segunda-feira, outubro 12, 2009

BASTARDOS INGLÓRIOS (Inglorious Basterds)



Quentin Tarantino tem muitas qualidades como cineasta. Mas uma das que eu mais admiro é a sua capacidade de construir personagens tão bons, tão adoráveis, e ter coragem de matá-los durante os filmes. Eu lembro a raiva que tive quando a personagem de Bridget Fonda é brutalmente assassinada em JACKIE BROWN (1997). Mas isso se mostra ainda mais evidente nos dois volumes de KILL BILL (2003, 2004) e sua extensa galeria de personagens maravilhosos. Em BASTARDOS INGLÓRIOS (2009), o mais novo petardo do genial diretor, isso novamente se repete. Como também se repete a sua incrível capacidade de escrever diálogos enormes sobre coisas aparentemente sem muita importância e ainda manter o interesse do espectador - bem, há aqueles que não têm muita paciência, é verdade. A diferença é que, no novo filme, esses diálogos, diferente de CÃES DE ALUGUEL (1992) e PULP FICTION (1994), são, em sua maioria, apresentados em situações de extrema tensão. A começar pela sequência de abertura.

Tarantino repete a divisão em capítulos para criar sua teia de intrigas envolvendo um grupo de soldados com o objetivo de matar e tirar o escalpo do maior número possível de nazistas (os bastardos inglórios do título) e a vingança pessoal de uma jovem judia francesa que teve sua família assassinada. Quando o filme começa e ouvimos o belo tema retirado de O ÁLAMO, de John Wayne ("The Green Leaves of Summer"), com letreiros típicos de faroestes, já percebemos que estamos no território favorito do diretor. Mas não estava preparado para ver uma sequência de abertura tão próxima de ERA UMA VEZ NO OESTE, de Sergio Leone. É mais do que uma homenagem: é uma declaração de amor, não só ao cinema de Leone, mas ao cinema como um todo. E todos sabemos o quão apaixonado é Tarantino. Para o cineasta, o cinema é maior que a vida. E por mais que possamos achar isso absurdo, ver um filme de alguém tão apaixonado por sua arte faz toda a diferença.

Em BASTARDOS INGLÓRIOS, o diretor mostra também que além de grande responsável pelo resgate de astros em decadência ou esquecimento (John Travolta, Darryl Hannah, Pam Grier, David Carradine), também é um mestre em buscar astros desconhecidos do grande público e tirar deles performances magistrais. A começar pelo austríaco Christoph Waltz, que faz o nazista conhecido como "caçador de judeus" por sua inteligência em rastreá-los e o seu sangue frio em matá-los como ratos, que é como ele os compara durante a longa conversa com o homem que esconde uma família deles debaixo do assoalho. Waltz é aquele vilão que a gente adora odiar, que a gente até chega a simpatizar de tão bom que é o personagem. Porque vilão que se preza tem mesmo que praticar atos odiosos e de extrema violência. E Waltz, no papel do Coronel Hans Landa, é o exemplo perfeito disso.

Mas se o primeiro capítulo já era de tirar o chapéu, o filme estava apenas começando. E no segundo capítulo entra em cena o bando chefiado por Brad Pitt, que mostra mais uma vez sua versatilidade em criar tipos engraçados. Na pele do tenente americano Aldo Raine e seu sotaque de caipira sulista, que mais parece estar com um rolo de fumo na boca, Pitt está engraçadíssimo. E ainda mais hilário no momento em que ele tenta fingir que está falando italiano, na grande noite da exibição de um filme para um grupo de nazistas do primeiro escalão. Eli Roth dizendo-se chamar Antonio Margheriti também não fica atrás.

Outra grande revelação, e de longe a personagem feminina mais encantadora do filme (que já conta com a linda alemã Diane Kruger) é Mélanie Laurent, a judia francesa que prepara uma vingança para os judeus, depois que se torna dona de um cinema de Paris. Seu ódio pelos alemães é maior do que a possível atração que possa sentir pelo jovem sedutor nazista (Daniel Brühl) responsável por mudar a première do filme "O Orgulho de uma Nação" (dirigido por Eli Roth) de uma grande sala para uma menor, justamente por estar interessado por aquela bela e difícil francesinha.

BASTARDOS INGLÓRIOS é uma grande brincadeira onde o universo de Tarantino se encontra com o nosso e onde podemos nos deliciar com um "o que aconteceria se..." dos mais divertidos. É também um mundo onde a cinefilia está sempre presente, com citações verbais ou escritas de grandes nomes (Emil Jannings, George Wilhelm Pabst), e grandes filmes (SARGENTO YORK, KING KONG, O TRIUNFO DA VONTADE). Para completar a festa, o clímax se passa dentro de uma sala de cinema, o território preferido do diretor e dos amantes da imagem em movimento, trazendo uma cena que vai ficar na memória do espectador por muito tempo. E tudo narrado de maneira muito elegante. Nem parece que o filme teve como principal obra inspiradora o torto ASSALTO AO TREM BLINDADO, de Enzo G. Castellari. Mas aí é que está: o amor de Tarantino pelo cinema é incondicional. E amor é algo que contagia, rejuvenesce, empolga.

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