quarta-feira, abril 28, 2010

UTOPIA E BARBÁRIE























"Não se pode confiar no imperialismo, nem um tantinho assim. (...) Porque a natureza do imperialismo é o que bestializa os homens."
(Che Guevara)


Tenho uma amiga que ainda acredita na utopia, é fã dos líderes revolucionários, ainda crê no socialismo e é extremamente engajada socialmente. E tenho um colega no curso de especialização que diz que Che Guevara era um assassino, que Karl Marx fez um mal terrível à humanidade e que os movimentos de luta armada contra a ditadura militar no Brasil eram feitos por assaltantes de bancos e assassinos. E ainda culpa a Teologia da Libertação como uma das causadoras da queda da popularidade da Igreja Católica no Brasil. Com certeza, esse senhor, fã do american way of life, tem opiniões bem controversas.

Acho que estou em cima do muro, pois além de não ser assim tão entusiasta de política, acredito que depois da queda do muro de Berlim, do fim dos governos comunistas, e com as inúmeras denúncias de atrocidades cometidas durante os governos chineses e soviéticos, fica dificil acreditar em sistemas políticos. Mas uma coisa é preciso ter: esperança. Apesar das desilusões, ainda é possível ver bons exemplos de progresso na política. Incusive no Brasil. E isso nos ajuda a seguir em frente e acreditar que o futuro pode não ser assim tão sombrio quanto se imagina.

UTOPIA E BARBÁRIE (2010) é o documentário que Silvio Tendler passou quase vinte anos para finalizar. Desde 1990, com a chegada ao poder do primeiro presidente brasileiro eleito pelo voto popular (Collor de Mello) e com a queda do muro de Berlim, Tendler, meio desiludido, tentou juntar os pedaços daquilo que ele acreditava e começou esse projeto ambicioso de traçar um painel gigante dos caminhos da esquerda no mundo a partir do fim da Segunda Guerra Mundial. Por isso que um título alternativo dado ao filme é "Histórias de nossas vidas ou ter 18 anos em 68". Tendler faz parte dessa geração, que acreditava no Socialismo como alternativa viável para o Brasil. Inclusive, seu trabalho mais famoso e que foi sucesso de bilheteria no país é o documentário JANGO (1984), que trazia no cartaz: "como, quando e porque se depõe um Presidente da República".

E vendo a história de João Goulart, difícil não ficar indignado, ainda que existam aqueles que ainda crêem que a ditadura militar foi um mal necessário. Mas um dos aspectos positivos do documentário é que, mesmo sendo um filme de esquerda, Tendler dá voz também àqueles que discutiam as soluções encontradas para lutar contra a ditadura no Brasil. O melhor exemplo é o poeta Ferreira Gullar, que achava um absurdo a ideia de pegar em armas sem ter experiência e lutar contra o exército, a marinha e a aeronáutica. "Aqui não é Cuba, aqui é um continente", diz ele a certa altura. Pareceu-me um dos depoimentos mais lúcidos. O documentário também não nega as atrocidades cometidas em governos comunistas, como a China e a União Soviética.

O principal erro do filme é tentar abarcar tanta coisa em apenas duas horas. Se ele se centrasse só no Brasil, talvez não tivesse tanto esse problema, mas Tendler tem a pretenção de falar do mundo todo. Ainda assim, acho que o filme, até por ter pressa em contar tanta coisa, tem um ritmo que não cansa, e ainda traz imagens históricas que a minha geração vivenciou e guarda fortes lembranças, como o dia do Impeachment de Collor. Eu lembro de onde eu estava nesse dia. E de como as pessoas pareciam estar comemorando um final de Copa do Mundo. Na verdade, aquilo era muito mais importante que um final de Copa.

Mas a década mais destacada no documentário é justamente a década de 60. Principalmente o ano de 1968, o ano mais convulsivo do século. Todo o mundo parecia estar num estado de ebulição. Jovens dos Estados Unidos se recusavam a se alistar; no Brasil, jovens peitando a polícia nas ruas; o mesmo ocorrendo na França, entre outros movimentos político-sociais que eclodiram. Assim, assunto não falta. E não faltam também ótimos depoimentos, numa relação tão extensa que prefiro não citar. Mas vale destacar Dilma Rousseff, atual candidata do governo para a Presidência da República. Até por ela estar em evidência, sua participação no filme pode até causar certo transtorno, ainda que não tanto quanto o filme LULA, O FILHO DO BRASIL. Retirar o depoimento de Dilma tornaria o filme menos rico, pois ela participou da luta armada e chegou a ser presa e torturada durante os anos de chumbo.

O que eu também gostei no fime foram das eventuais citações, narradas por Amir Haddad, Chico Diaz, Letícia Spiller. Algumas delas, poesias principalmente, dão vontade de copiar. Talvez o que poderia ser cortado para o bem do filme fosse a parte final, quando Tendler mostra a questão do Estado de Israel, que talvez ficasse melhor num filme à parte. Essas cenas, inclusive, destoam um pouco do tom geral do filme, parecendo enxertos.

Para os cinéfilos, a presença de cineastas como Amos Gitai, Gillo Pontecorvo (BATALHA DE ARGEL é muito citado), Cacá Diegues e Denys Arcand tornam o documentário ainda mais simpático. As cenas de AS INVASÕES BÁRBARAS, de Arcand, inclusive, servem para resumir um pouco como se sentia a geração que viveu sua juventude na década de 60, era mais politizada, acompanhou os vários ismos e viu com certo desencanto como o mundo ficou no início do novo século.

Enfim, há tanto o que se falar. Concordo que seria um ótimo filme para ser apresentado em escolas e outras instituições, pois além de ter o seu aspecto didático, é também emocionante. Inclusive, não me lembro de nenhum outro filme onde o público reagiu com palmas ao final da sessão. A última vez que eu vi isso acontecer foi com SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, há vinte anos. Tudo bem que foram palmas tímidas, mas não deixa de ser uma reação surpreendente para os dias de hoje.

P.S.: Está sendo distribuída no Espaço Unibanco uma revista interessante sobre o filme, contendo ótimos artigos e entrevista com Sendler.

Nenhum comentário: