domingo, junho 30, 2013

ANTES DA MEIA-NOITE (Before Midnight)























Sabe aquele casal de alemães que aparece brigando no trem no começo de ANTES DO AMANHECER (1995)? Os que foram, de certa forma, responsáveis pelo encontro de Jesse (Ethan Hawk) e Celine (Julie Delpy)? Por causa da discussão chata deles é que Celine resolve se sentar em outra poltrona do trem. E é lá que conhece Jesse. E o resto é história. Pois bem, em ANTES DA MEIA-NOITE (2013), Jesse e Celine remetem a esse casal, com suas discussões. 

Tanto ANTES DO PÔR-DO-SOL (2004) quanto o mais recente, ANTES DA MEIA-NOITE, por mais distantes formalmente que possam estar, ainda caminham à sombra do primeiro filme, daquelas horas que os dois passaram juntos e que transformaram suas vidas e os transformaram também em artistas. A arte sendo necessária para se aguentar o peso da vida e para trazer vida também. Ele escreve um livro sobre o encontro dos dois; ela compõe uma valsa para ele.

Um elemento muito comum dos dois primeiros filmes é o sonho. O primeiro filme inteiro tem uma atmosfera de sonho. O encontro dos dois é mágico. Celine, que não acredita em Deus, diz que Deus está no espaço entre os dois corpos. E no segundo filme, várias vezes eles falam de sonhos que tiveram. E o filme termina como numa obra de David Lynch, com Julie Delpy dançando e um fade in apagando aquele momento vagarosamente, como se adentrando novamente o mundo dos sonhos do primeiro filme.

Daí ANTES DA MEIA-NOITE ser tão impactante comparado até ao segundo, já que a realidade nua e crua está mais presente. Não há espaço para o sonho. Em certo momento, Celine pergunta a Jesse se hoje, se a visse num trem, a convidaria para descer com ele. Ele fica sem jeito, mas sempre procura a palavra certa para agradar a esposa. Julie Delpy aparece com pouca maquiagem, com o efeito dos anos já perceptíveis e com as ancas mais largas. Ainda assim muito bela. O que não quer dizer que a personagem não tenha os seus momentos irritantes. Chega a lembrar aquela namorada que adora puxar brigas e depois não lembra por que começou.

Por outro lado, há toda uma gama de reclamações mais do que justas a respeito de seu papel no relacionamento, enquanto que para o homem as coisas ainda continuam sendo mais fáceis. Não é difícil entender os pontos de vista dela na longa D.R. que compõe o terço final do filme.

Lembra, em alguns momentos, CÓPIA FIEL, de Abbas Kiarostami. A bela vista da Grécia, a longa conversa ao ar livre e depois entre quatro paredes, a câmera seguindo em longos planos. Aliás, o longo plano-sequência dos dois conversando no carro lembra outro Kiarostami, DEZ, que se passa inteiramente dentro de um carro. Essas semelhanças com o diretor iraniano me fizeram esquecer o quanto Richard Linklater era comparado com Eric Rohmer na época de ANTES DO PÔR-DO-SOL. O cineasta era chamado de "o Rohmer texano". Isso pelas longas conversas que remetiam a sentimentos, mas também a discussões filosóficas e existenciais.

Aliás, esta cinessérie vai cada vez mais entrando em um nicho de filmes de arte, coisa que o primeiro filme consegue escapar pelo teor mais romântico e menos pensado para atingir gostos mais sofisticados através da forma, e da semelhança cada vez maior com a obra de cineastas não-americanos, como os já citados Kiarostami e Rohmer.

No mais, ANTES DA MEIA-NOITE não deixa de mostrar certa amargura com relação à vida, por mais que todo mundo queira ser Jesse e Celine e ter aquele encontro dos sonhos para lembrar para a vida toda. Só não dá para ser ingênuo o suficiente para achar que eles serão felizes para sempre. A não ser que o conceito de felicidade seja mais realista, já que a vida é cheia de problemas, de pedras no caminho e a rotina destrói muitas vezes a mágica. Mas ela ainda está lá, esperando uma brechinha para entrar em meio a preocupações profissionais e com os filhos, entre outras coisas que trazem certo desencanto.

P.S.: Assisti o filme incomodado com uma leve mas bem chata tremedeira na projeção, no Cine Del Paseo. Por um momento desejei que fosse uma cópia digital e não em glorioso 35 mm. Só não saí para reclamar pois sabia que iria, por experiência própria, ficar ainda mais estressado e não tinha outra sala da cidade exibindo o filme. Essa irritação prejudicou a minha apreciação. Portanto, algumas das impressões que tive nesta primeira vez certamente podem mudar na revisão, quando o filme sair em DVD/BluRay.

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