segunda-feira, agosto 31, 2009

AMANTES (Two Lovers)























Estar apaixonado é estar fora de si, é ver o mundo por uma outra ótica. Às vezes torta e dolorosa, às vezes mais colorida. É ver mais sentido nas canções de amor, ao mesmo tempo que é estar desinteressado pelo que mais há no mundo que não tenha relação com o sentimento. É estar disposto a enfrentar todos os desafios que a vida impõe, a ponto de perder até o bom senso, dizer "foda-se" para o futuro e para a lógica. É agir feito um idiota, mas um idiota cheio de amor pra dar. Tudo isso e muito mais é mostrado em AMANTES (2008), este que é um dos filmes mais belos a explorar esse estado de espírito. James Gray ainda acrescenta o fato de que a paixão também pode ser transgressora, quase um crime. Quando Leonard, o personagem de Joaquin Phoenix, sai de casa para se encontrar com a amada para ambos fugirem, às escondidas de sua família e da garota que representa a estabilidade emocional para ele, é como se ele estivesse cometendo um crime, fazendo algo muito errado. Por isso, o mundo do crime mostrado em filmes anteriores de Gray, como CAMINHO SEM VOLTA (2000) e OS DONOS DA NOITE (2007), é quase que transposto para o universo romântico.

Nem se trata aqui de se estar dilacerado entre dois amores. A busca pela paixão sempre pesa mais que a relação estável e mais fácil de lidar. O desejo de Leonard pela problemática Michelle está acima de tudo. Pouco importa se ela é apaixonada por um sujeito casado ou se tem problemas de dependência química. Deixa de ser importante também se a doce Sandra (Vinessa Shaw) está disposta a cuidar dele, que tanto já sofreu por amor, a ponto de tentar o suicídio algumas vezes. O filme, aliás, abre com uma cena de Leonard pulando de uma ponte, a fim de dar cabo de sua vida. Mas ele se arrepende e volta para casa encharcado. Sua mãe (Isabella Rossellini, assumindo de vez um papel de mulher mais madura) e seu pai vivem preocupados e tentam lidar com o problema do filho da melhor maneira possível, tentando levantar a sua autoestima através do trabalho, do seu interesse por fotografias, além de dar um empurrãozinho ao procurar outra garota para ele.

E quando o filme se encaminha para um final que até já esperávamos, levando em consideração o clima cinza, Gray mostra um epílogo tão belo, tocante e delicado que engrandece ainda mais a sua obra. AMANTES não é um melodrama tão lacrimoso. Gray aposta mais na dor de viver e de amar. E é isso que torna o seu filme tão único e especial. Algumas cenas são de uma beleza e uma poesia ímpares, como a cena em que Leonard escreve com os dedos no braço de Michelle. Nos últimos anos, o cinema raramente produziu momento tão belo. Agradeçamos a James Gray por manter o cinema tão vivo e tão próximo de nossos corações com sua filmografia curta mas irretocável.

Quanto a Joaquin Phoenix, uma pena ele ter supostamente preferido seguir por outro caminho, pois ele é um ator e tanto. E que teve o privilégio de trabalhar com feras como James Gray, M. Night Shyamalan e Gus Van Sant. Se AMANTES é mesmo sua despedida das telas, trata-se de uma senhora despedida.

P.S.: No sábado o Diário de um Cinéfilo, nascido sob o signo de Virgem, completou sete anos. Bem que merecia um post mais alegrinho para comemorar. Isso fica para a próxima.

sexta-feira, agosto 28, 2009

A PADEIRA DO BAIRRO (La Boulangère de Monceau)























Ontem foi um daqueles dias em que tudo deu errado pra mim. Sentia como se o meu coração pesasse uma tonelada. Hoje, apesar de ter fechado um ciclo de forma não tão positiva, levando em consideração os meus desejos, sinto que estou pronto para seguir em frente. Uma coisa que eu aprendi com a vida é que não adianta muito a gente espernear e querer que as coisas aconteçam do jeito que a gente quer. É o destino que trata de cumprir. E muitas vezes não nos resta nada a fazer a não ser aceitar, descarregar a raiva e as frustrações de uma maneira que não vá prejudicar ninguém, levantar a cabeça e seguir. E são nesses momentos que esses filmes aparentemente leves mas cheios de profundidade filosófica e existencial dirigidos por Eric Rohmer servem como consolo. Pelo menos, acalma um pouco o espírito ver pessoas também passando por situações mais ou menos parecidas com a minha. E o mais importante: tratados com sensibilidade.

A PADEIRA DO BAIRRO (1963), primeiro título do ciclo "Seis Contos Morais", é um delicioso curta-metragem de pouco mais de vinte minutos que conta a história de um rapaz, interpretado pelo jovem e futuro cineasta Barbert Schroeder, que tem obsessão por uma jovem de nome Sylvie. Ele sempre cruza com ela pela rua e os dois trocam olhares, mas ele acredita que ela não é uma garota que vá se deixar ser abordada na rua. Ele espera então pelo momento ideal. Que acaba acontecendo um dia. Ele aproveita a oportunidade de ouro para convidá-la para um café. Ela diz que naquele momento não pode, mas que eles poderiam combinar para um outro dia, já que eles estavam sempre se vendo na rua. O rapaz, obviamente, fica muito feliz. Mas passam-se dias e dias e a garota simplesmente desaparece. Angustiado, ele caminha pelas ruas e inicia o hábito de comprar doces numa padaria do bairro. E é lá que ele encontra a personagem-título. A moça começa a achar que ele está interessado nela e ele tem sentimentos conflitantes em relação a isso, já que o interesse dele por ela é meramente para jogar um charme e meio que se vingar da sumida Sylvie.

O barato dos filmes de Rohmer é que seus personagens têm uma densidade próxima da vida real. Inclusive, na maneira às vezes contraditória de agir. Em certa altura do filme, o protagonista se mostra cínico e racional em relação à jovem padeira. O fato de ele não estar apaixonado por ela facilita e muito a aproximação, já que ele pode agir friamente e exercitar a sua capacidade de conquistar uma garota para massagear o ego e dar tempero à vida. Além do mais, como ele próprio confidenciou em voz-off, sair com ela seria uma alternativa para fugir da solidão. E isso é perfeitamente natural e diria que acontece até mais vezes do que encontros baseados em paixão, esse sentimento tão desgastante. Em geral, as pessoas ficam juntas porque necessitam de estar com alguém, por pura carência afetiva. E às vezes há reciprocidade nesse sentimento, embora haja sempre o risco de que um dos dois gostará mais do outro. Esse tipo de relação não deixa de ser perigosa e de causar alguns danos no coração do outro, mas evitá-los seria um erro.

E o interessante do final do curta de Rohmer é que ele consegue ser, apesar do final feliz, bem realista. Diferente, por exemplo, do que ocorre em CONTO DE INVERNO (1992), que é quase um conto de fadas na maneira como lida com o tema da alma gêmea. O mesmo talvez possa ser dito de O RAIO VERDE (1986). Deixando claro que eu adoro ambos os filmes. O fato é que Rohmer, cada vez mais, está no topo dos meus mais queridos cineastas. Desses que falam ao nosso coração com uma sabedoria única.

quinta-feira, agosto 27, 2009

FEAR ITSELF - CHANCE























Tenho optado por ver estes mini-filmes da série FEAR ITSELF mais pelo pouco tempo que tenho para ver filmes de maior duração do que por estar exatamente interessado neles. Já perdi a fé na antologia, mas no fundo ainda tenho alguma esperança de ver algum trabalho de vergonha nos títulos que ainda falta eu ver. O bom é que eles são curtinhos - cerca de quarenta minutos. É a grande vantagem do curta-metragem: se for ruim, pelo menos acaba logo. Além do mais, não acho justo pegar um grande filme e assistir num momento em que minha mente tem divagado tão facilmente. Sem falar no cansaço que bate quando chego da escola à noite.

John Dahl, diretor de CHANCE (2009), era considerado uma boa promessa no início dos anos 90. Seus thrillers de baixo orçamento MATE-ME OUTRA VEZ (1989) e MORTE POR ENCOMENDA (1993) foram bons exemplos disso. Seu auge em Hollywood, em termos de grande produção, foi com CARTAS NA MESA (1998), que contava com um elenco de astros. Pena que ele acabou não mantendo uma regularidade na carreira - seu último sucesso no cinema foi o bom PERSEGUIÇÃO (2001), cópia ou homenagem a ENCURRALADO, do Spielberg. Na última década, o cineasta acabou assumindo a direção de episódios para diversas séries televisivas (TRUE BLOOD, BREAKING BAD, LIFE, DEXTER, CALIFORNICATION, entre outras).

CHANCE lida com o tema do doppelgänger, isto é, uma versão duplicada do ser humano, geralmente apresentando o seu lado mais sombrio. Na trama, um homem desesperado por um dinheiro vai até uma loja de antiguidades a fim de vender um vaso que ele acredita ser muito valioso. Já havia pagado uma pequena fortuna por essa peça e estava ansioso para lucrar com a venda. Acontece que o dono do antiquário lhe oferece uma quantia muito aquém do que ele esperava e o cara começa a surtar. No fim das contas, ele acaba matando o proprietário da loja num acesso de raiva. Sua única companhia nesse momento de desepero é o seu doppelgänger. Enquanto isso, o cerco vai se fechando para o homem que acabou de cometer um assassinato e quer urgentemente uma saída para aquela situação.

A trama poderia ter rendido uma produção ao menos mais interessante. Uma pena que o resultado não tenha sido dos melhores, com Dahl dirigindo de maneira desleixada e não conseguindo criar uma atmosfera de suspense e tensão apropriada. Na verdade, pouco nos importamos com o destino do protagonista. E isso é o mínimo que se poderia querer de um filme/episódio que já não tinha tantas pretensões estéticas.

quarta-feira, agosto 26, 2009

SE BEBER, NÃO CASE! (The Hangover)























Não lembrava do nome de Todd Phillips. E também não sabia qual era o tal DIAS INCRÍVEIS (2003), vendido como obra de referência do diretor no cartaz do megahit SE BEBER, NÃO CASE! (2009). Depois, no IMDB, fui ver que Phillips foi o cara que dirigiu uma das mais engraçadas e subestimadas comédias dos últimos dez anos: CAINDO NA ESTRADA (2000), que para mim continua sendo o seu melhor trabalho. Também gosto de ESCOLA DE IDIOTAS (2006) e do documentário HATED (1994), sobre a polêmica vida e carreira do punk extremo G.G. Allin. Talvez por causa da expectativa alta em relação à "melhor comédia do ano", eu tenha me decepcionado um pouco com SE BEBER, NÃO CASE!. O filme até faz parte dessa nova safra de comédas masculinas, mas é bem diferente dos trabalhos de Judd Apatow e cia. e do já esquecido "frat pack". Trata-se de um filme onde o humor físico predomina e onde não há espaço para sentimentalismos. É apenas boa diversão, feita parar rir, embora nem sempre competente nesse sentido.

A trama é bem convidativa: um grupo de amigos parte para Las Vegas para festejar uma despedida de solteiro de um deles e acabam acordando com uma baita ressaca e sem saber o que aconteceu nas últimas doze horas. Detalhe: o noivo sumiu, um deles acordou sem um dente, um bebê misterioso apareceu no apartamento, bem como um tigre. O dever deles é descobrir o que aconteceu nas últimas horas e, principalmente, saber do paradeiro do noivo. No meio do caminho, eles se deparam com um grupo de mafiosos japoneses, um carro de polícia roubado, uma stripper (Heather Graham) e o próprio Mike Tyson, que aparece cantando uma música do Phil Collins.

O elenco também é feliz. Bradley Cooper é o sujeito com cara de galã que ganhou fama com a série ALIAS, mas que tem estado cada vez mais presente no cinema. Ele ainda não chegou a ficar tão popular, mas pode ser que aos poucos ele chegue lá. Ed Helms, mais conhecido como o simpático Andy Bernard, de THE OFFICE, está com um dos melhores papeis do filme. Ele é o dentista que tem medo da própria mulher, mesmo sabendo do chifre que recebeu um tempo atrás e que até hoje é motivo de chacota dos amigos. Os menos conhecidos Zach Galifianakis e Justin Bartha completam o quarteto.

O barato do filme é mostrar um grupo de marmanjos de mais de trinta anos se comportando como um bando de adolescentes, o que não deixa de ser uma maneira de mostrar o quanto essa geração não chegou exatamente a envelhecer mentalmente. Eu, como faço parte dela, sei disso. Há os seus prós e contras nisso. Talvez não se dar conta de que o tempo passou tão rapidamente e não ter maturidade suficiente para encarar os desafios impostos pela vida seja um dos principais problemas. Na verdade, esse negócio de amadurecimento masculino é uma questão complicada. Até porque há quem diga que no fundo os homens são eternas crianças.

terça-feira, agosto 25, 2009

UM CASAL DO BARULHO / SR. E SRA. SMITH (Mr. & Mrs. Smith)




Um acidente de percurso na carreira de Alfred Hitchcock, UM CASAL DO BARULHO (1941) é o filme mais fraco da gloriosa fase americana do mestre do suspense. Nem dá pra encarar como "um fime de Hitchcock", na verdade. Nessa época, o cineasta já havia realizado dois sucessos em Hollywood: REBECCA - A MULHER INESQUECÍVEL (1940) e CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO (1940). Nas entrevistas do diretor, ele fala dessa comédia romântica de maneira muito rápida, como se fosse um erro ter aceitado o convite de Carole Lombard para dirigí-la. Trata-se de um filme de encomenda que pode ser mais valorizado como um bom momento da carreira da estrela Carole Lombard, que morreu cedo, aos 32 anos de idade, num trágico acidente aéreo em 1942. Clark Gable, então seu marido, sofreu muito e nunca mais foi o mesmo. O drama de Gable pode ser visto num dos extras constantes do dvd quádruplo de E O VENTO LEVOU, que fala da vida do astro.

Em UM CASAL DO BARULHO, pode-se ver a graça da estrela, que interpreta uma adorável mulher que é capaz de deixar o marido (Robert Montgomery) no quarto por dias. Só vivendo de amor e com pausas para refeições. Certo dia, ela pergunta ao marido: se ele pudesse refazer a vida dele, ele casaria com ela novamente? Ele comete a besteira de dizer que não, que aproveitaria a vida de solteiro. No mesmo dia, no trabalho, ele recebe a visita de um sujeito que fala de questões legais envolvendo a cidade onde eles se casaram. O fato é que foi informado que o casamento dos dois tornou-se sem efeito. E isso gera um problema para o casal.

É até compreensível ver o cineasta evitando falar desse filme. Na verdade, nem se trata de evitar. É que não há muito o que falar mesmo. Provavelmente, se não tivesse o nome de Hitchcock na direção, UM CASAL DO BARULHO seria praticamente esquecido. Talvez lembrado apenas pelos fãs de Carole Lombard. No filme ela aparece bem bonita e sua personagem é representativa de um momento em que as mulheres ganhavam mais força na sociedade, como pode ser visto em diversos outros filmes dos anos 30 e 40, vários deles muito melhores, como os realizados por mestres como Howard Hawks (com quem ela trabalhou em SUPREMA CONQUISTA), Leo McCarey e George Cukor.

segunda-feira, agosto 24, 2009

VERONIKA DECIDE MORRER (Veronika Decides to Die)























"Quem sabe não serão estes nossos últimos momentos divertidos?"
("La Maison Dieu", Legião Urbana)


Hoje pela manhã recebi por e-mail uma notícia sobre uma jovem publicitária que cometeu suicídio com uma facada no peito. Um jeito bem estranho e sinistro de tirar a própria vida. Ainda não foi descartada a possibilidade de homicídio. De todo modo, achei bem bonita a homenagem que a amiga da moça fez para ela em seu blog e que também serve como reflexão para nossas próprias vidas. Agradecimentos ao Renato pelos links. Tornou a segunda-feira ainda mais melancólica, mas serviu para repensar e valorizar certas coisas que deixamos de lado.

A notícia cabe aqui no post sobre VERONIKA DECIDE MORRER (2009), que é um filme sobre suicídio que também não deixa claras as razões da decisão da moça, interpretada por Sarah Michelle Gellar. Na verdade, as razões são um detalhe, já que muitas pessoas passam por situações bem piores do que aqueles que cometem suicídio e seguem vivendo, esperando pelo dia seguinte, que será talvez melhor. Interessante a música que a protagonista escolhe para tocar na hora em que toma seu coquetel de pílulas: "Everything in its right place", do Radiohead. Pior que ficou bonita a cena. Pena que o filme vai se tornando menos interessante aos poucos, quando vai tomando forma de filme de autoajuda. De todo modo, não chega a incomodar e tem alguns bons momentos. Seu maior problema é o fato de ser frio e sem força.

O filme mostra as reações da jovem depois que acorda do coma e recebe a notícia de que a tentativa de suicídio acabou por trazer sérios danos ao seu coração, que pode parar a qualquer momento. Assim, ela passa a valorizar cada momento da vida. Talvez esse enredo simplista seja mais interessante na forma como é mostrado no livro, mas a ideia em si me pareceu meio boba. E nem algumas palavras sábias tiradas da religião sufi ajudam muito. No elenco de apoio, David Thewlis, Erika Christensen e Melissa Leo. Pena que o rapaz que faz par com Sarah Michelle Gellar seja tão apagado e sem graça.

Como não li a obra de Paulo Coelho que inspirou o filme, não posso fazer nenhuma comparação. Mas como li "O Mago", a biografia escrita por Fernando Morais, sei de alguns fatos autobiográficos que "invadiram" a obra de ficção. O escritor brasileiro mais vendido no mundo já disse ter visto o anjo da morte quando desejou tirar a própria vida e recebeu eletrochoques quando esteve internado num hospital psiquiátrico.

sexta-feira, agosto 21, 2009

SINÉDOQUE, NOVA YORK (Synecdoche, New York)























Assisti este SINÉDOQUE, NOVA YORK (2008) no sábado e foi provavelmente a pior tortura psicológica a que eu me submeti neste ano. Quanta diferença quando eu saí da sessão desse filme para ver o delicioso ARRASTE-ME PARA O INFERNO. Desde ADAPTAÇÃO (2002) que eu fico com os dois pés atrás em relação a Charlie Kaufman. Eu odiei ADAPTAÇÃO, mas culpava em parte o diretor Spike Jonze. Até porque gostei de BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS (2004), dirigido por Michel Gondry. Kaufman se tornou o roteirista mais badalado de Hollywood nos últimos dez anos. Seus roteiros eram mais citados do que o trabalho dos diretores. O caso especial de roteirista-autor. Há quem goste de seus enredos "espertos", metidos a inteligentes. Eu, particularmente, não curto e me senti até um pouco ofendido quando, em duas críticas que li sobre o filme, fizeram uma comparação com David Lynch.

Fui arrastado para ver SINÉDOQUE, NOVA YORK um pouco por causa do elenco estelar. Tanta gente boa não podia estar num projeto tão ruim. Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Michelle Williams, Samantha Morton, Hope Davis, Jennifer Jason Leigh, Diane Wiest, Emily Watson. Todos levados pelo hype em torno do roteirista "genial" e agora incompreendido. Mas eu já havia caído nessa armadilha de elenco estelar. Só que a gente sofre de memória curta e cada filme é um filme. E SINÉDOQUE, NOVA YORK era a estreia de Kaufman na direção, o que não deixa de ser, no mínimo, motivo de curiosidade até mesmo para aqueles que não curtem o seu trabalho.

O início até que é interessante, mostrando o dramaturgo vivido por Philip Seymour Hoffman passando por dificuldades no casamento e com estranhos problemas de saúde. O drama tragicômico-kafkiano de ser empurrado de especialista para especialista me fez rir um pouco da picaretagem de certos médicos e de minha experiência frustrada com eles - principalmente com os otorrinos. Acredito que o filme começa a sair de linha quando a personagem de Catherine Keener sai de cena, quando ela abandona o marido. Numa sessão de terapia, a mulher chega a confessar que já desejou a morte do marido algumas vezes. Digamos que isso não deve ser muito agradável de se ouvir.

O filme começa a se tornar bem chato, confuso, enfadonho e desinteressante já a partir da primeira meia hora. É aquele triste momento em que se olha para o relógio e se percebe que há ainda um longo caminho pela frente. E a partir de então não teve nada, nem o elenco de ótimas atrizes, nem o enredo fora do normal, ou qualquer coisa que pudesse salvar a sessão para mim. Se o filme é mais uma obra que trata da angústia da falta de criatividade - assim como também era ADAPTAÇÃO - eu sugiro a Kaufman procurar outro ramo de atividade, pois vomitar falta de inspiração nos espectadores é jogo sujo.

quinta-feira, agosto 20, 2009

FAMÍLIA SOPRANO – A TERCEIRA TEMPORADA COMPLETA (The Sopranos – The Complete Third Season)





















E a cada temporada FAMÍLIA SOPRANO fica melhor. A terceira (2001) representa mais um momento brilhante, não apenas para a série, mas para a história da televisão. A maior parte dos episódios dessa temporada é perfeita. Infelizmente não vou saber falar sobre a temporada sem descrever alguns detalhes da trama. Portanto, quem ainda não viu, fica o alerta de spoiler.

A série começa com um episódio atípico, "Mr. Ruggerio's Neighborhood", escrito pelo próprio David Chase, e que mostra a rotina da família Soprano do ponto de vista dos policiais federais, que procuram maneiras de vigiar a famíilia, a fim de flagrar alguma declaração incriminadora. Eles até conseguem instalar uma escuta no porão da casa, que é onde Tony Soprano geralmente trata dos assuntos mais secretos. O episódio é ótimo, mas os melhores estariam por vir. O segundo episódio já mostra a morte de uma das personagens mais importantes da série. E como eu não gostava da velha, acho que tive tanto alívio quando ela morreu quanto Tony.

A terceira temporada também foi marcada por alguns dos episódios mais violentos e intensos da série. Desses de deixar o espectador com o coração saindo da boca. É o caso de "Employee of the Month", centrado na Dra. Melfi, a analista de Tony. Ela é sexualmente violentada e tem a chance de pedir ajuda a Tony para se vingar do criminoso que a atacou brutalmente. Será que ela vai abrir mão de seus princípios para satisfazer a sua sede de vingança? Outro episódio de causar indignação por causa da brutalidade é "University", que centra basicamente em duas situações: o namoro de Meadow com o rapaz negro na universidade e o caso envolvendo uma das dançarinas de striptease da boate de Tony, que engravida de Ralph, que quase ocupa o posto de Ritchie Aprile como o personagem mais malvado e odioso da série. Destaque também para "Pine Barrens", o episódio que mais me fez lembrar OS BONS COMPANHEIROS, de Martin Scorsese. Nesse episódio, Christopher e Paulie são incumbidos de cobrar dinheiro de um russo. A coisa era para ter terminado de maneira pacífica, mas o tal russo foi dar uma de folgado com os encoleirados ítalo-americanos e acabou tendo seu corpo levado para ser enterrado vivo.

Outro destaque da temporada é o filho de Aprile, Jackie Aprile, Jr, que aparece como namorado da Meadow em certo momento. O sujeito larga os estudos para vender drogas e sonha em se tornar tão respeitado na famiglia quanto o pai foi no passado. Jackie Jr pode até não ser um personagem querido, mas suas burradas acabam rendendo um dos momentos mais impactantes da série. Outra novidade é a participação especial de Annabella Sciorra, no papel de Gloria, uma mulher atraente que cruza a vida de Tony e o deixa apaixonado. O problema é quando a relação fica parecendo o filme ATRAÇÃO FATAL.

Um grande acerto da temporada é o de mostrar reuniões familiares em ocasiões especiais, como o Dia de Ação de Graças, o Natal, o aniversário de Carmela e até mesmo dois funerais. Destaque também para uma sequência muito bonita do último episódio que conta com ninguém menos que o tio Junior cantando uma canção italiana de dor e deixa (quase) todos muito emocionados. Impressionante como uma família tão cheia de assassinos e ladrões conquista a nossa simpatia. Inclusive, o fato de sabermos que eles são capazes de matar seus próprios familiares torna tudo tão assustadoramente belo.

quarta-feira, agosto 19, 2009

SE NADA MAIS DER CERTO






















Em certo momento de SE NADA MAIS DER CERTO (2009), um dos protagonistas faz uns questionamentos interessantes: "qual a lógica do pobre quando ele rouba alguém que tem mais dinheiro do que ele?", "qual a lógica de querer algo que ele não tem?" e "qual a lógica do rico que rouba o pobre se ele já tem?". O filme abre com uma frase do filósofo Jean-Jacques Rousseau que diz: "Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém". E é com reflexões como essa que José Eduardo Belmonte se firma como um dos cineastas brasileiros que melhor tratam de questões políticas no país. A CONCEPÇÃO (2005), que também mostrava personagens que transgridem as regras da sociedade, já apontava para esse caminho. Com o novo filme, ainda que sofra de uma duração um pouco excessiva, nota-se que o cineasta ganhou maturidade.

Seguindo também a maturidade está Cauã Raymond, que se mostrou perfeito para o papel do jornalista freelancer que está passando por sérias dificuldades financeiras e que encontra num taxista (João Miguel) e numa traficante andrógina (Caroline Abras) parceiros de luta, ainda que tenham que praticar atos criminosos para seguir vivendo. Se o personagem de João Miguel não é tão bem aprofundado no filme, Caroline Abras como a Marcin é uma bela de uma revelação. Também no elenco, mas em papéis menores, vale destacar Milhem Cortez, que já havia trabalhado com Belmonte em papel de destaque em A CONCEPÇÃO (2005) e que nesse filme aparece como um travesti; e Leandra Leal, que aparece aparentemente sem maquiagem.

O filme adota esse visual despojado em seus personagens, quase sem retoques, em contraponto a uma classe na construção dos planos e certa inventividade na divisão por capítulos. O título de capítulo mais memorável é "o trabalho danifica o homem". O que me incomodou no filme foi justamente o que eu já comentei no primeiro parágrafo: em certo momento, já não acompanhei o mesmo pique inicial. É como se Belmonte não quisesse se desfazer de seus personagens e esticou demais o enredo. Mas nem dá pra dizer que alguns cortes tornariam o filme mais fluido, já que em certos casos acontece justamente o contrário. O filme apresenta uma interessante quebra no tempo narrativo, com saltos temporais que só são notados a partir de alguns diálogos.

Por mais que eu não compartilhe da opinião de que SE NADA MAIS DER CERTO é um grande filme, não deixa de ser estimulante ver um novo cineasta brasileiro despontando com trabalhos interessantes e provocadores. Agora é esperar que o filme anterior de Belmonte, MEU MUNDO EM PERIGO (2007), seja lançado pelo menos em dvd no Brasil.

terça-feira, agosto 18, 2009

CONFISSÕES DE UMA GAROTA DE PROGRAMA (The Girlfriend Experience)





















Um dos segredos para se gostar de CONFISSÕES DE UMA GAROTA DE PROGRAMA (2009) é já estar preparado para ver um filme sem cenas de sexo e com vários momentos de negociações da protagonista com clientes ou outros "profissionais" da área. Mas o que torna o filme interessante é que ele não é tão frio quanto se imagina. Ao contrário, fortes e conflitantes sentimentos são mostrados com sensibilidade admirável, com a já costumeira ausência de música em praticamente todo o filme, tornando o registro quase documental. Steven Soderbergh continua com sua determinação em fazer filmes mais alternativos por vontade própria, mesmo com a total liberdade que tem em fazer trabalhos mais comerciais com astros badalados de Hollywood. Mesmo em trabalhos aparentemente mais comerciais, como as duas continuações de ONZE HOMENS E UM SEGREDO (2001), o cineasta tem feito o que dá na telha, sem se preocupar com o gosto médio e tendo que enfrentar a forte possibilidade de seu filme ser odiado pela audiência.

O filme de Soderbergh que mais se aproxima de CONFISSÕES DE UMA GAROTA DE PROGRAMA talvez seja BUBBLE (2005), que também lida com o tema da solidão. Se essa temática é menos explícita no filme estrelado pela bela estrela pornô Sasha Grey é porque há algo mais a se discutir. Mas a solidão está lá. Seja no momento em que Chelsea chora esperando por um cliente, seja quando outro homem que contrata os seus serviços "desaba" só de abraçá-la. Dentro de um universo de carros importados, roupas caras e apartamentos de luxo, onde o dinheiro parece ser a coisa mais importante, as pessoas estão cada vez mais solitárias e carentes. Mas pelo menos essas têm a vantagem de contratar os serviços das melhores garotas de programa e ainda pagar um bom analista.

Uma coisa que eu não sabia, em minha ingenuidade, é que existem sites especializados com reviews de garotas de programa. Um sujeito faz o "test drive" e depois dá a nota, contando para os leitores e potenciais clientes o que aquela menina faz de melhor ou de pior. O termo "the girlfriend experience" do título original se refere à contratação dos serviços da moça para que ela aja como uma namorada. A primeira vez que vi o termo foi na série THE BIG BANG THEORY, quando os rapazes vão até Las Vegas tentar animar os ânimos do amigo Howard. O título original, porém, não chega a resumir a temática do filme, que é bem mais curto do que eu esperava. E digo isso como um elogio, pois não tinha uma experiência tão boa com um filme de Soderbergh desde SOLARIS (2002), outro subestimado e até execrado trabalho do diretor.

Quanto a Sasha Grey, dando uma olhada em sua filmografia, a fim de conhecer a performance da moça em filmes adultos, dei de cara com um tal de SEINFELD: A XXX PARODY. Cada coisa que o povo faz.

P.S.: Saiu edição nova da Revista Zingu! Essa edição tem um texto meu na sessão Musas Eternas (falando de Naomi Watts), mas o maior destaque é o Dossiê João Silvério Trevisan, o escritor que teve uma passagem pelo cinema e que tem sua obra, tanto no cinema quanto na literatura, comentada pela equipe da revista. Destaque também para o especial Nelson Rodrigues no Cinema, que conta com oito filmes resenhados, mais um excelente texto introdutório de Andrea Ormond.

segunda-feira, agosto 17, 2009

ARRASTE-ME PARA O INFERNO (Drag me to Hell)























E o retorno de Sam Raimi ao gênero que o consagrou, depois de vários anos dedicados ao Homem-Aranha, saiu melhor do que a encomenda. ARRASTE-ME PARA O INFERNO (2009) é provavemente o filme mais delicioso do ano. Raimi recicla os clichês do gênero com uma habilidade de dar gosto. Não faltam criatividade nem respeito aos filmes de horror do passado. Já se nota isso a partir do logotipo antigo da Universal que abre o filme. Em seguida, vemos um prólogo em preto e branco falado em espanhol que remete a alguns filmes de horror produzidos no México ou na Espanha. A rapidez da narrativa, por sua vez, nos leva aos bons tempos da trilogia EVIL DEAD (1981, 1987, 1992). Inclusive, além dos empolgantes movimentos de câmera que lembram a trilogia clássica, há um lenço que homenageia um certo livro dos mortos. A impressão que fica é a de que, por mais que os filmes do Aranha estejam entre os melhores filmes de super-heróis já produzidos, Raimi estaria privando os fãs do gênero horror do que ele sabe fazer melhor.

Não há nenhum momento de ARRASTE-ME PARA O INFERNO em que o espectador fique entediado. Pelo contrário, o filme é desses de deixar a gente com um sorriso de orelha a orelha a cada sequência. Tanto nos momentos mais assustadores como nos momentos em que Raimi despeja o seu habitual humor. Não faltam cenas bem nojentas envolvendo fluidos que escorrem da boca da velha cigana, a responsável por transformar a vida de uma jovem gerente de crédito num verdadeiro inferno. Aliás, a cigana faz lembrar Bela Lugosi no clássico O LOBISOMEM.

Tudo começa quando Christine (Alison Lohman) nega a extensão do financiamento da casa própria a uma velha cigana. Depois de algumas cenas envolvendo uma dentadura asquerosa - que se torna ainda mais nojenta graças ao excelente trabalho de sonoplastia do filme -, a velha tem o seu pedido negado. Sentindo-se humilhada, ela amaldiçoa a moça, que passa a ser perseguida por um espírito maligno chamado Lâmia. Seu namorado, interpretado por Justin Long, mesmo quando não acredita que a jovem está sofrendo um ataque de natureza sobrenatural, mostra-se sempre atencioso.

Cenas memoráveis não faltam, como a da sombra do espírito maligno se aproximando pela porta; ou a tentativa de Christine de se livrar do mal através do sacrifício de um animal; ou a famosa cena do bode, que pode deixar muito gente sem senso de humor desgostando do filme. O fato de Christine ser mais humana, isto é, não ser nenhuma santa, é mais um acerto do filme. Bem como os momentos onde os clichês do gênero aparecem ainda mais explícitos, como a sequência no cemitério, numa noite de tempestade. Mas tudo isso faz parte do plano de Raimi de dar ao público uma diversão da melhor qualidade, sem se preocupar em ser sutil, para que os fãs do bom cinema de horror possam finalmente respirar aliviados.

sexta-feira, agosto 14, 2009

LA JETÉE






















A fim de manter o blog atualizado, com frequência recorro a filmes curtos. Se não fosse por isso, talvez não tivesse priorizado a apreciação de LA JETÉE (1962), o curta-metragem vanguardista de Chris Marker. Que eu acho que vi num momento não muito adequado. Estava inquieto e disperso demais ontem. Ainda bem que o filme é curto e quando percebi que estava me perdendo, voltei e comecei a ver do começo. Aliás, rever LA JETÉE é fundamental para melhor compreensão e apreciação. Não apenas porque o filme trata de viagens no tempo, que mexem com o lado mais racional do nosso cérebro, mas também porque o filme de Marker tem uma poesia toda própria. E merece ser visto com um estado de espírito próprio de quem lê (ou vê) poesia.

O fato de eu ser fã de VINIL VERDE, de Kléber Mendonça Filho, foi um dos motivos para eu ter me interessado pela cultuada obra de Marker. Ambos os filmes utilizam fotografias para contar uma história. E ambos também se utilizam de uma voz-off com frequentes pausas para que os silêncios auxiliem na construção de uma atmosfera de mistério. O silêncio também pode ser visto como um meio de respiração do filme. Embora não seja mencionado em nenhum texto que li a respeito, LA JETÉE também me lembrou os dois primeiros trabalhos de David Cronenberg, STEREO e CRIMES OF THE FUTURE. Não ficaria surpreso se Cronenberg, de alguma maneira, tivesse sofrido influência do filme de Marker para elaboração de seus trabalhos mais experimentais.

Outros dois filmes que se conectam no passado e no futuro com LA JETÉE são UM CORPO QUE CAI, de Alfred Hitchcock, e OS 12 MACACOS, de Terry Gilliam. A obra-prima de Hitchcock foi o catalizador para a criação do filme de Marker. Já o filme de Gilliam buscou inspiração na trama do sujeito que vem do futuro pós-apocalíptico para o passado (ou presente). E conexão com passado e futuro é o eixo do filme. Na trama, depois de o planeta ser devastado por uma bomba nuclear, alguns sobreviventes moram nos subterrâneos das cidades. Entre eles, cientistas que usam prisioneiros de guerra como cobaias de experimentos de viagem no tempo. A salvação não podia estar em nenhum lugar do espaço. O tempo era a única saída. Depois de ter matado uns e enlouquecido outros, os cientistas são bem sucedidos ao conseguir enviar um homem para o passado. Lá, ele se apaixona por uma mulher e experimenta a beleza da natureza, da vida, dos animais, dos museus e do amor.

O final do filme deixa a gente sem chão, sem saber direito o que pensar. A vantagem de se ver em DVD e não em cinema é poder rever o quanto se quiser, mas imagino o quanto deve ser rica a apreciação na telona. É o tipo de filme que também cresce com o tempo na memória. E, curiosamente, boa parte de minha memória também é construída de fotografias. Tenho algumas delas guardadas com carinho. Coisas que o cérebro é capaz de fazer quando a emoção está em jogo para tornar aquele evento especial.

quinta-feira, agosto 13, 2009

COISAS ERÓTICAS























Acabei baixando COISAS ERÓTICAS (1981) acidentalmente. Confundi com CONTOS ERÓTICOS, o celebrado softcore nacional dirigido por quatro cineastas ilustres e que conta com a famosa cena de sexo de Cláudio Cavalcanti com uma melancia. COISAS ERÓTICAS, porém, tem a sua importância. Foi o primeiro filme de sexo explícito brasileiro, produzido quando a censura no Brasil começava a se tornar um pouco mais maleável e os pornôs estrangeiros começavam a desembarcar no país. Já eram um sucesso retumbante no exterior desde o final dos anos 60. Dado o grau de novidade, não era de se espantar que COISAS ERÓTICAS se tornasse um grande sucesso de bilheteria. Até hoje está no top 20 de filmes brasileiros mais vistos de todos os tempos.

Naturalmente o filme envelheceu bastante, mas consegue ser mais interessante de ver do que os pornôs atuais. Talvez porque não seja o tipo de filme que se assista como coadjuvante para o "sexo manual". Ver esses pornôs históricos é quase um estudo antropológico. Também pode funcionar como comédia. E nem chega a ser involuntária, pois os pornôs nacionais tinham mesmo esse ar anárquico, moleque. Um pornô atual, por exemplo, é até difícil ver do começo ao fim sem usar diversas vezes o fast forward do controle remoto.

COISAS ERÓTICAS é enxuto, as cenas de sexo não se estendem tanto como a dos pornôs de hoje e ainda tem um bom andamento narrativo. São três histórias de menos de meia hora. Duas dirigidas por Raffaele Rossi e outra por Laente Calicchio. As três têm os seus momentos excitantes. Na primeira história, homem e mulher se conhecem; ela leva o sujeito para uma casa de praia, onde ele conhece a filha dela, que vive tomando banho de sol nua perto da piscina. Na segunda história, dois casais se encontram para fazer um swing. Detalhe para a cena das duas mulheres se pegando na praia, enquanto um dos maridos apalpa a bunda do outro. Ainda levaria alguns anos até aparecerem os filmes pornôs gays e essa cena é um começo tímido. Essa segunda história também se destaca por começar com uma cena de sexo sadomasoquista, com chicote e tudo. A terceira e última história gira em torno de um triângulo amoroso entre um rapaz e mãe e filha. Destaque para a cena em que ele leva a mãe da namorada para um motel.

Como o pornô nacional demorou a apresentar moças que não parececem prostitutas de terceira categoria, naturalmente COISAS ERÓTICAS não prima pela beleza das meninas. Mas o filme tem muito mais tesão do que os novos exemplares nacionais, feitos como produto industrial.

quarta-feira, agosto 12, 2009

AMAR FOI MINHA RUÍNA (Leave her to Heaven)
























Adoro estes títulos nacionais antigos. Mas nem sempre eles são felizes em resumir o tema principal do filme. AMAR FOI MINHA RUÍNA (1945), por exemplo, dá a entender que se trata de um filme de dor-de-cotovelo, desses bem carregados de dramaticidade, talvez com um protagonista que afoga as mágoas no álcool. Mas não é bem o caso. O clássico de John M. Stahl se aproxima mais do horror do que do melodrama em sua trama sobre uma mulher que tem um ciúme tão intenso que consome não só a si mesma e ao parceiro, mas a todos ao seu redor. Aliás, AMAR FOI MINHA RUÍNA é um dos filmes mais difíceis de se classificar, coisa que pode ser considerada um mérito. Se é uma história de amor, é uma daquelas bem tortas e bizarras. Do ponto de vista da mulher, é a história de um amor possessivo demais, intenso demais. Do ponto de vista do homem, é o horror de viver ao lado de alguém que é capaz de matar por ciúme.

Para os fãs de Vincent Price, o ator aparece jovem, bem diferente do que acostumamos a ver nos filmes de horror que ele protagonizou nos anos 60 e 70. Na cena do tribunal, porém, ele já apresenta aquela persona toda própria, quase um vilão no modo como tenta derrubar o réu. Mas quem brilha mesmo no filme é Gene Tierney, a atriz que já havia ganhado uma aura de mistério na obra-prima LAURA, de Otto Preminger. Aqui, a fotografia em technicolor destaca os seus olhos verdes, que acentuam o aspecto felino de seu rosto.

AMAR FOI MINHA RUÍNA tem início numa sequência no trem, quando a personagem de Gene Tierney conhece o jovem escritor vivido por Cornel Wilde e fica o encarando, achando-o parecido com o seu falecido pai. Como ambos desembarcam na mesma cidade e suas famílias já se conhecem, ele acaba por se hospedar na casa da família dela. A relação que se forma é tão intensa que logo eles se casam. Mas o sujeito não imaginava que estava entrando numa fria e o tempo começa a fechar mesmo quando o casal vai passar uma temporada num chalé distante da cidade e ele leva junto o jovem irmão paralítico. Não demora muito para ela querer se livrar do menino, numa das cenas mais impactantes do filme, num lago.

Aliás, a cena é destacada por Martin Scorsese no livro (e no filme) "Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano". Acabei de receber o livro pelo correio e tem uma foto grande de duas páginas da Gene Tierney no barco, segurando os óculos escuros. Scorsese descreve Tierney no filme como uma mulher com "um rosto de anjo com o mais sombrio dos corações". E destaca o híbrido fascinante que é o do film noir em cores. A produção também é vista como um dos últimos representantes da era dos estúdios, com produção de David O. Selznick.

terça-feira, agosto 11, 2009

CONFISSÕES PROIBIDAS DE UMA FREIRA ADOLESCENTE (Die Liebesbriefe einer Portugiesischen Nonne / Love Letters of a Portuguese Nun)





















Fiquei surpreso ao ler numa review de um dvd de CONFISSÕES PROIBIDAS DE UMA FREIRA ADOLESCENTE (1977), mais conhecido como LOVE LETTERS OF A PORTUGUESE NUN, e saber que o filme foi inspirado nas famosas "Cartas Portuguesas", de Sóror Mariana Alcoforado. A não ser pelo fato de a protagonista ser uma freira atormentada, as histórias não têm nada a ver. O filme de Jess Franco lembra mais uma obra adaptada de Marquês de Sade. O que salta aos olhos nesta obra de Franco é o cuidado com a produção, com capricho na fotografia, na direção de arte, na música e até nas interpretações. Apesar de ser um nunsploitation, o filme até que economiza nas cenas eróticas e de nudez, dando ênfase na perturbadora história da jovem de quinze anos que é levada para um mosteiro gerenciado por um padre e uma freira satanistas.

Trata-se de um dos trabalhos mais respeitados do prolixo Franco. Até aqueles que não curtem muito o trabalho do diretor reconhecem que LOVE LETTERS OF A PORTUGUESE NUN é uma de suas mais felizes obras. O início do filme mostra a jovem experimentando o prazer natural de sua sexualidade que desabrochava junto a um rapaz num bosque florido. Até ser interrompida pelo padre satanista, que além de deixar a pobrezinha com complexo de culpa, ainda leva dinheiro da mãe da jovem e leva a menina para o mosteiro, onde ela come o pão que o diabo amassou, além de perder a virgindade para o próprio Satanás, numa das melhores cenas do filme. Franco imprime uma atmosfera de pesadelo misturado à excitação provocada pelo fetiche daquelas mulheres seminuas vestidas de freira junto à música "quase" religiosa que toca ao fundo, que provoca emoções contraditórias no espectador.

Pena que a cópia que eu consegui do filme tinha falhas na imagem. Mas nos momentos em que a imagem se estabilizava dava para perceber a sua beleza. E como o filme anterior de Franco que eu havia visto tinha sido HISTORIA SEXUAL DE O (1984), com aquele final bem perturbador, em LOVE LETTERS OF A PORTUGUESE NUN, Franco parece ter mais piedade da protagonista, mas não sem antes fazê-la sofrer e experimentar um pouco do que sofreu Joana D'Arc na fogueira. Aliás, se tem uma morte que mexe comigo é morte de fogueira. Sofri muito em filmes como O PROCESSO DE JOANA D'ARC, de Robert Bresson, e DIAS DE IRA, de Carl T. Dreyer. O mal que a igreja inflingiu no ser humano deixou feridas que demorarão muito a cicatrizar.

segunda-feira, agosto 10, 2009

SEGURANDO AS PONTAS (Pineapple Express)
























Fazia um bom tempo que eu não passava um fim de semana sem ir ao cinema. Geralmente isso acontecia quando eu viajava para o interior ou para alguma praia. Senti falta. Mas em casa deu pra eu ver algumas coisas. E continuando a apreciação das novas comédias americanas, cheguei a este SEGURANDO AS PONTAS (2008), que também é cria da turma de Judd Apatow e tem Seth Rogen como protagonista e roteirista. James Franco é o seu parceiro. Mas o mais bizarro de tudo é a direção de David Gordon Green, um cineasta que já chegou a ser comparado a Terrence Malick. Demorei a me acostumar com o fato de ele dirigir uma comédia tão boba e despretensiosa. Quer dizer, o filme tem os seus méritos, os seus momentos, mas não consegui ver muita graça no resultado irregular.

SEGURANDO AS PONTAS é uma comédia que satiriza os filmes de ação dos anos 80, onde no lugar dos parrudos da época, os heróis são dois maconheiros patéticos vividos por Seth Rogen e seu traficante de erva de primeira qualidade, James Franco, provavelmente no melhor papel de sua carreira. E o barato do filme está justamente em transgredir algumas regras, como apresentar um traficante de drogas como alguém muito gente boa. SEGURANDO AS PONTAS também é da safra de filmes que valoriza a amizade masculina acima do amor entre homem e mulher, o que leva a algumas das situações mais engraçadas, como a cena em que os dois amigos se encontram depois de uma briga e, como eles estão com as mãos atadas, o abraço dos dois é bem divertido. E a tentativa deles de se soltarem também resulta em outra boa piada. Como sátira de filmes de ação, SEGURANDO AS PONTAS também tem algumas boas cenas, em especial a da perseguição de carros, com James Franco dirigindo um carro de polícia roubado, depois de uma série de reviravoltas.

O fato de o filme apostar no ridículo nem sempre garante boas risadas, mas, como comédia é algo que também depende do ambiente, talvez o mesmo filme visto no cinema tivesse me provocado mais risadas, pois o riso é algo contagioso. A impressão que ficou pra mim foi que David Gordon Green não é um bom diretor de comédias, não tem um timing tão bom para o gênero quanto o próprio Apatow ou o diretor de SUPERBAD - É HOJE, até agora o filme mais engraçado da safra. Ou então o cineasta, para entrar no clima, também estava chapado, e deixou no ar uma certa preguiça típica de quem acabou de fumar um baseado. E falando em Gordon Green, conversando ontem com o meu amigo Zezão sobre a Zooey Deschanel e seu mais recente filme, me toquei que era ela a encantadora jovem de PROVA DE AMOR (2003). Deu até vontade de rever, já que na época que vi o filme não era fã da atriz ainda.

Atualmente David Gordon Green está trabalhando no roteiro do controverso remake de SUSPIRIA, de Dario Argento. Talvez devido à fraca repercussão de SNOW ANGELS (2007) ele esteja desencanando da ideia de ser um autor e esteja topando alguns trabalhos pouco comuns para a imagem que ele havia construído para si.

sexta-feira, agosto 07, 2009

A ESTALAGEM MALDITA (Jamaica Inn)
























Quando Alfred Hitchcock realizou A ESTALAGEM MALDITA (1939), ele já havia assinado contrato com David O. Selznick para trabalhar em Hollywood. Mas preferiu fazer um último filme na Inglaterra, enquanto ainda tinha tempo. E foi muito bom rever esse belo e subestimado filme do mestre. Não está entre as suas grandes obras, mas é um filme feito por um cineasta já em pleno domínio de sua técnica, o que já se torna uma obra fundamental. Na primeira vez que o vi foi através de uma exibição em telão no Centro Cultural Banco do Nordeste, naquele horário de meio-dia, quando o sono bate mais forte. E o sono me impediu de apreciar o filme, além de me fazer esquecer de muitas cenas. Portanto, era importante a revisão.

Uma das coisas que mais saltam aos olhos no filme é a presença deslumbrante de Maureen O'Hara, que se tornaria uma das atrizes mais queridas dos trabalhos de John Ford e que em A ESTALAGEM MALDITA aparece bem jovem, linda. Ela faz o papel de uma das personagens principais, mas como ainda era semidesconhecida, foi destacada nos créditos com um "and introducing Maureen O'Hara". Ela merecia mesmo ser tratada de maneira especial. Dois anos depois, ela estaria nos Estados Unidos encabeçando o elenco de COMO ERA VERDE O MEU VALE, de Ford.

A trama de A ESTALAGEM MALDITA se passa numa região litorânea bastante perigosa, alvo de saqueadores, que provocavam naufrágios de grandes navios no litoral rochoso para matar e roubar. Quem está por trás de tudo isso é o juiz de paz da cidade, vivido por Charles Laughton. O romance original de Daphne Du Maurier mostrava o personagem apenas no final da trama, como um whodunit, coisa que Hitchcock tratou, muito acertadamente, de mudar. Assim, desde o começo, já sabemos das artimanhas do tal juiz e Laughton imprime um ar sempre maquiavélico ao papel. Até um pouco exagerado, coisa que não agradou muito a Hitchcock.

Apesar de não ser um dos trabalhos mais queridos do mestre do suspense, é um filme de um vigor admirável, tanto narrativo, quanto atmosférico, muito disso devendo-se à textura da fotografia em preto e branco, que dá preferência à noite. Mesmo quando se passa em interiores, Hitchcock dá o seu toque especial. Destaque para a cena do enforcamento de um dos membros do bando de Joss, com uma visão de cima, do ponto de vista da personagem de O'Hara. A cena final de Laughton, no barco, também é antológica.

Para encerrar a fase britânica do mestre, um top dos filmes falados desse importante momento:

1. JOVEM E INOCENTE
2. OS 39 DEGRAUS
3. O HOMEM QUE SABIA DEMAIS
4. CHANTAGEM E CONFISSÃO
5. A ESTALAGEM MALDITA

quinta-feira, agosto 06, 2009

FEAR ITSELF – SOMETHING WITH BITE




















FEAR ITSELF foi uma série/antologia que definitivamente não deu certo. Mesmo tendo episódios memoráveis, como o sensacional SKIN AND BONES, de Larry Fessenden, em sua lista, não vai passar de uma versão enfraquecida de MASTERS OF HORROR (2005-2007). O fracasso foi tão grande que a série foi interrompida nos Estados Unidos e seus últimos cinco episódios ainda permanecem inéditos por lá, pelo menos até o lançamento do box contendo todos os episódios em dvd. SOMETHING WITH BITE (2009) faz parte da safra desses episódios rejeitados, mas que foram veiculados em canais a cabo de países da América Latina e disponibilizados em formato mp4 na internet.

Dirigido por Ernest Dickerson, que já havia realizado o péssimo THE V WORD (2006) na série MASTERS OF HORROR, o sujeito deve ter participado mais pela amizade com o produtor Mick Garris e também por ter se especializado em televisão, que é o grosso de seu currículo. E se em THE V WORD, Dickerson contava uma história boba de vampiros, agora é a vez dos lobisomens. A vantagem de SOMETHING WITH BITE em relação ao seu trabalho para a outra antologia é que por ser mais leve e ter pitadas de humor, muita coisa pode ser relevada, dependendo da boa vontade do espectador.

O fato é que SOMETHING WITH BITE não chega a ser de todo ruim. É uma diversão rasteira que passa voando. Nota-se claramente que a produção é bem barata, pois nem mesmo custear um efeito de transformação de lobisomem eles puderam. No máximo, arranjaram uma roupa de lobisomem comprada em alguma loja para festa à fantasia e umas lentes de contato coloridas para certas cenas. Nem parecem os efeitos visuais caprichados que a gente via nos melhores episódios de MASTERS...

Na trama, veterinário é mordido por uma espécie de lobo ferido, que vai parar em seu consultório. O animal morre, mas não sem antes mordê-lo. Ele é infectado e passa a curtir a sensação de se transformar em lobisomem à noite. Inclusive, isso passa a salvar o seu casamento, melhorando o seu desempenho sexual. Nem sempre a tentativa de provocar humor é bem sucedida e as pistas falsas são passadas de maneira desleixada. O único mérito do filme talvez seja mesmo a leveza descompromissada.

quarta-feira, agosto 05, 2009

PROFISSÃO LADRÃO / RUAS DE VIOLÊNCIA (Thief)





















Impressionante a semelhança de estrutura e de temática entre THIEF (1981) e o novo INIMIGOS PÚBLICOS (2009). Os filmes contam praticamente a mesma história, mudando basicamente os personagens e a época. Michael Mann já se mostrava, no início dos anos 80, um autor com suas obsessões. De certa forma, ambos os filmes adotam uma característica que hoje parece crua. Porém, nota-se em THIEF um cuidado bem maior com os diálogos, muito mais elaborados e herdeiros do cinema americano dos anos 70, nascido sob o signo da contracultura. THIEF - quando se tem dois títulos brasileiros, é bem mais fácil optar pelo original - tem um jeitão B estiloso e é bem representativo de sua época, com direito a trilha sonora com aqueles sintetizadores tipicamente oitentistas. O mesmo pode-se dizer de INIMIGOS PÚBLICOS, que, apesar de ser um filme de época, apresenta as características do imediatismo das filmagens de baixa resolução dos dias atuais.

Primeiro longa-metragem de ficção para cinema de Mann, THIEF apresenta Frank (James Caan) como o anti-herói que segue um estilo de vida perigoso, mas que tem suas recompensas: ele está sempre usando roupas chiques e relógios caros e dirigindo carrões de luxo. E não é porque seu negócio de vendas de carros usados está indo de vento em popa, mas porque Frank é um habilidoso ladrão de bancos, cuja especialidade é assaltar cofres à noite, dando preferência às pedras preciosas. Assim como o Dillinger de INIMIGOS PÚBLICOS, Frank também tem sua estabilidade ameaçada pelo amor de uma mulher e o desejo de constituir uma família. E assim como Dillinger, Frank também confessa à mulher que ama o que ele faz da vida de imediato.

Podemos sentir uma ética toda particular desses personagens, que apesar de agirem contra as normas da sociedade carregam uma crença na verdade e nos valores familiares, o que enriquecem-nos com ambiguidades. Assim como Dillinger, Frank já sofreu demais na cadeia; já perdeu muito tempo de sua vida. E o que mais ele quer agora é paz ao lado de uma mulher e um filho. E nisso, THIEF vai ainda mais longe, ao mostrar o doloroso processo de tentativa de formação de uma família por Frank.

E esperar dos filmes de Mann um final feliz seria uma ingenuidade ou coisa de quem nunca viu um filme do diretor. Assim, já se espera que as coisas darão errado e que tudo terminará em tragédia. É só questão de tempo. E esse processo de queda do personagem de James Caan dá início a partir de sua relação com a família de mafiosos que oferece a ele um trabalho vantajoso, que pode lhe adiantar a sua tão sonhada aposentadoria. Mais do que em INIMIGOS PÚBLICOS, que apresentava um protagonista mais fechado e pouco dramático, em THIEF, Michael Mann dá vida a um personagem que se torna bem mais próximo da empatia do público. E isso não deixa de ser mais um ponto a favor para esse belo trabalho.

Agradecimentos ao Renato, que foi quem me indicou o link para o filme e quem me ajudou a encontrar essa foto que ilustra o post.

terça-feira, agosto 04, 2009

A GAROTA IDEAL (Lars and the Real Girl)





















Nestes últimos dias, através de conversas mais intimistas e de pequenos flashes que chegam do meu arquivo de memórias, venho lembrando de algumas situações que, por pura imaturidade e timidez, ocorreram na minha adolescência. A primeira declaração de amor dita frente a frente a gente nunca esquece. E lembrei da pureza daquela menina que, durante uma noite de visitas a outras congregações (eu estava na igreja na época), foi confessar que estava apaixonada por mim. Ela se desnudou linda e corajosamente. Mas eu não estava preparado ainda e a timidez me deixou paralisado, com cara de idiota. Foi aos poucos que fui me interessando por ela. Meses depois, numa brincadeira de pura provocação nos muros da igreja, ela testemunhou o que seria o meu primeiro beijo (em outra garota), mas nunca chegamos a ficar juntos. Pensei em outros dois casos do passado, que podem revelar de mim um lado um pouco mais perverso ou arrogante, mas esse momento de maior inocência me pareceu mais apropriado comentar agora. Pode servir de ligação com o filme em questão.

A GAROTA IDEAL (2007), de Craig Gillespie, conta a história de um sujeito tímido que não consegue nem mesmo ser tocado pelas pessoas e que compra uma boneca com a anatomia muito semelhante a das mulheres para ser a sua namorada. Como se não bastasse, Lars (Ryan Gosling) ainda fantasia que ela é de verdade, que veio do Brasil (!) e que anda de cadeira de rodas. Seu irmão fica logo assustado, já que Lars estava mais doido do que nunca e, como se não bastasse, a psicóloga (Patricia Clarkson) ainda diz que não se deve contrariá-lo; deve-se deixá-lo sair por conta próprio de seus delírios. Assim, não apenas o irmão e a cunhada passam a apoiar a loucura de Lars, mas toda a cidadezinha onde ele mora, que acolhe a boneca Bianca como se fosse uma nova e querida moradora.

Talvez o problema de A GAROTA IDEAL seja esticar demais a piada, ainda que o tom não seja necessariamente de humor explícito. Há aquele jeitão tipicamente esquisito de filmes independentes americanos. O público ri das situações, mas aos poucos o filme vai ganhando um ar mais sério, com a evolução da situação de Lars. E não deixa de ser interessante a solução final, que mostra o processo de racionalização que um ser humano faz a ponto de chegar mais tranquilamente a um ponto importante de sua vida. Com naturalidade e sem traumas. Ou traumas inventados por pura conveniência. No fim das contas, o filme funciona como um pequeno conto sobre a negação da vida real e o despertar da consciência do ser humano.

segunda-feira, agosto 03, 2009

TINHA QUE SER VOCÊ (Last Chance Harvey)























"O inferno são os outros." Já dizia Sartre, sobre as relações humanas e o impacto delas na vida das pessoas. Mas também não se pode ficar alheio à vida. E impressionante como as coisas do coração são importantes para a vida das pessoas, a ponto de serem de longe o principal tema abordado pela música e de importância gigante nas demais artes. As coisas do coração afetam o bem estar ou o mal estar, contribuem para a alegria ou a tristeza, de uma maneira que nenhum outro campo da vida humana é capaz. Exceto, talvez, a saúde. Aliás, é sempre bom lembrarmos o quanto devemos estar gratos quando nossa saúde está pelo menos razoável e estamos prontos para enfrentar as porradas e as alegrias que a vida de vez em quando nos reserva. E como esses dias foram de inquietude mental e agitação social, e não consegui me concentrar nem em leitura nem em certos tipos de filmes, as obras que abordam romances acabaram descendo menos quadrado. Talvez porque eu procure alguma identificação nas histórias.

Assim, na tarde de sábado, em vez de ficar em casa sem conseguir produzir nada (e olha que eu deveria estar me dedicando com mais afinco ao meu curso de especialização), achei por bem ver este TINHA QUE SER VOCÊ (2008), que estreou nesse final de semana em Fortaleza. O filme, como bem disse o Sergio Andrade em seu blog, é um oásis no meio de tantos blockbusters barulhentos em cartaz, e aborda a solidão de quem já alcançou a maturidade e chegou num momento em que tudo parece perdido no que se refere aos relacionamentos.

Se por um lado, a vida da personagem de Emma Thompson segue o caminho normal das frustrações, o personagem de Dustin Hoffman está numa situação ainda mais difícil. Frustrado por usar o seu talento de músico de jazz para produzir jingles, ele viaja para a Inglaterra para o casamento da filha. Chegando lá, porém, ele se sente fora de contexto e devastado, ao ser constantemente substituído pelo padrasto da filha, inclusive em sua condução até o altar. Ao afogar as mágoas numa mesa de bar, ele conhece a personagem de Emma Thompson. E o resto é história.

A narrativa é fluida, as interpretações de Hoffman e Emma são de primeira classe, mas ainda achei que faltou mais sentimento no filme. Há um medo de escancarar as emoções que, se por um lado, salva o filme de se tonar uma possível novela mexicana, por outro o impede de ir além. Mesmo assim, é um trabalho muito simpático e que tem o mérito de tratar o amor entre pessoas mais maduras com naturalidade e sensibilidade. Os protagonistas andaram meio sumidos e apagados nos últimos dez anos, mesmo sendo tão bons. Emma Thompson, nos anos 90, era uma das melhores e mais requisitadas de Hollywood e hoje é subvalorizada. E Dustin Hoffman também não tem estado em muitos papeis de destaque ultimamente.