sexta-feira, junho 12, 2009

O CASAMENTO DE RACHEL (Rachel Getting Married)



Lembro que logo que entrei em contato com o cinema de Jonathan Demme, através dos filmes TOTALMENTE SELVAGEM (1986) e DE CASO COM A MÁFIA (1988), ele se caracterizava por ter uma vontade de abraçar o mundo, de fazer uma espécie de "world cinema", do mesmo jeito que havia a world music. Havia uma clara sintonia com David Byrne, o líder dos Talking Heads, para quem Demme chegou a dirigir um musical - STOP MAKING SENSE (1984). Depois que Demme ganhou o Oscar por O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991) e entrou definitavamente no cinema mainstream com FILADÉLFIA (1993), ele parece ter perdido um pouco dessa identidade. O CASAMENTO DE RACHEL (2008) é como um retorno a esse momento, já que há uma celebração da diversidade racial. A cerimônia celebra a união de uma moça branca com um rapaz negro, é feita à moda indiana e há de quase tudo na festa, inclusive, uma bateria de carnaval autenticamente brasileira. Não custa lembrar que antigamente os filmes de Demme terminavam com a frase "A luta continua", em português mesmo. Logo, sabemos da simpatia que o cineasta tem pelo Brasil. Há no filme uma vontade de fazer um cinema mais próximo do independente, de uma volta às origens, tanto que o diretor até convida o amigo e mentor Roger Corman para uma ponta.

Mas independentemente de se saber ou não do background do cineasta, seu novo filme - comparado por muitos com os trabalhos do Dogma 95 pelo registro semidocumental - é, acima de tudo, um impactante e doloroso mergulho na vida de Kym (Anne Hathaway), uma jovem recém-saída de uma clínica de reabilitação, depois de meses de tratamento. Da clínica, ela parte direto para a casa de sua família, onde acontecerá o casamento de sua irmã, Rachel (Rosemarie DeWitt). O filme vai entregando aos poucos os traumas daquela família, que não se resumem apenas ao fato de haver uma filha com um passado junkie, um filho falecido e uma mãe que abandonou a família para se casar com outro, interpretada por Debra Winger, abraçando de vez uma personagem mais madura. Dá até pra estabelecer comparações entre O CASAMENTO DE RACHEL e dois outros filmes que também lidam com famílias problemáticas reunidas em ocasiões especiais, como o francês UM CONTO DE NATAL e o brasileiro FELIZ NATAL.

Quanto à Anne Hathaway, ela nos brinda com sua melhor interpretação. Podemos ver o quanto ela é versátil. Mesmo em filmes mais comerciais, como AGENTE 86, já podíamos perceber isso. E é principalmente na relação de Kym com a irmã mais velha que reside alguns dos momentos mais belos do filme. As duas constantemente entram em conflito, sejam por razões mais sérias, sejam por coisas pequenas, mas é sempre muito bonito vê-las tentando se entender. No meio do fogo cruzado, e sempre tentando trazer um pouco de paz para aquele ambiente em estado de ebulição, está a figura do pai, que é também o elemento de união entre as duas famílias que estão se unindo pelos elos do matrimônio. Destaque também para as sequências de Rachel na reunião de viciados e da cena dela com a mãe, seguida pela sequência do carro. A câmera na mão, às vezes tremida, não chega a incomodar e contribui para imprimir verdade às situações. E é no limite entre o drama sombrio e trágico e a celebração da vida, entre o amargo e o doce, que O CASAMENTO DE RACHEL se situa. É desde já um dos melhores lançamentos no cinema deste ano de vacas magras.

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