quarta-feira, março 30, 2011

SEM LIMITES (Limitless)



Na primeira metade dos anos 90, quando comecei a frequentar cursinhos para tentar o vestibular, ia para as aulas e dormia, de tão cansado que estava do dia de trabalho. Até chegar o dia em que eu experimentei o suco de guaraná (na época, só se vendia apenas o tradicional, com xarope de guaraná, pó, castanha de caju e amendoim). Além de delicioso, o suco me fez não apenas ficar "ligado", mas também me deixou com ânimo para continuar estudando em casa, entusiasmado e com sede de conhecimento. Passei a tomá-lo todos os dias, dessa vez pela manhã. Assim eu podia passar o dia inteiro disposto. Saía de casa às vezes com ressaca de sono, mas era só tomar o suquinho mágico que estava pronto para o que viesse. Queria fazer várias coisas ao mesmo tempo, até mesmo correr, mas tinha mesmo que gastar a energia no trabalho. Vi que estava dependente quando, para produzir um texto para a faculdade, tive que pegar um ônibus e ir ao Centro da cidade apenas para tomar o tal suco. Aí sim, magicamente, veio inspiração para fazer um texto de ficção em inglês.

Mas com o tempo a droga natural foi me fazendo mal. Certo dia, depois de uma noite de bebedeira e de ter perdido o sono, fiz a besteira de ir trabalhar cedo mesmo assim, e tomando o suco, claro. Tive uma convulsão assustadora, tanto para mim quanto para quem estava no trabalho, e acordei no hospital de emergência da cidade, desnorteado. Apesar de tudo, e de passar a tomar uma medicação que me proibia de beber, continuei a tomar o suquinho, até passar a ter transtornos de ansiedade em 2007, ano que eu considero um dos piores da minha vida, junto com 1991. A partir de então, deixei de tomar o tal suco, vi que conseguia produzir sem ele, continuei tomando drogas prescritas para problemas neurológicos e passei a ter uma vida quase normal. Exceto pela falta que eu sinto dos tempos em que podia beber um pouco (saudade dos anos 90 inclui isso) e pelas palavras que às vezes me faltam à memória em alguns momentos. Mas acredito que a atividade da escrita ajuda a manter o cérebro ativo e como escrevo praticamente todos os dias, acho que está tudo bem.

Resolvi escrever esses parágrafos porque, de uma maneira muito pessoal, SEM LIMITES (2011) falou a mim. Claro que o NZT está muito longe de um simples suco de guaraná da Amazônia, mas eu me senti um pouco na pele do personagem nos momentos de euforia e vontade de escrever e usar bem mais do que os 20% da capacidade cerebral (Raul Seixas dizia que eram apenas 10%, não?), como também no momento em que ele sente falta da droga e precisa usar de novo para conseguir finalizar o seu livro. Claro que o filme exagera como pode, transformando o personagem de Bradley Cooper numa espécie de Neo (MATRIX). Ele aprende a lutar apenas lembrando dos filmes de Bruce Lee e das lutas de Muhammad Ali. Sua inteligência o leva à bolsa de valores, aos cassinos, até chegar à política. É mais ou menos entre uma e outra passagem que o personagem de Robert De Niro entra em cena, como o sujeito interessado em fazer uma parceria com o aparentemente "homem mais inteligente do mundo".

Como a inteligência humana pode ser classificada em vários tipos, um jogador de futebol tem uma inteligência diferente de um físico, que tem uma inteligência diferente de um romancista e isso não impede que os três profissionais possam ser considerados geniais, cada um à sua maneira. Por isso, talvez seja impossível encontrar alguém que tenha todas as formas de inteligência conjugadas.

O filme de Neil Burger, mais famoso pelo ótimo O ILUSIONISTA (2006) e que tem apenas quatro títulos no currículo, é bem sucedido ao mostrar a ascensão do personagem de Cooper, através de recursos de câmera que nos deixam às vezes com vertigem, com a velocidade com que ela voa por Nova York. Há também muito suspense causado pelo envolvimento com o tráfico, rendendo momentos fantásticos, como aquele em que Abbie Cornish está fugindo de um mafioso e prestes a ser assassinada. O filme, aliás, já começa com Cooper no terraço de um prédio, prestes a tirar a própria vida. Somos convidados por ele mesmo, o narrador, a voltar no tempo e ver os momentos anteriores àquela situação. E isso até passa um pouco de nostalgia dos filmes hollywoodianos clássicos que utilizam muito esses recursos de voice-over e flashback. Por isso, independente de eu ter me identificado com o personagem em algum momento, vejo SEM LIMITES como um dos thrillers mais interessantes dos últimos anos.

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