segunda-feira, julho 11, 2011

UM CORPO QUE CAI (Vertigo)



As obras de Alfred Hitchcock tendem a crescer na revisão. Principalmente os filmes da fase áurea do mestre o suspense, que corresponde à década de 1950 e início dos anos 1960. UM CORPO QUE CAI (1958) é um filme bem especial na filmografia do mestre do suspense. Não tem um andamento rápido como é mais comum na maioria de suas obras; apresenta maior densidade. Possui um ritmo todo próprio e uma história de amor um tanto fantasmagórica. James Stewart, em sua quarta e última parceria com Hitchcock, interpreta um ex-detetive de polícia que, por causa de seu problema de acrofobia, acaba levando à morte seu colega, durante uma perseguição a um criminoso nos telhados.

O filme até poderia explorar mais a culpa do personagem nesse início, mas Hitchcock guarda a culpa, ou melhor, a transferência de culpa, para mais adiante, preferindo apresentar a simpática personagem de Barbara Bell Geddes, uma bela jovem que nutre sentimentos pelo personagem de Stewart. Logo depois, numa conversa relativamente longa do protagonista com um velho amigo, ele é convidado a agir como detetive particular. Seu amigo está preocupado com a esposa, que parece estar sofrendo de dupla personalidade ou está possuída pelo espírito de outra mulher. Toda essa cena da conversa entre os dois homens é feita com sutil agilidade. Um diretor qualquer talvez fizesse tudo usando campo e contracampo. Ou mostraria os dois homens sentados o tempo inteiro em um único plano-sequência. Hitchcock é mais elegante: os homens se movimentam ao redor do escritório, a câmera muda o campo de visão com frequência e a cena fica ágil.

Isso é só pra falar de um pequeno detalhe que nem tem tanta importância diante da grandeza do filme, de como ele ainda se torna espetacular, a partir da entrada em cena da personagem de Kim Novak, a tal mulher supostamente tomada pelo espírito de uma espanhola que morreu no século XIX. Mas o mais importante disso tudo é que, diante de todo o mistério, desenvolve-se uma paixão, uma obsessão, que só aumenta a partir do momento em que ela pula no rio e ele a salva, a leva para casa e despe-a de suas roupas.

Falando em despir, muito interessante a ideia de Hitchcock em relação ao último ato do filme, que é quando Stewart, depois de ter sofrido de uma grave depressão por causa da morte da mulher, a reencontra nas ruas, sem ainda saber que é ela mesma, disfarçada, de cabelos negros. Quando ele passa a vesti-la com as mesmas roupas da "falecida" e finalmente a pede que pinte os cabelos de loiro, fica faltando ainda um detalhe: o coque no cabelo, para que ele possa, então, ter de volta a sua amada, ainda que "reencarnada". Para Hitchcock, todo esse processo é como se ele estivesse despindo-a. Faltava apenas "tirar a calcinha", que seria ajeitar o cabelo de modo a ficar idêntica a Madeleine.

Há tanto o que se falar sobre UM CORPO QUE CAI que o risco de se estender é grande, mas destaquemos um pouco mais Kim Novak, que não era uma Grace Kelly, mas digamos que, das loiras de Hitchcock, ela talvez tenha sido a que mais se aproximou em beleza e sensualidade. Sua elegância se acentuaria ainda mais com os figurinos da lendária Edith Head. Aliás, impressionante como Hitchcock estava rodeado de profissionais talentosos. Bernard Herrmann, seu principal músico, compõe aqui uma de suas melhores e mais inspiradas trilhas. A música do filme é ao mesmo tempo romântica e misteriosa. Lembrei de Angelo Badalamenti nos filmes de David Lynch na construção da atmosfera. E a fotografia em cores de Robert Burks, restaurada, é outro espetáculo.

Tive sorte de conseguir uma cópia de UM CORPO QUE CAI em qualidade 720p, já que infelizmente o dvd da Universal não traz o filme em widescreen anamórfico, mas em letterbox, o que faz toda a diferença para quem tem uma televisão digital. Assim, essa cópia em alta resolução veio bem a calhar. Pelo menos, o dvd vem com um bom documentário de meia-hora, falando um pouco sobre o processo de restauração e dos bastidores das filmagens. Não chega a ser tão saboroso quanto os documentários do Laurent Bouzereau presentes nos demais dvds, mas quebra o galho.

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