terça-feira, julho 27, 2010

RUY GUERRA EM TRÊS FILMES

 

Já se contam mais de quarenta adaptações para o cinema e para a televisão de obras de Gabriel García Marquez. Não sei sei se alguma delas conseguiu traduzir o realismo mágico que é característico da maioria de suas obras para as telas. Na verdade, conheço muito pouco de Gabo. Do escritor colombiano só li "Cem Anos de Solidão" (sua obra-prima, das maiores obras da literatura mundial), "Amor nos tempos do cólera" (que eu não gostei tanto e que gerou uma adaptação meia-boca com um elenco internacional) e "Memórias de minhas putas tristes" (aparentemente seu último livro de ficção). Vendo os três filmes que o corajoso Ruy Guerra adaptou de Gabo, tenho sempre a sensação de que se eu estivesse lendo o livro eu estaria no mínimo me divertindo muito mais. Ainda assim, são filmes que merecem ser conferidos. 

ERÊNDIRA (Eréndira) 

Na época de ERÊNDIRA (1983), Ruy Guerra esteve casado com Cláudia Ohana. Um casamento que duraria de 1981 a 1984, mas que não atrapalharia a parceria que ele teve com a atriz, mesmo depois da separação. A parceria ainda rendeu ÓPERA DO MALADRO (1986), A BELA PALOMERA (1988) e KUARUP (1989). ERÊNDIRA é adaptado do conto "A incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua avó desalmada". O filme é uma co-produção França-México-Alemanha Ocidental e há muitas sequências no deserto mexicano, o que passa um ar meio EL TOPO (Jodorowsky) à fita. Ohana é a personagem título que bota fogo acidentalmente na casa de sua avó (Irene Papas). Para pagar o enorme prejuízo, ela só tem o próprio corpo. Assim, a avó a leva para a prostituição. A fama de Erêndira vai se espalhando e todos querem experimentar da jovem. A avó é carregada por seus escravos como uma espécie de rainha, numa cadeira imponente, deserto adentro. Obediente à avó, ela só passa a se rebelar, quando encontra um garoto com aspecto angelical e que a convida para fugir com ele. Alguns diálogos do filme me chamaram a atenção e lamento não ter parado para tomar nota. Mas o que mais ficou na minha mente foi o diálogo entre Erêndira e um político (Michael Lonsdale). Ele pergunta a ela qual o seu signo. Ela diz que é de Áries. Ele fala: "ah, você é uma solitária, como eu". Consegui cópia da internet de estado razoável, com áudio em espanhol e legendas fixas em inglês de um vhs. 

A BELA PALOMERA / FÁBULA DA BELA PALOMERA (Fábula de la Bella Palomera) 

Como o Cine Ceará deste ano promoveu uma mostra de filmes do Ruy Guerra, o único que pude ver foi este A BELA PALOMERA (1988), em película. E talvez por isso, foi o mais agradável de ver. Apesar de ser uma co-produção Brasil-Espanha, A BELA PALOMERA é bem mais brasileiro. O elenco de rostos conhecidos (Cláudia Ohana, Ney Latorraca, Tônia Carrero, Dina Sfat, Chico Diaz, Cecil Thirré, Tonico Pereira e Rui Resende) só ajuda nisso. Aliás, o clima do filme me faz lembrar EU, O BOTO, de Walter Lima Jr., mas com um erotismo um pouco mais comportado. Mas assim como o anterior, o belo corpo nu de Ohana é também, vez ou outra, valorizado. O que não combina ou que até dá um pouco de ar surreal à trama é o fato de vermos Ney Latorraca apaixonado por ela e se comunicando através de pombos-correio. Porém, como o filme também tem um senso de humor todo próprio, dá pra encarar isso numa boa. Uma das histórias mais fluidas da carreira de Ruy Guerra. 

O VENENO DA MADRUGADA (La Mala Hora) 

Se os dois primeiros filmes foram agradáveis de ver, jamais poderia dizer o mesmo deste O VENENO DA MADRUGADA (2006), que mais parece uma tortura. Ruy Guerra foi o cineasta que me fez sair do cinema no meio da sessão de seu ESTORVO (2000). Mas quanto a ESTORVO posso culpar duas coisas: a ansiedade de ligar pra namorada e o sistema de som horrível que não me ajudava em nada a entender o portunhol do cubano Jorge Perrugoria. Em O VENENO DA MADRUGADA, o problema do som se resolve com uma dublagem geral, à moda antiga. O que dá ao filme um ar retrô. Como Leonardo Medeiros está quase que irreconhecível, a impressão que tive inicialmente é de que ele estava dublando outro ator. Inclusive, vi nos créditos que atores como Milton Gonçalves e outros são creditados como dubladores de atores estrangeiros. O filme é mais uma vez uma co-produção (Brasil-Argentina-Portugal). O cenário é de desolação. O VENENO DA MADRUGADA poderia muito bem ser um ótimo filme pra mim, que gosto de chuva em filmes, pois chuva é o que não falta. É como se o mundo estivesse acabando. E ainda assim as poucas pessoas que preferem continuar no vilarejo se preocupam com os pasquins, bilhetes anônimos que denunciam ou fazem fofoca, causando inúmeras intrigas. O personagem principal é o Alcaide (Medeiros), um delegado autoritário que sofre de dores de dente horríveis. O que o impede de ir ao dentista é que este é seu inimigo. Lá pelo final, o filme tem um recurso interessante de repetição e mudança de eventos, narrando de diferentes maneiras os fatos, que envolvem sempre mortes. Isso causa na cabeça do espectador uma confusão. Acho que foi um dos filmes que eu mais torci para acabar nos últimos anos.

Nenhum comentário: