domingo, junho 03, 2012

DELÍRIO DE LOUCURA (Bigger than Life)



O meu primeiro contato com DELÍRIO DE LOCURA (1956) foi através do documentário UMA VIAGEM PESSOAL ATRAVÉS DO CINEMA AMERICANO, de Martin Scorsese. O cineasta ítalo-americano cita o filme como um dos trabalhos que mais o impressionaram em sua formação e algumas cenas dessa obra de Nicholas Ray ficaram gravadas em meu subconsciente. Até que, através desta peregrinação pelo cinema de Ray, finalmente chegou a vez de conferir este, que é o um dos mais celebrados trabalhos do diretor. Inclusive, a capa do livro "The Films of Nicholas Ray" traz justamente uma foto do filme.

DELÍRIO DE LOUCURA acompanha a vida do professor Ed Avery, interpretado brilhantemente por James Mason. Ele é um sujeito que leva uma vida pacata, mas seu salário de professor não é o suficiente para suprir as necessidades de seu lar. Assim, ele começa a trabalhar numa empresa de táxis para conseguir um dinheiro extra. Isso, às escondidas da mulher e de quase todos, pois, para ele, uma profissão como essa não era digna de sua formação. Interessante que até nos Estados Unidos, pelo menos nessa época, o professor já tinha essa fama de ganhar muito mal. A esposa não fica sabendo do emprego "clandestino" e suspeita que o marido esteja tendo um caso. Até que umas dores de cabeça terríveis e crescentes fazem com que Ed tenha um colapso em plena sala de estar.

Chegando ao hospital, os médicos diagnosticam o problema como sendo uma inflamação nas artérias e que ele terá pouco tempo de vida. Mas há uma esperança: através de uma droga nova, a cortisona, que pode auxiliá-lo, mas que também pode causar alguns efeitos colaterais indesejáveis. Ed começa a tomar a droga e aos poucos passa a perder os horários, esquecer se já tomou, ou tomar mais pílulas para diminuir a depressão e aumentar o sentimento de autoconfiança. Assim, ele acaba por se tornar um sujeito extremamente agressivo, arrogante, imprevisível e cruel.

Nicholas Ray usa artifícios bem interessantes, como as sombras herdadas do Expressionismo Alemão. Destaque para a sequência em que Ed, já no auge de sua loucura, obriga o filho a fazer o dever de casa, privando-o de comida até que ele consiga terminar os exercícios. Sentindo fome, a criança só consegue terminar depois que a mãe, às escondidas, lhe oferece um copo de leite. Daí segue outra sequência muito impactante, que é quando ele percebe que a jarra de leite está com uma quantidade menor de líquido. Se bem que ainda haveria um momento mais terrível, que é quando ele quer refazer o sermão da igreja e sacrificar o filho, como na história de Abraão e Isaque, e diz a famosa e subversiva frase: "Deus estava errado!".

Esse misto de melodrama familiar com filme de horror perpetrado por Ray ainda tem múltiplas possibilidades de visão. Segundo Andrew, o filme pode ser visto como uma história edipiana (o filho quer matar o pai), uma alegoria (quando Ed quer desafiar o poder de Deus), uma tragédia (Ed é um mortal que se vê como divino), um horror psicológico (Ed como uma monstruosidade) e como um melodrama (ao mostrar em tons carregados a doença de Ed e como ela afeta a família).

O final causa estranheza diante do terror crescente que é instaurado, lembrando outro trabalho de Ray que teve um final ditado pelos produtores: CINZAS QUE QUEIMAM (1952), que tem um final feliz tão destoante do filme, que parece um sonho. Já o final de DELÍRIO DE LOUCURA causa uma sensação parecida, mas há também certa ambiguidade no que se refere ao destino daquela família. Assim, nem é preciso dizer que DELÍRIO DE LOUCURA é um dos mais importantes filmes de Ray, que duela pelo topo das grandes obras-primas do cineasta.