recente DVD ao vivo deles. Deve ser bem interessante, já que também gosto do terceiro álbum.

terça-feira, janeiro 21, 2014

MUITA CALMA NESSA HORA 2























Definitivamente, MUITA CALMA NESSA HORA 2 (2014) não é um filme para priorizar a ida ao cinema, mas também não é tão feio como alguns pintam. Querendo ou não, criamos, a partir de uma longa lista de filmes horrorosos, claro, um preconceito com as novas comédias brasileiras, as que contam com o apoio da Globo Filmes. Mas, o primeiro filme, de 2010, é sim um dos exemplares mais divertidos da safra recente.

A continuação aproveita a popularidade e a simpatia do primeiro filme para trazer de volta as quatro amigas, que agora se encontram no Rio de Janeiro em um festival de rock. Bom, o festival é de rock, mas tinha que ter também show do Chiclete com Banana, para fazer piada com o personagem chicleteiro de Lúcio Mauro Filho, que tem um timing para comédia muito bom, como comprovou em VAI QUE DÁ CERTO. Seu papel em MUITA CALMA NESSA HORA 2 é muito pequeno, mas bem divertido. Marcelo Adnet, por outro lado, está mais presente, e reprisa uma cena engraçada do primeiro filme. Afinal, fazer comédia também lida com repetição.

Quanto às quatro amigas, nem todas recebem subtramas interessantes. A mais bela, mas não necessariamente a mais valorizada pela beleza, a morena mignon Andréia Horta, acaba não ganhando uma trama interessante, servindo mais de escada para as demais, por mais que seu nome seja o primeiro dos créditos e ela apareça bastante. Quem assistiu a minissérie ALICE, da HBO, certamente não esqueceu mais desta moça, que infelizmente não tem feito muito cinema.

Já Gianne Albertoni é vendida como a mais bela das quatro. Até por ser mais alta e mais vistosa. A subtrama dela é interessante, pois lida com um grupo que brinca com o Los Hermanos, que no filme são quatro barbudos chamados de Los Cunhados. Convenhamos que não chega a ser um humor fino, mas a brincadeira com a banda carioca, até por mostrá-los simpáticos e afáveis, não chega a ofender e rende alguns momentos divertidos.

Menos sorte tem a loirinha Fernanda Souza que ganha uma subtrama bem ruim, envolvendo uma mulher que prevê seu futuro (Heloísa Périssé) e diz que, em vez de um namorado, vê para ela uma tal Maria, o que faz com que a moça fique logo cismada com a possibilidade de se apaixonar por outra mulher.

Já a subtrama envolvendo Débora Lamm é uma das melhores do filme. Seu pai argentino (que fala um portunhol fajuto) está montando um hotel, já contando com a herança que ele supostamente receberá da avó da garota. O problema é que Estrela, a personagem de Débora, chega apenas com uma samambaia num vaso como herança. A plantinha que ela leva para todos os lugares foi também sua marca registrada no primeiro filme, que brinca bem mais com cenas envolvendo maconha.

MUITA CALMA NESSA HORA 2 é bem mais careta, nesse sentido, certamente para diminuir a classificação indicativa e aproveitar a boa popularidade do primeiro filme entre a plateia mais jovem a fim de faturar muito mais. Por enquanto é o filme brasileiro que, junto com CONFISSÕES DE ADOLESCENTE – O FILME, tem mais chances de capitalizar bem nas bilheterias neste início de ano. O cinema brasileiro mais comercial, esse das comédias, anda tão popular que briga sem problemas com as produções hollywoodianas. Para o bem e para o mal.

segunda-feira, janeiro 20, 2014

ALABAMA MONROE (The Broken Circle Breakdown)























Um dos mais belos filmes dos últimos anos, ALABAMA MONROE (2012), de Felix Van Groeningen, é uma história de amor narrada com uma edição brilhante. O pequeno quebra-cabeças de idas e vindas no tempo não se constitui em nenhum empecilho para que o racional se sobreponha ao emocional. Antes de mais nada, o amor, seja dos próprios protagonistas, seja o amor pela música country americana, mais exatamente o bluegrass, o mais belo exemplar de música, conforme explica Didier (Johan Heldenbergh) à mulher que se tornaria sua alma gêmea, Elise (Veerle Baetens), é um elemento que faz com que o filme seja acompanhado mais pelo coração.

Os dois não poderiam ser mais diferentes. Ela, uma mulher moderna, com o corpo cheio de tatuagens e dona de uma loja que pratica a pintura no corpo. Ainda por cima, uma crente, no sentido de crer não somente em Deus mas naquilo que ela julga ser válido e até poético. Ele, por outro lado, é um homem apegado às raízes, tanto que seu estilo de música favorito e que ele exerce cantando e tocando com seus amigos em um bar é música de raiz de um país que ele adora. De tão enraizado com a Terra (ele cuida de um sítio cercado de animais), não acredita em Deus nem em nada que não seja material. Não deixa de ser memorável o discurso raivoso que ele pronuncia, perto do final do filme, sobre os inúmeros defeitos de Jeová no Antigo Testamento e a culpa da religião pelo atraso científico.

Essas duas visões extremas da vida em figuras tão distintas funcionam muito bem quando eles se conhecem e se apaixonam. No entanto, logo que o filme começa, já sabemos que os dois estão/estarão enfrentando uma barra pesadíssima, com a grave doença de sua filha de seis anos, Maybelle. O filme, com essa estrutura de idas e vindas no tempo, vai nos mostrando o mel e o fel do relacionamento. Como eles dizem no casamento: na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. O problema é que passar pelo pior da vida com sobriedade não é para todos. E a doença da criança desestabiliza o relacionamento dos dois.

Entre uma situação e outra, vemos cenas belíssimas das apresentações do grupo de bluegrass de Didier, que fica ainda mais bonito quando Elise passa a fazer parte, com sua doce voz. Algumas cenas são particularmente tocantes, como a que eles cantam uma canção religiosa. Elise, com um ar de quem está se apegando cada vez mais à sua espiritualidade. Didier, por outro lado, só quer que a relação dos dois volte ao que era antes. E ao voltarmos frequentemente no tempo e ver a alegria e o entusiasmo, inclusive sensual, do início do relacionamento, não dá para não torcer pelos dois novamente.

ALABAMA MONROE é um filme em que temas grandes com o amor, a fé, a vida e a morte são explorados de maneira muito sensível. Algumas pessoas podem ficar incomodadas com o citado discurso antirreligioso de Didier, incentivado pelo veto do Presidente George W. Bush aos estudos em células-tronco, algo que poderia diminuir ou mesmo extirpar o câncer na medula óssea. E difícil não dar razão a Didier, mas o filme também não compra essa postura do personagem para si totalmente. É a junção dos dois pontos de vista que interessa.

Talvez falte ao filme mais momentos que equilibrem a tristeza. Mesmo as cenas em que os personagens estão felizes raramente arrancam sorrisos da plateia. Mas isso, obviamente, porque já sabemos de um futuro não muito feliz que os aguarda. O que não impede que o clima do filme não seja aceito com prazer pela audiência, que sai do cinema um tanto transtornada, depois de olhar por alguns minutos os créditos finais subindo, ao som de mais um belo bluegrass.

ALABAMA MONROE fez um sucesso incrível na Bélgica e sua trilha sonora foi mais vendida do que a trilha do TITANIC. As canções são todas interpretadas pelos próprios atores, o que só aumenta o nosso respeito por esse filme singular que está concorrendo ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

domingo, janeiro 19, 2014

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL























"A leitura pelo mero amor da leitura é alguma coisa de incompreensível, inaceitável, para um mundo cujo caráter principal é marcado por interesses práticos." (Áurea) 

Esta frase dita em EDUCAÇÃO SENTIMENTAL (2013) pode sintetizar não apenas o mais recente filme de Julio Bressane, mas quase toda sua obra. O mais erudito de nossos cineastas continua despejando em seus filmes a necessidade de se apegar ao passado, à História, às artes para que possamos nos encher de saber e alimentar nossa alma. Se em A ERVA DO RATO (2008) já víamos/ouvíamos o personagem de Selton Mello declamando pequenos trechos curiosos do passado, pelo menos metade de EDUCAÇÃO SENTIMENTAL é composta disso.

O problema é que o filme chega ao limite do irritante ao mostrar a personagem Áurea (Josi Antello), a professora que encanta o jovem Áureo (Bernardo Marinho) com pequenas pílulas do saber. Isso porque o modo como ela fala é por demais debochado, desagradável. A atriz acaba funcionando muito bem nas sequências mais estranhas e surrealistas do filme, quando encarna algo como uma serpente em sua dança e suas caretas (que lembra, inevitavelmente, David Lynch). Cheguei a pensar na serpente e a árvore do conhecimento do livro de Gênesis como possíveis inspirações, mas pode ter sido mera viagem minha.

Mas talvez nem seja tanta viagem assim, já que pelo menos um personagem da Bíblia é citado no filme: Jacó. Segundo Áurea, a alma sensível é como a escada de Jacó: quer o saber. No livro de Gênesis, essa escada aparece num sonho do personagem, em que ele vê uma escada que liga a Terra ao Céu, fazendo com que os anjos pudessem trafegar continuamente entre essas duas esferas.

EDUCAÇÃO SENTIMENTAL já começa com um estranhamento na escolha de rejeitar o campo/contracampo de maneira original. Áurea e Áureo conversam no mesmo quadro, mas sem que um olhe para o outro. Pelo menos a nosso ver. Isso, logo após sermos convidados para momentos de contemplação, como uma maneira de aquietar a alma. Ou torná-la ainda mais inquieta. Como estava vendo o filme pela segunda vez, confesso que fiquei inquieto e irritado.

Irritado principalmente nas passagens em que Áurea comenta coisas tão didáticas que estragam o mistério de Bressane, como a citação aos poetas românticos, algo que é estudado no ensino médio. A apresentação da película como futuro objeto de museu também não se constitui em nenhuma novidade. Além do mais, outras passagens, como a apresentação de porcelanas francesas do século XVIII, por mais que tenham uma significação oculta interessante, é outro momento irritante.

A fala teatral, anti-naturalista, professoral, tão agradável em outros trabalhos do diretor, acaba aparecendo por demais afetada em EDUCAÇÃO SENTIMENTAL. No entanto, a julgar pelas sequências finais, que saem do universo estranho da narrativa para a realidade do set de filmagem, ao mostrar o prazer com que Bressane diz que tudo ficou ótimo, é de se imaginar que cada tomada foi muito bem pensada e que ficou do jeito que o diretor queria. E isso é louvável nos dias de hoje: vermos um cineasta fazendo o que bem entende em sua arte de vanguarda. Ainda assim, desejo melhor sorte no próximo filme.

sábado, janeiro 18, 2014

AMOR, PALAVRA PROSTITUTA























Impressionante como um filme que é vendido por suas cenas de sexo consegue ser um trabalho cujo sexo acaba ficando em segundo plano, diante das angústias de seus quatro personagens. AMOR, PALAVRA PROSTITUTA (1981) foi o primeiro filme de Carlos Reichenbach a sair do anarquismo alegre de obras como A ILHA DOS PRAZERES PROIBIDOS (1979) e IMPÉRIO DO DESEJO (1980) para adentrar o realismo e o desencanto com a vida e com as relações.

É também um dos trabalhos mais vigorosos de Carlão. Visto hoje por plateias pouco acostumadas com a dramaturgia da Boca do Lixo, pode parecer um pouco vulgar, mas, ao contrário, é uma obra extremamente sofisticada. Os palavrões e a sede de sexo dos personagens faziam parte do contexto daquela época e só se constituem problemas para um público mais conservador.

AMOR, PALAVRA PROSTITUTA tem uma estrutura em seis capítulos, sendo o primeiro, a introdução dos personagens, e o último, o destino final. Os capítulos principais levam o nome dos referidos personagens: Fernando (Orlando Parolini), Luís Carlos (Roberto Miranda), Rita (Patrícia Scalvi) e Lilita (Alvamar Taddei).

Dessa forma, Carlão nos oferece a chance de ver a história pelos quatro ângulos, por mais que tenhamos a tendência a considerar Luís Carlos o menos digno por ser tão cafajeste e egoísta. Mas ele é o espelho da maioria de nós, homens. Então, não dá para fugir tanto assim. Logo, quem nunca foi um pouco Luís Carlos que atire a primeira pedra.

Como Carlão teve o hábito de dividir seus filmes entre obras masculinas e femininas, AMOR, PALAVRA PROSTITUTA é talvez o único de seus trabalhos que consegue ser as duas coisas juntas, justamente por ter essa estrutura que mostra os pontos de vista dos dois homens e das duas mulheres da história. Segundo o diretor, o filme foi feito inspirado na leitura de filósofos pré-existencialistas, como Sören Kierkegaard ("O Tratado do Desespero"), e por isso as cenas de sexo se confundem com a amargura dos personagens. Isso se reflete, por exemplo, na cena em que Rita, desencantada com o descaso de Fernando, pede a um namorado de sua amiga para transar com ela.

E essa atmosfera sombria, se já presente nos capítulos dos dois homens, ganha tintas mais pesadas nas histórias das mulheres, especialmente de Lilita, que acaba tendo que fazer um aborto. Não por vontade própria, mas por "sugestão" de Luís Carlos, que não quer sujar o seu nome na praça e estragar suas possibilidades de futuro (ele tem saído também com a filha do chefe). Já é de se esperar que aquele aborto tornará o filme mais lúgubre.

Mas não apenas isso. As consequências do ato terrível de Luís Carlos desembocarão também em Fernando e fará com que vejamos uma das cenas mais lindas da filmografia de Carlão: a de quando Fernando cuida de Lilita, em especial a tão poética cena do banho.

Se Carlão já mostrou em outras obras, como ANJOS DO ARRABALDE (1987), GAROTAS DO ABC (2003) e FALSA LOURA (2007), sua solidariedade para com as mulheres, temos em AMOR, PALAVRA PROSTITUTA mais um exemplar digno de nota. O próprio título do filme é um dos mais felizes da obra reichenbachiana, denotando pessimismo e desencanto ao maior dos sentimentos.

sexta-feira, janeiro 17, 2014

DE REPENTE PAI (Delivery Man)























Os olheiros de Hollywood continuam fazendo seu inteligente trabalho de pescar bons ou potenciais filmes estrangeiros para que se transformem em eficientes remakes. E muitas vezes usando o mesmo diretor. É o caso de Ken Scott, que dirigiu no Canadá MEUS 533 FILHOS (2011), um filme que não teve tanta repercussão no Brasil, mas a ideia em si era muito boa para que não fosse aproveitada num "filme-família" americano.

Assim nasceu DE REPENTE PAI (2013), com o mesmo diretor do original, obviamente com a mesma premissa e, felizmente, com um bom e leve timing cômico, aproveitando o talento de Vince Vaughn. Produzido pela Dreamworks e distribuído pela Disney, é um filme leve que inclusive evita termos chulos relacionados à masturbação, assunto que não dá para fugir totalmente, já que é a razão de ser de o protagonista ter 533 filhos biológicos, sendo que 142 deles, já com seus 20 anos de idade, entraram na justiça a fim de descobrir a identidade do pai, protegida por cláusulas de anonimato.

Recentemente um filme bem mais interessante tratou de tema similar (o da necessidade que os jovens sentem de saber quem é o pai biológico, o doador do esperma): MINHAS MÃES E MEU PAI, de Lisa Cholodenko. Mas a situação aqui é diferente. Como o protagonista, David, recebe uma ficha com os 142 filhos biológicos, ele resolve conhecer alguns deles, e de certa forma os ajuda, como se fosse um anjo da guarda. E o grande barato do filme é que ficamos felizes sempre que ele consegue ser útil àqueles jovens. Em especial a garota com problemas com drogas e o rapaz que tenta a carreira de ator.

Isso porque David é um sujeito conhecido por ser incompetente. Não consegue fazer o seu trabalho direito e só não é demitido porque trabalha com os irmãos num açougue do pai. Além do mais, a namorada, vivida pela belíssima Cobie Smulders (a Maria Hill de OS VINGADORES), cobra dele uma posição mais responsável, madura e presente. Ainda mais quando ela descobre que está grávida.

DE REPENTE PAI é um desses filmes que têm a intenção de fazer com que o espectador saia do cinema feliz. É uma celebração do ato de ser pai, por mais que não seja uma tarefa fácil, como bem demonstra o amigo e advogado de defesa de David, Brett (Chris Pratt), que cuida sozinho de quatro crianças.

Em DE REPENTE PAI, os filhos são vistos como uma extensão da vida do pai e sempre motivo de alegria. Ken Scott até poderia ter feito um filme lacrimoso, especialmente quando mostra um dos filhos de David, que nasceu deficiente, mas há, claramente, a intenção de alegrar. Não dá para dizer que ele não consegue. 

quinta-feira, janeiro 16, 2014

UM JOGO BRUTAL (Un Jeu Brutal)























Meu contato inicial com a obra de Jean-Claude Brisseau foi com três filmes que lidam com o erotismo de uma maneira extremamente bela: COISAS SECRETAS (2002), OS ANJOS EXTERMINADORES (2006) e À AVENTURA (2008). Filmes deliciosos que tanto agradam os olhos e os instintos mais primitivos como também são convites a um universo espiritual. Retomar a apreciação de seus filmes por um de seus primeiros trabalhos, UM JOGO BRUTAL (1983), é um baque e tanto. Parece ser obra de outro diretor, parecido até com Michael Haneke e seu sadismo.

Em UM JOGO BRUTAL, temos dois protagonistas: um pai que é um serial killer e uma adolescente deficiente física. O pai se vê obrigado a educar a garota, que se mostra extremamente rebelde e acostumada a ser dependente. O pai quer impor disciplina à vida da moça, à força e de maneira brutal. Caso ela desacate sua autoridade, ficará trancada no quarto sem direito nem mesmo a comer.

Aos poucos, e com a entrada em cena de uma professora, a garota vai começando a se acostumar com a disciplina. Mas o que muda mesmo sua visão de mundo é quando ela se apaixona pelo irmão de sua professora. A garota conhece, então, o que é o amor e depois o que é a dor de perder alguém por quem esteve apaixonada. Isso faz com que ela tenha uma percepção da vida mais otimista.

Enquanto isso, o pai continua perseguindo um grupo de adolescentes e matando-os um a um. O filme, curiosamente, não mostra as cenas de violência de forma gráfica. Algumas vezes, as mortes são tão discretas que só mesmo prestando bastante atenção. O peso do enredo acaba sendo em torno da garota e de seu relacionamento com o pai e com aqueles poucos que a cercam.

Ainda assim, há algo que lembra bastante o Brisseau de À AVENTURA, especialmente perto do final. Não deixa de ser também uma espécie de conto moral, mas narrado de uma maneira toda própria. Brisseau examina o lado mais perverso do homem (do pai e da filha) quanto sua redenção. Para o diretor, como a vida não acaba no plano material, o misterioso plano espiritual é também explorado, ainda que de maneira mais discreta do que em À AVENTURA.

quarta-feira, janeiro 15, 2014

STEEKSPEL























Impressionante a falta que Paul Verhoeven faz. Pelo menos, para não dizer que o holandês maluco está definitivamente aposentado, ele nos dá o prazer de conferir um média-metragem delicioso que está passando batido por falta de divulgação. STEEKSPEL (2012) é o nome do filme e é uma comédia apimentada sobre um pai de família que costuma pular a cerca com frequência e se vê metido em encrencas. Atualmente está tendo um caso com a melhor amiga da filha. A moça que interpreta a jovem amante se chama Gaite Jansen e é mais um exemplo do bom gosto do diretor no que se refere a mulheres.

STEEKSPEL tem cara de telefilme, provavelmente por causa do orçamento pequeno, das locações basicamente em interiores e da trama que poderia muito bem se passar em um palco. Mas não se trata de uma adaptação de uma peça de teatro. O roteiro é original e Verhoeven é um dos três redatores.

Na trama, durante seu aniversário de 50 anos, o empresário Remco (Peter Block, presente no elenco de A ESPIÃ, 2006) se vê em complicações quando uma ex-amante aparece grávida e a nova amante, a melhor amiga da filha, também está por perto para deixá-lo ainda mais nervoso, já que a esposa está de olho nele. Toda essa situação no aniversário de Remco é divertidíssima, pois envolve outros personagens também, tudo muito bem coreografado pelo diretor.

O legal é que, mesmo depois de passada a sequência do aniversário, o filme ainda se sustenta muito bem, tornando-se uma dessas comédias de erros herdeiras de Shakespeare, que por sua vez já fazia comédias herdadas de outros dramaturgos e dos gregos. Até hoje isso funciona muito bem. E no caso de Verhoeven, ainda temos o prazer de ver desfilando as beldades (com ou sem roupa) que ele faz questão de colocar em seus trabalhos. Definitivamente, o cinema precisa de mais Verhoeven.

terça-feira, janeiro 14, 2014

ATIVIDADE PARANORMAL – MARCADOS PELO MAL (Paranormal Activity – The Marked Ones)























E a franquia ATIVIDADE PARANORMAL começa a mostrar sinais de cansaço. Aliás, já dava para notar em ATIVIDADE PARANORMAL 4 (2012), que não chega a ser nada memorável. O terceiro filme segue sendo o melhor, pela inventividade do enredo e pela capacidade de criar sustos fugindo um pouco do convencional nesse tipo de filme de horror (casa assombrada, uso de found footage).

O que diferencia este ATIVIDADE PARANORMAL – MARCADOS PELO MAL (2014), que é mais um spin-off da franquia do que uma sequência, é o fato de não ser exatamente um filme de casa assombrada. Até há alguns acontecimentos envolvendo casas, mas o enredo se destaca mesmo pelo ponto de vista do rapaz que é amaldiçoado e que, curiosamente, adquire superpoderes.

Se pensarmos na força de Katie (onipresente em todos os filmes da franquia), quando foi possuída por um demônio e atirou o marido para muito longe com muita facilidade, é possível estabelecer vínculos com essa superforça que o protagonista Jesse (Andrew Jacobs) adquire. O novo filme também se distingue por se passar em um bairro latino dos Estados Unidos, com gente falando espanhol com frequência, especialmente os personagens mais velhos.

O problema é que a história é uma confusão dos diabos. E nem me refiro aqui ao capeta, pois ele parece até distante. O nível de confusão do filme é tanto que seu ápice, envolvendo homens armados atacados por bruxas, chega a levar a plateia às gargalhadas. Uma curiosa reação, como se o público tivesse percebido que ali se tratava de uma tranqueira barata com uma história mal cuidada.

Todos esses filmes são bem baratos e rendem bastante nas bilheterias. Com o custo baixo, a Paramount não tem nada a perder com os lançamentos. O problema é que essas falhas podem espantar a clientela. Muito provavelmente, o público vai diminuir até ficar cansado da franquia. O que é natural.

Porém, os criadores são espertos ao fazerem links com os demais filmes. Assim como aconteceu com SOBRENATURAL – CAPÍTULO 2, que remeteu ao primeiro filme através de um recurso criativo, o melhor de ATIVIDADE PARANORMAL – MARCADOS PELO MAL é o fato de fazer ligações, inclusive, com uma cena do primeiro filme, mesmo se passando alguns anos após os eventos na casa de Katie. Ainda assim, é muito pouco e até um tanto confuso o que acontece, mas não deixa de ser um convite para que os espectadores voltem aos filmes anteriores a fim de dirimir as dúvidas. Resta saber se alguém vai ficar realmente interessado no convite.

O filme estreou na sala 8 do UCI Iguatemi, que reabriu depois de passar por reformas para se tornar uma sala IMAX. Ver o filme lá oferece a chance de conferir a telona gigante e a ótima qualidade dos novos equipamentos digitais instalados.

segunda-feira, janeiro 13, 2014

GLOBO DE OURO 2014























A festa do Globo de Ouro acaba sendo mais divertida do que a do Oscar porque é menos cheia de formalidades e os astros, estrelas e diretores ficam tomando champanhe e bem mais à vontade para tornar o evento mais divertido. É também uma cerimônia mais dinâmica, em que os prêmios são apresentados tão rapidamente que mal dá tempo de absorvermos ou comentarmos com os amigos.

Assim, o primeiro prêmio entregue na noite foi para Jennifer Lawrence, que com seu vestido “lençol com listras pretas” que foi logo zoado por muita gente ao redor do mundo, mostrou o quanto é querida nos Estados Unidos. Desta vez o prêmio foi por TRAPAÇA, de David O. Russell, como coadjuvante. O filme de Russell, aliás, pode ser considerado o grande vencedor da noite, tendo vencido também nas categorias de filme (comédia) e atriz (Amy Adams).

O vencedor de melhor filme (drama), 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO, de Steve McQueen, acabou ficando apagado ao longo da cerimônia, já que não recebeu outro prêmio e muita gente já apostava na vitória de GRAVIDADE, principalmente depois que Alfonso Cuarón ganhou o seu prêmio na categoria de direção. Como Scorsese absurdamente não estava entre os cinco indicados, a premiação de Cuarón foi até bem recebida.

Quanto às apresentadoras da noite, Tina Fey e Amy Poehler, mais uma vez elas deram um show de humor, inteligência e charme. Com o sucesso delas, não duvido que elas sejam convidadas para o próximo ano novamente. Entre as piadas, a de que GRAVIDADE é o filme em que George Clooney passou mais tempo com uma mulher da idade de Sandra Bullock foi bem boa. Pouca gente percebeu (inclusive eu) uma piada infame que foi feita "em homenagem" ao ataque de pânico que o cineasta Michael Bay teve recentemente em um evento. E muito engraçado vê-las tirando sarro de Julia Louis-Dreyfuss, que estava duplamente indicada, tanto em filme, por À PROCURA DO AMOR, como em televisão pela série VEEP, mas que preferiu ficar na mesa de cinema. Pelo visto, achar que a televisão é o primo pobre do cinema ainda vai durar um tempinho.

Quanto aos prêmios mais queridos da noite, muito bom ver o reconhecimento de Leonardo DiCaprio por sua atuação fenomenal em O LOBO DE WALL STREET. Vamos ver se no Oscar isso vai se repetir, já que o filme tem incomodado os espectadores mais conservadores. O próprio comentarista da TNT, Rubens Ewald Filho, cometeu a infelicidade de dizer que Martin Scorsese estava gagá ao fazer um filme como aquele. Impressionante. Tirando a raiva que dá quando ouvimos coisas desse tipo, Globo de Ouro e Oscar sem Rubinho não tem muita graça. É tradição.

O prêmio Cecil B. DeMille para Woody Allen também foi muito bem-vindo, ainda que o clipe de homenagem tenha sido muito curto e rápido. Uma pena ele não ter estado presente: mandou Diane Keaton, ex-mulher e hoje amiga querida, para representá-lo. Inclusive falando de coisas que a gente já está acostumado a ouvir de Allen, como o fato de ele preferir alcançar a imortalidade no mundo material do que pelo legado artístico. E impressionante a quantidade de atrizes presentes na festa que já trabalharam com Allen.

Na categoria televisão, os dois grandes vencedores da noite foram a série BREAKING BAD, que chegou à sua última temporada consagrada como uma das mais importantes da história da televisão, e o telefilme BEHIND THE CANDELABRA, de Steven Soderbergh, que só não ganhou mais prêmios por que Michael Douglas e Matt Damon estavam disputando entre si. Ganhou Michael Douglas e o filme ganhou na categoria de melhor minissérie ou telefilme.

Outra série que ganhou visibilidade no Globo de Ouro foi BROOKLYN NINE-NINE, na categoria de comédia. Venceu tanto como melhor série cômica quanto na categoria de ator para o jovem Andy Samberg.

Alguns telefilmes e minisséries acabam despertando nossa curiosidade devido à repercussão no prêmio, caso das minisséries DANCING ON THE EDGE e TOP OF THE LAKE, que ajudaram a premiar Jacqueline Bisset e Elisabeth Moss, respectivamente.























Prêmios da noite:

Cinema 

Melhor Filme (Drama): 12 ANOS DE ESCRAVIDÃO
Melhor Filme (Comédia/Musical): TRAPAÇA
Melhor Direção: Alfonso Cuarón (GRAVIDADE)
Melhor Ator (Drama): Matthew McConaughey (CLUBE DE COMPRAS DALLAS)
Melhor Ator (Comédia/Musical): Leonardo DiCaprio (O LOBO DE WALL STREET)
Melhor Atriz (Drama): Cate Blanchett (BLUE JASMINE)
Melhor Atriz (Comédia/Musical): Amy Adams (TRAPAÇA)
Melhor Ator Coadjuvante: Jared Leto (CLUBE DE COMPRAS DALLAS)
Melhor Atriz Coadjuvante: Jennifer Lawrence (TRAPAÇA)
Melhor Roteiro: Spike Jonze (ELA)
Melhor Trilha Sonora: Alex Ebert (ALL IS LOST)
Melhor Canção Original: U2 por "Ordinary Love" (MANDELA: LONG WALK TO FREEDOM)
Melhor Animação: FROZEN – UMA AVENTURA CONGELANTE
Melhor Filme Estrangeiro: A GRANDE BELEZA (Itália)

Televisão

Melhor Série (Drama): BREAKING BAD
Melhor Série (Comédia/Musical): BROOKLYN NINE-NINE
Melhor Minissérie ou Telefilme: BEHIND THE CANDELABRA
Melhor Ator de Série (Drama): Bryan Cranston (BREAKING BAD)
Melhor Ator de Série (Comédia): Andy Samberg (BROKLYN NINE-NINE)
Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme: Michael Douglas (BEHIND THE CANDELABRA)
Melhor Atriz de Série (Drama): Robin Wright (HOUSE OF CARDS)
Melhor Atriz de Série (Comédia): Amy Poehler (PARKS AND RECREATION)
Melhor Atriz em Minissérie ou Telefilme: Elisabeth Moss (TOP OF THE LAKE)
Melhor Ator Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Jon Voight (RAY DONOVAN)
Melhor Atriz Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Jacqueline Bisset (DANCING ON THE EDGE)

domingo, janeiro 12, 2014

O LOBO DE WALL STREET (The Wolf of Wall Street)























Comparações, por mais inúteis que sejam, acabam surgindo quando acompanhamos a carreira de um cineasta ou qualquer artista. Por isso, ao sair de uma sessão de O LOBO DE WALL STREET (2013), filme em que passamos boa parte do tempo com um sorriso de orelha a orelha, ou gargalhando ou boquiabertos com determinadas sequências, sejam elas dramáticas ou cômicas, se é para comparar com outra obra de Martin Scorsese, podemos dizer que trata-se do melhor trabalho dele desde O AVIADOR (2004). Mas aí lembramos que O AVIADOR não causou o mesmo efeito de maravilhamento e podemos viajar no tempo sem medo para OS BONS COMPANHEIROS (1990), filme que, aliás, guarda muitas similaridades com o novo trabalho do cineasta.

Ambos são filmes narrados sob efeito da cocaína (a droga da moda nos anos anos 1980), ainda que em diferentes registros (comédia versus tragédia). Por isso, em vez de recomendar o uso da droga, o que seria absurdo e irresponsável, diria que para ver o filme e entrar no espírito, um bom café cairia bem. Até porque o filme tem três horas de duração. Que vale cada minuto. O LOBO DE WALL STREET, com sua narrativa nervosa, divertida e cheia de momentos incríveis inspirados em uma história real, é uma joia rara na atual cinematografia americana. Ainda que esta seja, no mínimo, uma das melhores do mundo na atualidade.

Além do mais, difícil não ficar impressionado com a performance monstruosa de Leonardo DiCaprio, na pele do corretor de ações Jordan Belfort, um homem que enriqueceu com métodos pouco honestos, através de uma bolsa de valores de empresas pequenas, mas que, graças ao seu dom impressionante de convencer as pessoas a comprar, conseguiu fazer uma fortuna. O problema é que ele passou a chamar a atenção do FBI.

Geralmente o fim dessas histórias é previsível. Mas uma coisa sabemos com relação a Scorsese: ele é um homem que se solidariza pelos pecadores, por aqueles que atravessam um caminho alternativo e que mais tarde sofrerão as consequências. Mas o grande barato de O LOBO DE WALL STREET é que isso é narrado em tom de comédia. Assim, não há um julgamento moralista com relação ao que o personagem faz. Ao contrário: fica-se a impressão de que tudo o que ele viveu valeu a pena.

O consumo das drogas, entre elas a cocaína e pílulas para ficar mais agitado ou mais tranquilo, não é necessariamente visto como um inferno. O inferno está em viver sóbrio, para o protagonista. Em determinada sequência, quando Belfort, o amigo vivido por Jonah Hill e sua esposa estão cruzando um mar furioso em um iate, Belfort pede as pílulas tranquilizantes ao amigo. "Não quero morrer sóbrio", diz ele. E tudo isso é mostrado como uma grande piada, ainda que não seja para todas as idades e gostos.

Ao que parece, os espectadores mais conservadores não gostaram nada do filme, o que pode prejudicar as chances de Scorsese ganhar mais um Oscar pelo trabalho. Mas, assim como se pode dizer sobre a vida de Belfort, cheia de sexo, drogas e curtição, dane-se o prêmio da Academia. O importante é termos um filme dessa qualidade circulando no mercado. O importante é termos o privilégio de conferir uma obra que nada contra a maré de caretice atual.

Assim, quem pensava que Scorsese ia fazer filmes mais suaves depois do sucesso de A INVENÇÃO DE HUGO CABRET (2011), um trabalho destinado também às crianças, eis que vemos um filme que abraça a vida louca, as orgias e as drogas. No entanto, não se trata de uma apologia. Nada é tão simples assim. Do mesmo modo, o filme pode ser visto como uma crítica à sociedade capitalista e sua obsessão pelo dinheiro e status social.

Belfort, enquanto tem sua empresa muito bem instalada e ganhando rios de dinheiro, faz discursos que mais lembram pastores de certas igrejas evangélicas ou treinamentos motivacionais que lidam com a importância de ser um vencedor. E um vencedor rico. É possível que haja algum espectador que veja Belfort com olhos acusadores, mas o filme raramente vai encaminhá-lo para essa vereda, já que o personagem é extremamente simpático e carismático.

Além do mais, vivemos hoje tempos bem mais complexos no que se refere à moral. Tudo pode ter começado com os filmes de gângster da Warner na década de 1930, mas ganhou fôlego renovado em séries de televisão recentes, em que personagens como Tony Soprano (FAMÍLIA SOPRANO) e Walter White (BREAKING BAD), respectivamente chefe de uma família mafiosa e fabricante de metanfetamina, são vistos com bons olhos pelo público. Alçados a heróis, até.

No mais, além de um filme destinado a um público adulto e responsável, O LOBO DE WALL STREET é um filme de sequências antológicas. Uma atrás da outra, sem termos tempo para respirar, no ritmo frenético de quem acabou de cheirar muito pó. Além do mais, testemunhamos a melhor atuação da carreira de Leonardo DiCaprio, a celebração de uma nova deusa das telas (Margot Robbie) e mais um ponto brilhante na carreira sem igual de Scorsese, que com seus 71 anos de idade compensa a saudade dos excessos e prazeres da mocidade com a criação de um mundo todo seu, com sua marca registrada.

O LOBO DE WALL STREET foi indicado ao Globo de Ouro nas categorias de melhor filme (comédia) e melhor ator (comédia) para Leonardo DiCaprio.

quinta-feira, janeiro 09, 2014

NINFOMANÍACA – VOLUME 1 (Nymphomaniac – Vol. 1)























Lars von Trier ainda é uma incógnita. Manipulador cínico ou gênio incompreendido? Um artista atormentado ou um marqueteiro esperto? Provavelmente tudo isso junto. Não é difícil encontrar pessoas que têm relações de amor ou de ódio ou os dois sentimentos em diferentes tempos com o cineasta dinamarquês. Não dá pra negar o tanto de visibilidade que ele ganhou desde que faturou a Palma de Ouro em Cannes com DANÇANDO NO ESCURO (2000), estrelado pela cantora Björk. Mas foi mais ou menos nesta época que ele começou a ser pintado como um diabo, inclusive pelos maus tratos a intérpretes como Björk e Nicole Kidman, que atuou em DOGVILLE (2003).

Os filmes que von Trier realizou para exorcizar seus problemas de depressão – ANTICRISTO (2009) e MELANCOLIA (2011) – parece que foram benéficos para ele, já que é possível ver muitos sinais de bom humor em NINFOMANÍACA – VOLUME 1 (2013). Principalmente em uma cena envolvendo Uma Thurman. A tela se fecha um pouco, saindo por instantes do belo scope, para contar uma história tragicômica envolvendo a jovem Joe (Stacy Martin), um de seus vários casos (Mr. H.) e a esposa traída, na figura de Uma. É uma sequência que provoca reações diversas nas pessoas, de acordo com conversas que tive após a sessão, mas é um momento em que o cinismo e o humor negro do diretor parecem mais afiados do que nunca.

Isso também se mostra no primeiro capítulo contado pela Joe adulta (Charlotte Gainsbourg, na terceira parceria seguida com o diretor), quando a narrativa trata, corajosamente, da sexualidade infantil da personagem. Não chega a ser nada absurdo ou imoral, mas em tempos como os de hoje é sempre complicado lidar com sexualidade e infância, ainda que se esteja falando de uma personagem precoce e viciada em sexo.

A estrutura do filme é muito simples, com a protagonista contando para um estranho que a encontra na rua, toda cheia de ferimentos, a história de sua vida. A escolha pela divisão em capítulos já vinha sendo usada em filmes anteriores do diretor. A principal diferença aqui é que se trata de uma narrativa mais episódica, que poderia muito bem ser contada de forma aleatória, não fossem alguns personagens voltando à vida da protagonista, como seu pai (Christian Slater) e Jerome (Shia LaBeouf), o rapaz que tirou sua virgindade .

Quanto às ousadias no território do sexo, a versão editada para ser exibida nos cinemas não chega a ser assim tão ousada. Há bastante sexo sim, claro, já que este é o assunto do filme, mas nada que vá deixar alguém acostumado com filmes europeus e brasileiros das décadas de 1970 e 1980 a ficar impressionado. O próprio Lars von Trier já havia utilizado sexo explícito na cena da orgia de OS IDIOTAS (1998) e elaborou uma excelente cena de noite de núpcias no que talvez ainda seja o seu melhor trabalho até hoje, ONDAS DO DESTINO (1996).

Esperamos a tão aguardada versão do diretor, que será exibida no Festival de Berlim em fevereiro. De todo modo, o ideal é que a versão do diretor, de cerca de cinco horas de duração, torne NINFOMANÍACA um filme melhor e não o faça sofrer da "síndrome de CALÍGULA", o filme de Tinto Brass que teve cenas enxertadas de sexo explícito por exigência do chefão da Penthouse. Eram outros tempos. Nos anos 70, usava-se bem mais o sexo para atrair as plateias. Porém, é sempre bom lembrar que o sexo mostrado em NINFOMANÍACA não tem exatamente a intenção de deixar a plateia excitada como um filme erótico comum. Von Trier ainda prefere incomodar.

Com relação à protagonista, parece uma falha explicitar o sentimento de culpa da personagem, que já se apresenta como uma das piores pessoas do mundo. Afinal, a maior parte da culpa que o homem ocidental nutre advém do Cristianismo. “Por que se apegar àquilo que há de menos simpático no Cristianismo?”, pergunta o atento ouvinte, vivido por Stellan Skarsgård. E talvez este aspecto raso do sentimento de culpa da personagem – pelo menos até o momento, já que o volume 2 pode mudar essa impressão – seja um dos pontos mais frágeis da construção do filme.

Por outro lado, assim como ANTICRISTO, para citar um dos trabalhos recentes de von Trier, NINFOMANÍACA – VOLUME 1 vai penetrando cada vez mais em nossa memória afetiva através de cenas que vão ficando grudadas na mente, todas elas envolvendo a jovem Joe, vivida brilhantemente por Stacy Martin, que paulatinamente vai tomando o filme para si, mesmo com tantos rostos célebres presentes no elenco. O que só aumenta a responsabilidade para a intrépida e corajosa Charlotte Gainsbourg, que encarnará a personagem mais madura nos longos flashbacks que comporão os capítulos da segunda parte.

quarta-feira, janeiro 08, 2014

MAZZAROPI























O que é ser caipira? Este é o ponto de partida do documentário MAZZAROPI (2013), de Celso Sabadin. Entre os convidados para participar dessa e de outras discussões estão o cantor e compositor Renato Teixeira, o apresentador Ratinho, o cantor Daniel, o crítico de cinema Inácio Araújo, a cantora e apresentadora Hebe Camargo, o cantor Ronnie Von, o humorista Ary Toledo, a atriz Selma Egrei, o cineasta e crítico Alfredo Sterheim, o cantor Agnaldo Rayol, o crítico de cinema Gustavo Dahl, o ator David Cardoso, entre outros.

Começar pela discussão do que é ser caipira é bastante pertinente, pois remete à separação que existe entre as classes mais aristocráticas e as mais populares, que eram as que prestigiavam os filmes de Amácio Mazzaropi, que faziam cada estreia de um filme novo seu um acontecimento de interditar ruas com multidões. O próprio Inácio Araújo é um dos críticos que reconhece que não via muita graça nos filmes de Mazzaropi, excessivamente simples e um tanto desleixados, inclusive nos aspectos técnicos. Mazzaropi, que era ator e produtor de seus próprios trabalhos, não ligava muito para a qualidade do som, por exemplo.

Renato Teixeira, ao falar do preconceito existente com a figura do caipira, falou que quem foi responsável por diminuir esse preconceito no país foi Elis Regina, ao gravar "Romaria", até então só cantada por cantores sertanejos. Mas, curiosamente, o Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato incorporado por Mazzaropi, não passava da caricatura do caipira. No entanto, o público sertanejo gostava, não se sentia ofendido, ria das piadas do personagem.

Uma das coisas que o documentário destaca é o pensamento de Mazzaropi com relação à recepção do público. Para ele, não importava a crítica. Quem ia pagar os seus filmes era o público. E por isso ele nunca deixou de se apresentar em circos. O circo era um meio de ele testar as piadas. Se elas funcionassem no picadeiro, podiam muito bem funcionar nas telas. Não deixa de ser uma maneira inteligente de lidar com sua própria arte e com os negócios. Diferente de muitos artistas que não sabiam lidar com dinheiro, Mazzaropi sabia muito bem e administrava tudo ao ponto de ser considerado "pão duro" por muitos artistas e técnicos que trabalharam com ele.

Outro detalhe interessante do documentário de Sabadin é a entrevista nas ruas. "Quem é Mazzaropi?", "Você conhece Mazzaropi?" são as perguntas feitas para anônimos nas ruas. A maioria não conhece ou já ouviu falar mas nunca viu nenhum filme ou lembra que seus pais já viram. Por outro lado, nas banquinhas que vendem DVDs, os filmes do Mazzaropi continuam vendendo bem. Apesar de não ser mais tão popular nos dias de hoje, os trabalhos do humorista ainda são itens procurados.

Sabadin, em sua estreia na direção, não chega a fazer um documentário inovador. O que vemos é uma estrutura bem tradicional, com base principalmente nos depoimentos dos convidados, que costuram uma narrativa que conta desde os primeiros passos de Mazzaropi no teatro, no rádio e na televisão (dos anos 30 aos anos 50), passando por sua estreia no cinema e no quanto o cinema se tornou o seu principal veículo de comunicação com as plateias (dos anos 50 aos anos 70), quando seu estilo de humor já estava popularizado e azeitado para as audiências.

Porém, mesmo com essa estrutura tradicional, MAZZAROPI é um documentário muito bom e deliciosamente informativo, que poderia ter tido uma boa carreira nos cinemas, mas a distribuidora optou por lançar direto em vídeo. Não deixa de ser uma decisão de certa forma prudente, já que até um documentário sobre um artista tão popular quanto Raul Seixas fracassou nas bilheterias. Sinal de que documentários só são bem-sucedidos no circuito alternativo mesmo. Por isso, o lançamento direto em DVD, ainda que diminua a visibilidade do filme, é mais do que bem-vindo, e certamente agradará a quem se permitir conhecer um pouco mais sobre esse sujeito único que foi Amácio Mazzaropi.

Agradecimentos a Celso Sabadin e à distribuidora Imagem Filmes pelo DVD. 

segunda-feira, janeiro 06, 2014

PAIS & FILHOS (Soshite Chichi ni Naru)























Provavelmente o mais belo dos filmes de Hirokazu Koreeda, PAIS & FILHOS (2013) lida com uma situação mais realista do que a de outros filmes do diretor, como DEPOIS DA VIDA (1998) e O QUE EU MAIS DESEJO (2011), que utilizam registros fantásticos como forma de tornar mais poética a narrativa. Ainda assim, o ponto de partida não deixa de ser bastante inusitado: um casal que tem um garoto de seis anos de idade recebe a ligação do hospital em que o menino nasceu para saber que a criança foi trocada no dia do nascimento.

Diferente também de NINGUÉM PODE SABER (2004) e do já citado O QUE EU MAIS DESEJO, o novo filme de Koreeda, apesar de lidar com questões relacionadas à infância, tem como principal foco o sentimento dos pais em relação aos filhos. No caso, Ryota Nonomiya e sua esposa Midori Nonomiya sofrem com a possibilidade de ter que trocar o seu filho Keita por outro, ao mesmo tempo em que desejam ter o filho biológico consigo.

Quando fica sabendo que o filho que criou durante seis anos não é fruto do seu sangue, Ryota logo diz que agora tudo faz sentido: o garoto não apresenta o brilhantismo intelectual e a competitividade do pai. Emblemática a cena da apresentação de piano das crianças na escola, em que Keita toca muito mal e depois, ao ver uma colega sua tocando incrivelmente bem, o menino só faz um comentário: "ela é muito boa, não é?" O pai, irado, o repreende: "você não tem vergonha?".

Ao conhecerem a família que cuida de seu filho biológico, eles se surpreendem com a relativa pobreza em que vivem, comparado com o luxo que dispõem. Por outro lado, o outro pai é muito mais presente e brincalhão e há outras crianças para tornar o lar mais feliz. O que falta de luxo sobra de amor naquela família simples.

Porém, como acompanhamos o filme pelo ponto de vista da família Nonomiya, é mais fácil sentirmos a angústia deles. A ideia que Ryota tem é oferecer um bom dinheiro para a outra família para que possa ficar com a guarda das duas crianças. As coisas não são tão simples assim. E eles seguem a ideia do diretor do hospital, que sugere que as crianças aos poucos fiquem conhecendo a casa de seus pais biológicos para que a troca definitiva não seja traumática.

O filme utiliza uma trilha sonora com piano muito sensível, acentuando o clima triste, que se torna ainda mais para os Nonomiyas, quando percebem que se mostram menos capazes de dar amor aos pequenos do que aquele casal mais pobre e desajeitado. Um dos momentos mais tocantes é quando Ryota diz ao filho adotivo Keita que ele deveria ficar agora com o outro pai, que o ama muito. O menino pergunta: "ele me ama mais do que o senhor?". "Sim, mais do que eu", ele responde. É talvez o momento em que mais se instala o nó na garganta do espectador.

Como bom herdeiro de Yasujiro Ozu, Koreeda lida sempre em seus filmes com questões familiares. Acaba passando a impressão, junto com Ozu, de que a família é um elemento mais importante para os japoneses do que para outros povos, outras culturas. A própria religião japonesa, que valoriza e oferece culto aos ancestrais, mostrada algumas vezes em PAIS & FILHOS, é um exemplo dessa valorização, especialmente se compararmos com as religiões ocidentais. Mesmo os católicos, que têm o hábito de rezar pelos mortos, com o tempo acabam os esquecendo. E isso parece ser algo normal.

PAIS & FILHOS, ao ser exibido em Cannes em maio de 2013, era o filme mais cotado para a Palma de Ouro. Até pelo fato de o presidente do júri ser Steven Spielberg, cujos temas familiares lhe são muito caros. Tanto que Spielberg chegou a comprar os direitos de refilmagem para uma versão hollywoodiana. No entanto, quem acabou ganhando a Palma foi o drama erótico AZUL É A COR MAIS QUENTE. PAIS & FILHOS ficou com o Prêmio Especial do Júri, uma espécie de segundo lugar, uma menção honrosa. Não deixa de ser um prêmio bastante válido para uma obra tão bonita.

Ao falar sobre o dilaceramento de duas famílias, Koreeda também nos brinda com um filme sobre a valorização dos sentimentos familiares, especialmente quando a narrativa se encaminha para o final, o que só mostra o quanto Koreeda é devedor de Ozu. Curiosamente, Koreeda é filho de pai ausente e viveu a experiência de ser pai muito recentemente. PAIS & FILHOS também é um filme que tem um alcance comercial bem maior do que qualquer outro trabalho do diretor. A própria sinopse já é atraente o suficiente para chamar a atenção até mesmo de espectadores pouco atentos ao circuito alternativo.