segunda-feira, outubro 14, 2013

O INVENTOR DE SONHOS























Filmes históricos brasileiros são sempre bem-vindos. Afinal, temos uma escassez de filmes desse gênero, em comparação com outras cinematografias. É como se houvesse uma falta de interesse dos brasileiros por sua própria História. Nem tanto os anos de chumbo, que já foram fartamente abordados em diversos filmes, mas a História dos primórdios do Brasil é carente de mais registros.

Daí entra em cartaz um filme pouco ou nada divulgado chamado O INVENTOR DE ILUSÕES (2013), de um diretor também pouco conhecido, Ricardo Nauenberg, que foi diretor da Rede Globo durante o período de 1980 a 1990, dirigiu alguns curtas-metragens e estreia seu primeiro longa para cinema agora. Sua formação em design pode ter sido fundamental para que ele optasse por fazer um filme utilizando muito a computação gráfica para construir o Rio de Janeiro do ano de 1808, época em que a Família Real aportou na cidade, fugida das tropas de Napoleão Bonaparte.

A história, vista pelo ponto de vista da própria realeza, até foi contada em parte e de maneira divertida em CARLOTA JOAQUINA - PRINCESA DO BRASIL, de Carla Camurati, filme que já desmistificava a realeza, que chegou aqui cheia de piolhos e com as roupas aos trapos, depois de uma viagem bem cansativa. O INVENTOR DE SONHOS oferece uma visão de fora, da porta dos fundos. Assim, a Família Real é pouco vista, a não ser por uma aparição simpática de D. Pedro I.

O filme procura ser didático, e isso o prejudica bastante, já que, no cinema, até para ser didático tem que saber fazer direito. Peguemos por exemplo o caso do dinamarquês O AMANTE DA RAINHA, que pode ser visto e entendido por plateias do mundo todo, e ainda ser admirado por suas qualidades visuais e dramatúrgicas. Não é bem o caso de O INVENTOR DE ILUSÕES, que, apesar de ser uma amostra interessante da sociedade brasileira da época, traz também muitos detalhes políticos que certamente só serão entendidos por nós, brasileiros.

Mas esse não é o maior de seus problemas. Embora haja uma narrativa que até começa interessante e envolvente, os personagens nunca são suficientemente fortes para que nos importemos com eles. Nem mesmo o protagonista Trazimundo, vivido por Ícaro Silva em sua fase adulta. Talvez por ele ser um personagem por demais autoconfiante. Não quiseram fazer um herói mestiço que come o pão que o diabo amassou e leva várias chibatadas, como os escravos que aparecem no filme, até para diferenciá-lo dos demais. Ele, por ser mulato e por não ter um feitor, é criado com uma liberdade que os demais negros não têm. Principalmente os recém-chegados dos navios negreiros, tratados como burros de carga.

O excesso de computação gráfica é até compreensível, como algo necessário para baratear os custos, afinal não dá para construir cidades cenográficas com pouco dinheiro. Isso mexe com a estética do filme, que adota também uma fotografia que fica granulada nas cenas de closes ou imagens mais aproximadas, provavelmente por não ter sido filmado com câmeras digitais de última geração. Em certos momentos, parece uma minissérie feita para a televisão de um canal como a Record, por exemplo.

Há uma grande quantidade de rostos conhecidos e que contribuem como podem para elevar ao filme a uma melhor condição, no aspecto da dramaturgia: Stênio Garcia, como um comerciante velhaco; Luiz Carlos Vasconcelos, como um mercador de escravos e latifundiário decadente; Ricardo Blat, como um funcionário corrupto da alfândega; Guilhermina Guinle, como a mulher do personagem de Vasconcelos e que tem um amante; Emilio Orcilio Netto, como seu amante e militar do exército português; Roberto Bonfim, como um cocheiro descendente de índios; Debora Nascimento, como a servente da taberna e responsável por uma das cenas mais sensuais do filme; entre outros.

Pena que, mesmo com tanta gente boa e com um interesse romântico para o protagonista, o filme vá perdendo o pouco da força que aparenta ter no início e vai se tornando cada vez menos interessante. A fotografia do filme, inspirada em fotografias do século XIX e com tonalidades marrons, é curiosa, mas é outro elemento que distancia o espectador. A trilha sonora de Dado Villa-Lobos é discreta, tão discreta que chega a ser genérica. Ainda assim, O INVENTOR DE ILUSÕES vale a espiada, principalmente pelo retrato da sociedade daquela época em raro registro cinematográfico.

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