quarta-feira, janeiro 30, 2013

O SOM AO REDOR



Falar sobre O SOM AO REDOR (2012), de Kleber Mendonça Filho, é um pouco complicado. Mesmo já tendo visto o filme pela terceira vez e com um intervalo de tempo de alguns meses. Isso porque há tanto o que falar e tantas coisas que ainda ficam no ar. Mas é sinal de que o filme não se esgota.

Vi-o nas sessões exibidas no Festival de Gramado em agosto do ano passado e fiquei feliz ao poder revê-lo com os amigos em Fortaleza, aproveitando que ele está em cartaz, ainda que em um único e ingrato horário. O filme mereceria mais tempo do que uma semana, mais horários, tempo de haver propaganda boca-a-boca. As redes sociais não são suficientes para sua divulgação, por mais que ajudem a incentivar a presença de determinados públicos.

Vale dizer que, embora O SOM AO REDOR seja uma obra moderna, não é um filme "difícil". Ao contrário, é agradável e instigante. O espectador brasileiro se vê naqueles personagens e naquelas situações. Vivemos em um país em que tememos que roubem o som de nosso carro ou que o sujeito que não recebe dinheiro arranhe o carro para se "vingar".

O filme é um convite ao debate sobre as diferenças de classes. Não mudou muita coisa da época do coronelismo dos donos de engenho no interior para o que existe hoje nas capitais. O personagem do Seu Francisco (W.J. Solha) é o maior representante disso. O homem que reconhece que não tem mais a força que tinha no passado, mas que faz questão também de dizer que é dono de quase toda a quadra, num dos locais mais privilegiados de Recife. Ele é o homem que nada com os tubarões. Não tem medo dos tubarões, pelo menos.

É a sua família que liga as principais subtramas, com personagens que vivem isolados, como João (Gustavo Jahn), Tio Anco (Lula Terra) e o garoto Dinho (Yuri Holanda), todos personagens muito interessantes, cada um à sua maneira. E KMF elabora as cenas com uma naturalidade impressionante, como se olhássemos com um binóculo para a janela de um vizinho. E, ao mesmo tempo, há sempre a expectativa de que algo está para acontecer, para quebrar a rotina. Como a chegada dos homens que oferecem serviço de segurança no bairro, liderados por Clodoaldo, personagem de Irandhir Santos.

Esse elemento novo faz com que o filme se aproxime do western. E essa aproximação cresce ainda mais quando chega o irmão de Clodoaldo e vemos aquele close aterrador na expressão grave daquele rapaz, já perto do final do filme. Até lá, O SOM AO REDOR flerta com o horror, principalmente em seu terceiro ato, em cenas como a do sonho da garota, filha de Bia, a personagem de Maeve Jinkings, uma dona de casa que tem o carinho dos filhos, mas sofre com a ausência do marido e os latidos do cachorro do vizinho. Ela é uma personagem saída do curta-metragem ELETRODOMÉSTICA (2005), a mulher que usa a lavadora de roupa para fins sexuais.

E no meio disso tudo, o som do título. O som que circunda tudo, que invade o máximo possível, seja o latido do cachorro, o barulho das árvores, o som de batidas de carro, de um objeto riscando um carro, o barulho do sujeito que vende CD pirata na rua, da chuva, ou mesmo o som criado pelo próprio filme para gerar suspense ou terror.

No mais, como não gostar e perceber as diferenças sutis dos sotaques de Recife usados pelos diversos personagens? E como não festejar essa nova safra de produções recifenses que invadiu o Festival de Brasília no ano passado e que esperamos que cheguem aos nossos cinemas, para a devida apreciação? É um cinema de guerrilha, feito longe do império da Globo Filmes, mas que ainda assim vem conquistando um espaço considerável e com resultados animadores.

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