terça-feira, junho 30, 2009

LOUCA PAIXÃO (Turks Fruit)





















O que aconteceria se Paul Verhoeven, o "o holandês maluco", filmasse uma história de amor? O resultado pode ser conferido em LOUCA PAIXÃO (1973), um dos melhores trabalhos da fase holandesa do cineasta. Quem está acostumado com o cinema de Verhoeven, repleto de sexo, sangue e violência, pode prever o que seria um romance com a sua marca. Em seu filme, os momentos de ternura tangenciam a escatologia. O casal vivido por Rutger Hauer e a bela ruivinha Monique van de Van desde o momento em que se conhecem passam por situações que o diretor não tem o menor pudor em tornar explícitas. Ela dá carona a ele, os dois batem o carro. Antes disso, ele passa por uma situação embaraçosa, quando prende o pênis no zíper e sai em busca de um alicate numa casa próxima. No dia do casamento dos dois, uma mulher grávida, que também está no grupo dos vários que vão se casar, sente dores e, pelo sangue no vestido branco, parece estar perdendo uma criança. Em outra sequência, a ruiva chora no banheiro, achando que suas fezes vermelhas são sinal de que está com uma doença grave. Ele examina as fezes com as mãos, as cheira e vê que é resultado da alimentação com beterraba. Tudo isso, que pode parecer nojento, é mostrado até com certa ternura. Mas uma ternura à maneira de Verhoeven, não havendo espaço para lágrimas ou algo do tipo. O que não significa que a paixão que ele nutre por ela não seja verdadeira. Na verdade, sentimos um pouco de sua dor no momento em que ela o trai, numa cena com os familiares dela reunidos numa mesa, rindo de forma escarnecedora. A cena mais parece um pesadelo.

Monique van de Ven se destaca como uma das mais belas musas dos filmes de Verhoeven. E isso não é pouco, levando em consideração as inúmeras beldades que abrilhantaram os trabalhos do diretor. É que ela tem uma aura de doçura que a destaca. Consta que a moça se casou com o diretor de fotografia do filme, Jan de Bont, em 1973. Não sei se eles se conheceram antes ou durante as filmagens. O fato é que era sua estreia no cinema e seu nome já se destacava mais do que o nome de Rutger Hauer. Os dois repetiriam a parceria no trabalho seguinte de Verhoeven, O AMANTE DE KATHY TIPPEL (1975). A maneira como ela é apresentada no filme é um verdadeiro sonho para aqueles que gostam de fantasiar. Sem muita cerimônia, o sujeito faz um elogio ao seu cabelo e pergunta se embaixo é vermelho também. Isso normalmente seria visto como uma ofensa, um ultraje, em algum filme americano. Mas na Holanda as coisas devem ser bem diferentes, a julgar pelos filmes de Verhoeven. A moralidade é outra e o cineasta faz questão de colocar os personagens nus ou fazendo sexo em lugares públicos ou de modo a ofender a instituição familiar, praticamente negada ou desrespeitada em toda a obra de Verhoeven.

Um ponto bem positivo em LOUCA PAIXÃO é a forma como o filme nos surpreende, através da técnica de criar falsas expectativas, dado o prólogo violento e que parece prenunciar uma história de ódio e vingança, ao mostrar o personagem de Hauer de maneira pouco simpática e até de natureza aparentemente sociopata. Rutger Hauer interpreta um artista plástico sem nenhum problema de autoestima. Para ele, é fácil levar qualquer mulher para a cama. Seu personagem vai ganhando a simpatia do público aos poucos. No início, há um certo distanciamento. A empatia com o público chega com a dor de cotovelo e chega próximo da compaixão no ato final, tão lírico quanto Verhoeven é capaz de ser. Vai ver, no fundo, o cineasta, nascido sob o signo de câncer, é um grande romântico que se recusa a demonstrar. Prefere levar a fama de cínico e rude.

segunda-feira, junho 29, 2009

JEAN CHARLES



Um filme bem frágil na dramaturgia, especialmente nas tentativas nem sempre bem sucedidas de emocionar, mas que tem uma narrativa envolvente e desperta a simpatia da audiência, muito por causa da presença de Selton Mello. Apesar da fragilidade dramática, JEAN CHARLES (2009) tem os seus momentos. Gosto especialmente da cena de Jean ligando para a mãe, no Brasil, informando que só poderá enviar o dinheiro no próximo mês. A cena dos três amigos chorando a morte do companheiro, perto do final, também chega a ser emocionante. Na maioria das vezes, contudo, as tentativas de Henrique Goldman de causar comoção na audiência é frustrada e forçada. Mesmo assim, o filme funciona tanto como retrato da situação dos imigrantes ilegais em Londres como da tragédia de repercussão internacional envolvendo o brasileiro Jean Charles de Menezes, morto pela polícia inglesa, ao ser confundido com um suspeito de terrorismo, durante um período de ataques às estações de metrô da capital britânica em 2005.

O diretor Henrique Goldman e o roteirista Marcelo Starobinas fizeram um trabalho de investigação antes de montar o roteiro. Um dos pontos positivos do filme foi o de mostrar um aspecto não tão agradável para a família de Jean Charles, que é o seu envolvimento com a emissão de passaportes ilegais. Mas que bom que havia isso para trazer mais emoção à trama. Imaginem se o filme só mostrasse o rapaz trabalhando e depois sendo morto. Só um grande cineasta conseguiria tirar algo bom de uma trama tão simples. Goldman usa um registro de ficção convencional com a utilização de imagens de arquivo de noticiários televisivos britânicos. Selton Mello, mesmo com sua persona forte, tem um carisma natural e traz entusiasmo para o filme. A jovem Vanessa Giácomo também consegue se destacar, especialmente nas cenas onde aparece sozinha.

O que mais nos deixa indignado é o fato de Jean Charles ter morrido com sete tiros na cabeça. O que demonstra uma brutalidade que não encontra justificativa, mesmo num cenário tenso de guerra ao terrorismo. Se o filme passasse com mais força essa indignação, com certeza ganharia mais respeito, tanto do público quanto da crítica. No lugar da indignação, o que mais fica é a tristeza, um sentimento de passividade e conformação diante da tragédia. Felizmente, o epílogo, que se passa depois de três anos da tragédia, dá sentido à trama e tem um ar poético. Outro ponto alto do filme é a participação de Sidney Magal, cantando num show para brasileiros em Londres o clássico "O meu sangue ferve por você", que tanto embalou a minha infância. Lendo uma entrevista de Henrique Goldman, soube que o que ocorreu na verdade foi que Jean Charles deu um jeito na aparelhagem de som de uma apresentação de Zeca Pagodinho, que até foi convidado para o filme, mas não pôde participar. A substituição por Magal não poderia ser mais acertada, tornando tudo mais divertido, especialmente quando vemos Selton Mello cantando a plenos pulmões junto com o público essa bela canção, tão carregada de latinidade, cafonice e paixão.

sábado, junho 27, 2009

O MISTÉRIO DO Nº 17 (Number Seventeeen)



E eu que estava achando que não tinha mais tanto filme ruim de Alfred Hitchcock antes de eu chegar nas pérolas de sua filmografia. Quem pensa que a fase britânica do mestre do suspense foi tão boa quanto a americana é porque ou não conhece os filmes ou quer parecer diferente. O MISTÉRIO DO Nº 17 (1932) é um dos filmes que eu acreditava ser mais divertidos dessa fase inglesa, já que de acordo com François Truffaut, o problema do filme era aparentemente a trama confusa, coisa que geralmente não me incomoda muito, principalmente quando eu já estou psicologicamente preparado para uma narrativa sem pé nem cabeça. Mas isso é algo que definitivamente não combina com Hitchcock, principalmente quando ele se mostra claramente desinteressado pelo projeto, empurrado à força para ele pela produtora britânica, que não sabia valorizar o diretor.

Depois do fracasso comercial do interessante RICH AND STRANGE (1931), que era um trabalho que dá pra sentir que foi feito com gosto pelo cineasta, os produtores quiseram compensar as perdas com um trabalho mais barato e mais comercial. Acho que de tanto ele se dar mal com a produtora, O MISTÉRIO DO Nº 17 foi a gota d’água: o último filme de Hitchcock para a British International Pictures. Achei até que ele demorou demais para encerrar o contrato com essa companhia. A única qualidade de O MISTÉRIO DO Nº 17 é a sua curta duração: pouco mais de uma hora. Se fosse um longo filme, com certeza estaria entre as piores obras de Hitchcock, junto com CHAMPAGNE (1928), JUNO AND THE PAYCOCK (1930) e, pelo que dizem, VALSAS DE VIENA (1933), que ainda não vi e é o próximo da lista. (Medo.)

Nas palavras do próprio Hitchcock para Peter Bogdanovich, ao falar de O MISTÉRIO DO Nº 17: "o filme era horrível"; para Truffaut: "um desastre". Claro que nem sempre temos que concordar com os próprios diretores quando eles falam de suas obras, mas aqui definitivamente é o caso. Uma coisa positiva no filme é que em certo ponto pode ser um precursor da comédia O TERCEIRO TIRO (1956), já que ele começa com um suposto cadáver, que depois desaparece. O que também é lembrado no filme como um de seus pontos altos é a cena da perseguição entre um ônibus e um trem, claramente duas maquetes, disfarçadas apenas pela fotografia em preto e branco em tom escuro. Mas até chegar nessa sequência, o filme exibe um ar de teatralidade que é um passo atrás do mestre, depois da graça e do esforço de fazer cinema de verdade que foi RICH AND STRANGE. O MISTÉRIO DO Nº 17 é mais um título a macular a felizmente vasta filmografia do mestre, que, ainda bem, não se deixou abalar por essa má fase e continuou perseguindo o seu melhor.

sexta-feira, junho 26, 2009

HUNGER



Um exercício de perseverança, HUNGER (2008), do estreante diretor que carrega o mesmo nome de um dos astros mais cultuados do cinema, Steve McQueen, requer do espectador um pouco de sacrifício. Mas ao ver a trajetória do ativista do IRA Bobby Sands (Michael Fassbender), percebemos que o nosso sacrifício para ver o filme não é nada. Afinal, o cara se doou pela causa. Usou o próprio corpo como arma numa situação onde não havia mais outra saída. E afinal, qual o sacrifício para o espectador? Além das cenas mais escatológicas e violentas e do processo de degeneração do corpo de Bobby na fase de greve de fome que é mostrada na parte final do filme, HUNGER também requer do espectador um pouco de paciência e boa vontade para assistir um longo take (16 minutos e meio) com a câmera parada mostrando um diálogo entre Bobby Sands e um amigo padre, quando ele se mostra decidido a iniciar a campanha de greve de fome. Essa cena foi concluída com sucesso na quarta tomada. O plano-sequência do diálogo, inclusive, é uma exceção num filme onde prevalece a quase ausência de diálogos. Steve McQueen aposta na força narrativa das imagens, belamente estruturadas no formato scope. Atenção para a bela e impactante sequência dos guardas do presídio na tentativa de abortar uma rebelião dos presos, que ficavam confinados nus em suas celas. Enquanto o pau comia, um dos guardas, no canto direito da tela, chorava escondido.

Há também uma longa cena de um sujeito limpando o corredor cheio de urina do presídio, que também está bem fora dos padrões do que se costuma ver em filmes mais convencionais. Aliás, não há muito de convencional em HUNGER. É um filme corajoso em diversos aspectos, difícil de ser distribuído tanto no circuito comercial quanto no hoje comportado circuito "de arte". Teriam que passar talvez com um aviso para pessoas mais sensíveis, já que não deve ser comum durante as sessões do filme mundo afora pessoas saindo no meio. Por isso, acho bem difícil HUNGER chegar a ser exibido nos cinemas brasileiros, mas deve ter o seu lugar no mercado de vídeo. Uma coprodução Reino Unido/Irlanda, a obra registra um momento especialmente difícil para os ativisitas separatistas da Irlanda do Norte na época da mão de ferro da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

Curiosamente, o protagonista não é apresentado logo no início. É preciso cerca de meia-hora para que o filme crie coragem e mude o foco para ele. Até então, o ponto de vista é de um outro preso político que divide a cela com Bobby Sands, que naquela altura já pintava as paredes do lugar com suas próprias fezes. Alguém que consegue dormir na merda, consegue fazer qualquer coisa para alcançar seus objetivos. Levar bordoada dos guardas e ficar cheio de hematomas é fichinha e até deve fazer parte da diversão. As cenas que mostram o corpo esquelético do ator Michael Fassbender são ainda mais impressionantes do que ver Christian Bale só o coro e o osso em O OPERÁRIO. Fassbender foi monitorado por médicos durante sua difícil e dolorosa dieta para chegar naquele estado físico. Em certa altura, um dos médicos resume qual a repercussão da falta de alimento no corpo. Ainda assim, esperava algo ainda mais chocante. Acho que depois de MARTYRS, de Pascal Laugier, eu fiquei calejado.

quinta-feira, junho 25, 2009

ENRAIVECIDA - NA FÚRIA DO SEXO (Rabid)





















Ainda que não seja tão bom quanto CALAFRIOS (1975), o segundo filme da trilogia B de David Cronenberg, ENRAIVECIDA - NA FÚRIA DO SEXO (1977), segue a mesma linha do seu predecessor e é também um ponto alto da carreira do cineasta. A seu favor, uma Marilyn Chambers linda, vinda do cinema pornô e com uma doçura no olhar e uma performance surpreendentes. Muito do mérito do filme está em sua presença. O prólogo, com uma cena de acidente, faz lembrar CRASH - ESTRANHOS PRAZERES (1996) e, como Cronenberg é interessado especialmente no corpo e suas mutações, nada mais natural do que um acidente para modificar ou destruir carne e ossos. O acidente acontece quando a personagem de Chambers e o namorado, os dois numa moto, se chocam com uma caminhonete. Ela fica num estado pior que ele, tendo perdido boa parte do tecido do abdômen, ficando com suas entranhas expostas. Para a sorte deles - ou azar -, eles estão próximos a uma clínica onde um médico desenvolve novas pesquisas sobre regeneração de tecidos. E é para lá que eles são levados. O rapaz não sofre muitas lesões, mas ela fica em estado grave e é submetida às experiências do tal médico. O que não se esperava era que, com o resultado de tais experiências, ela adquirisse uma espécie de ferrão na axila. Um ferrão que a torna sedenta de sangue e que contamina suas vítimas, que ficam como zumbis raivosos, espumando pela boca.

ENRAIVECIDA - NA FÚRIA DO SEXO tem um registro mais sério e realista do que o anterior, que tem um andamento melhor resolvido e um clima de diversão mais aparente. Nos anos 80, com a proliferação da AIDS, o filme foi considerado profético, já que a mulher que contamina as pessoas é "apenas" a portadora do "vírus", não morre, enquanto que os demais ficam doentes e também contaminam outras pessoas. Ainda assim, há uma semelhança forte entre os dois filmes, que podem ser considerados "irmãos". Ambos são variações inteligentes de filmes de zumbis, que carregam em sua herança genética o DNA de seu autor, obcecado por mutações no corpo humano. E, ao contrário do que se imagina, ENRAIVECIDA - NA FÚRIA DO SEXO não é tão erótico quanto CALAFRIOS, mesmo sendo generoso com o espectador ao mostrar a nudez de Marilyn Chambers, ainda que de maneira sutil e que nunca rouba o real interesse do filme, que é a trama de horror e o drama dos personagens. E, diferente do anterior, as pessoas contaminadas não têm a sua libido aumentada. Logo, o subtítulo nacional é bem picareta.

Vale lembrar que é em ENRAIVECIDA que aparece primeiro a figura do orifício que lembra um ânus, situado na axila da protagonista. O orifício que se mexe como se tivesse um músculo seria explorado novamente e com mais ênfase em obras posteriores, como MISTÉRIOS E PAIXÕES (1991) e EXISTENZ (1999). Entre os momentos gore, destaque para a cena do médico enlouquecido durante um procedimento cirúrgico e cortando os dedos da enfermeira com um bisturi para sugar o seu sangue. Se Cronenberg, no trabalho anterior, mesmo com um orçamento apertado, já havia dado um show de elaboração de efeitos especiais e de maquiagem, em ENRAIVECIDA, seu talento mostra-se aprimorado. Estou ansioso para ver como será minha revisão de THE BROOD - OS FILHOS DO MEDO (1979), que lembro de não ter gostado muito quando vi pela primeira vez, em VHS. Sinto que vou gostar bem mais agora.

P.S.: E ontem a grande notícia do dia para os interessados em cinema foi a decisão da Academia de aumentar a quantidade de indicados à categoria principal do Oscar para dez. Qual será a repercussão disso para o mercado? Vamos aguardar para ver qual será o resultado dessa presepada.

quarta-feira, junho 24, 2009

MINHAS ADORÁVEIS EX-NAMORADAS (Ghosts of Girlfriends Past)



"Um Conto de Natal", de Charles Dickens, já rendeu muitas adaptações para o cinema e para a televisão no mundo todo. Inclusive até o pato mais sovina dos quadrinhos, o Tio Patinhas, já foi o protagonista. MINHAS ADORÁVEIS EX-NAMORADAS (2009) é mais uma e o título brasileiro não é tão feliz quanto o original, que enfatiza a fonte original de inspiração para o longa de Mark Waters, que tem no currículo dois belos filmes: MENINAS MALVADAS (2004) e E SE FOSSE VERDADE (2005). Infelizmente, o cineasta não repete a excelência desses dois trabalhos no novo filme, que parece sofrer uma influência de CLICK, aquela comédia com o Adam Sandler que fez tanta gente chorar no final. Uma das razões para eu não gostar do filme é o protagonista. Não sei porque eu não vou muito com a cara do Matthew McConaughey. E nem é porque eu nunca aprendo a escrever o sobrenome dele. Ele até faz um tipo cínico conveniente com o personagem, mas acredito que falta ao astro maior carisma. Será que ele faz tanto sucesso assim com o público feminino a ponto de protagonizar tantos filmes comerciais? Para os fãs de Jennifer "ALIAS" Garner, o filme é uma chance de vê-la fazendo um papel simpático, embora esteja longe de ser tão adorável como deveria. E talvez nem seja culpa dela, mas do filme mesmo, em especial do roteiro, que é meio óbvio e bobo demais, feito pela mesma dupla de SURPRESAS DO AMOR (2008).

Li uma vez no blog do Sergio Alpendre sobre os limites de tolerância para a pieguice. E eu sou daqueles não muito exigentes. Até gosto de um bom filme carregado nas tintas. Mas quando o trabalho é mal feito, fica difícil gostar, embora tenha percebido que várias pessoas, especialmente mulheres, choraram em determinadas partes do filme. Talvez se eu tivesse visto o filme em outro momento, minha reação fosse diferente, mas duvido muito. Na verdade, eu já nem sou tão fã assim do conto (ou novela) de Charles Dickens, que li na faculdade, no original, e achei bem chatinho. Felizmente li outras coisas de Dickens que me ajudaram a ficar com uma imagem melhor dele em minha mente. A adaptação do conto se dá de maneira até inteligente: McConaughey faz o papel de um sujeito que tem a fama de ser mulherengo e de sempre no final dar um pé na bunda das moças sem a menor piedade. No dia do casamento de seu irmão mais novo, ele recebe uma visita do fantasma do tio falecido (Michael Douglas) que avisa que ele será visitado por três fantasmas. A primeira fantasma o leva para o passado, quando ele vê sob outra perspectiva os erros que cometeu e o quanto Jenny, a personagem de Jennifer Garner, foi importante para ele desde a infância. As outras duas fantasmas vão mostrar o seu presente e o seu futuro.

O filme é declaradamente moralista, o que não chega a ser nenhuma surpresa ou demérito, tendo em vista a fonte. O problema é que falta aquele tempero mágico que transforma coisas aparentemente bobas em algo especial. O próprio tema seria um prato cheio para muita gente, afinal, quantas vezes não desejamos mudar algo em nossa vida? Consertar burradas que cometemos? Mas por uma série de motivos já mais ou menos mencionados, o filme naufraga em suas intenções. Pelo menos comigo falhou. Curiosamente, o projeto inicialmente era para ter sido protagonizado por Ben Affleck. Acabou que foi parar, depois de anos engavetado, nas mãos de sua atual esposa.

terça-feira, junho 23, 2009

A MANSÃO DO INFERNO (Inferno)





















A primeira vez que vi A MANSÃO DO INFERNO (1980) foi em 2003, num VHS enviado pelo sumido amigo Fábio Ribeiro, junto com outros dois títulos de Dario Argento. O blog já existia e eu até comentei os três filmes de maneira muito rasteira na época. A cópia era de um dvd americano, sem legendas. Como tenho um ouvido muito ruim, perdi muita coisa do áudio em inglês, mas isso acabou por tornar o filme ainda mais misterioso pra mim, já que eu me concentrei mais na força das imagens, que são espetaculares. A cena em que Irene Miracle desce para pegar uma chave numa espécie de poço localizado num porão tem uma força imagética tão grande que parece saída dos próprios sonhos. E há todo um cuidado com o som - o silêncio, o som da água e a trilha sonora de Keith Emerson combinados alcançam a perfeição nessa sequência.

Rever o filme agora legendado, em português (quem diria?), graças às maravilhas dos fóruns de compartilhamento, era ao mesmo tempo uma obrigação e um previlégio. Não só por eu ser fã do filme, mas também como um preparativo para ver O RETORNO DA MALDIÇÃO - A MÃE DAS LÁGRIMAS (2007), terceira parte da trilogia das mães iniciada com SUSPIRIA (1977). Senti que precisava rever A MANSÃO DO INFERNO para então poder conferir o aparentemente mal recebido final da trilogia. O filme é puro delírio visual. Não adianta procurar muito sentido, pois na verdade não há. O segredo é deixar-se levar pela atmosfera onírica e pelo clima de mistério que pontua a trama, que tem como centro Nova York, mas que também tem uma sequência em Roma. Aliás, eu diria que, depois do filme, não vou ouvir mais "Va'pensiero", terceira parte de "Nabucco", de Giuseppe Verdi, da mesma maneira. Eu já tenho um carinho especial por essa música, pois atribuo a ela um gosto pela melancolia que se deve principalmente à inteligente sacada de Renato Russo de encerrar o seu álbum de canções italianas com ela ao som de uma tempestade.

A trama do filme gira em torno de um livro lido pela personagem de Irene Miracle que fala sobre três mães bruxas: Mater Suspiriorum, Mater Tenebrarum e Mater Lacrimarum e dos locais que elas ocupam. O livro foi comprado de um antiquário e o prédio onde ela vive é uma construção antiga. Estranhamente, as paredes dos interiores são pintadas de vermelho, o que é bem conveniente para a utilização da paleta de cores de Argento, discípulo do mestre Mario Bava também na construção de ambientes. Aliás, não tem como não apreciar o cinema do diretor se não se levar em conta a direção de arte. Pois bem, a tal jovem italiana residente nos Estados Unidos, prevendo que está passando por uma situação de perigo e num ambiente de horror, envia uma carta para o irmão, estudante de música em Roma. O irmão, seguindo uma mulher misteriosa que aparece com um gato durante a aula, deixa a carta com a colega de classe, que acaba ficando obcecada e interessada pelo livro das três mães. E sofre as consequências por isso. E falando em gato, quem gosta dos bichos de andar elegante e olhar misterioso pode ficar um pouco desconfortável com a cena do velho do antiquário com um saco de gatos, pronto para matar os bichos afogados. E essa cena, e o modo como ela termina, só confirma o formato de filme em esquetes de A MANSÃO DO INFERNO. Pois, aparentemente, não há nenhuma relação entre o assassino do velho e a trama envolvendo o prédio e as bruxas. Mas de vez em quando é bom jogarmos fora a lógica e nos deixarmos levar pelo fluxo da narrativa, assim como as personagens adentram lugares secretos em edifícios. E com a vantagem de não termos o mesmo fim trágico delas.

segunda-feira, junho 22, 2009

LOKI - ARNALDO BAPTISTA



O que dizer de LOKI - ARNALDO BAPTISTA (2009)? O documentário é tudo que eu esperava e muito mais. Até me senti um pouco "abutre", querendo que o filme enfatizasse os aspectos mais marcantes e traumáticos da vida de Arnaldo Baptista - sua relação com Rita Lee, o envolvimento com o LSD, sua tentativa de suicídio e as sequelas que ele carrega até hoje. E o filme não se acovarda e nem soa sensacionalista, lucrando com as desgraças do artista. Pelo contrário, não tem como não perceber em todos os envolvidos com o projeto um carinho e uma admiração enormes por esse homem especial cuja importância na história da música brasileira até hoje é subestimada. E o documentário coloca o músico no merecido lugar no panteão dos grandes artistas. Pena que para isso seja necessário o aval até do filho do John Lennon, que aparece entre aqueles que dão seus depoimentos.

O diretor Paulo Henrique Fontenelle tem a sabedoria de não querer inventar muito. Seu registro é convencional, dentro da estrutura do documentário, mas a força da história de vida de Arnaldo, das preciosas imagens documentadas dos Mutantes no auge e no declínio, passando pela fase de depressão emocional e loucura do artista até o momento da emocionante reunião do grupo (sem Rita Lee) já são suficientes para tornar o filme imperdível. Mas os depoimentos tornam tudo ainda mais rico. Vê-se diversas vezes as pessoas com aquele brilho especial no olhar, ao lembrar de determinados momentos em que suas vidas se cruzaram com a do cantor e compositor. Entre aqueles que dão seus depoimentos, os mais conhecidos são Sérgio Dias, Gilberto Gil, Tom Zé, Lobão, John Ulhôa, Zélia Duncan, Nelson Motta, Rogério Duprat, Roberto Menescau e Liminha, embora pessoas menos conhecidas e mais ligadas à intimidade do artista tragam depoimentos ainda mais importantes.

As imagens de arquivo são brilhantes, flagrando momentos de plena alegria de Arnaldo, quando ele estava completamente apaixonado por Rita Lee - linda nos anos 60, como pode também ser visto no filme AS AMOROSAS, de Walter Hugo Khouri, que conta com uma performance dos Mutantes. Pequenos detalhes, como o olhar de completa devoção por ela nos shows mostram o seu grau de paixão e adoração. Sente-se a falta de Rita Lee no documentário, mas é até compreensível sua ausência. Talvez ela ainda guarde mágoa dele, principalmente depois do que ele fez, ao tentar se matar no dia do aniversário dela. Rita Lee também se negou a participar dos shows de reunião dos Mutantes, sendo substituída por Zélia Duncan. E por falar no show de reunião, como não se emocionar ao ver Arnaldo cantando com Tom Zé "Qualquer bobagem"? E como não sentir um prazer tremendo ao ver um público gigante cantando junto com a banda a "Balada do louco", sabendo da dimensão que essa canção ganhou com o histórico de vida de Arnaldo Baptista?

Outro acerto do filme é a escolha pela ordem cronológica dos acontecimentos. Depois de uma pequena introdução que registra um pouco do momento atual, o filme não perde muito tempo na infância do artista e parte direto para o que interessa, que é a formação dos Mutantes. Nota-se desde o início que Arnaldo tinha uma personalidade muito alegre, quase inocente. Rita Lee foi sua primeira namorada, sua primeira mulher. E ele não aguentou a barra quando ela o abandonou e deixou a banda. Quando Arnaldo também deixa os Mutantes, aí é que o clima fica triste mesmo, como atestam muito bem o baterista Dinho Leme e o baixista Liminha. Era o fim. Mas também era o início de uma fase solo, que embora muito sofrida, resultou num disco histórico, LÓKI? (1974), considerado por muitos um dos maiores discos da música brasileira. É também o disco onde se pode ver a persona desnuda do artista.

Uma das coisas que mais mexem comigo é afirmação de felicidade na letra de "Balada do Louco". Eu fico imaginando se ele está sendo sincero quando diz ao final da canção "eu sou feliz". Talvez esteja, já que em seu atual estado parece ter revertido à mente de uma criança, embora fale com lucidez de tudo que passou, dos momentos mais dolorosos. Em certo momento, Liminha chega a atribuir um pouco da culpa do fim da banda e das sequelas de Arnaldo ao contato com o LSD. Ele parece se sentir um pouco culpado por isso. O irmão Sérgio Dias também se sente culpado por ser mais um daqueles que não compreendiam Arnaldo, que o consideravam um louco durante os anos de silêncio e afastamento. E sentimentos como culpa, carinho, amor, rejeição, solidão e euforia se misturam. Ver o filme é mergulhar um pouco nesse oceano de emoções.

sexta-feira, junho 19, 2009

LABIRINTO DE PAIXÕES (Laberinto de Pasiones)



Sinto que minhas lembranças dos filmes de Pedro Almodóvar estão ficando meio turvas. Trata-se de um cineasta de quem acompanho a carreira no cinema há bastante tempo. Por isso está sendo muito bom ter a chance de ver obras que ainda não vi e poder rever algumas outras, sob outra ótica, quase como se fosse a primeira vez, seguindo a leitura do livro "Conversas com Almodóvar", de Frederic Strauss. Assim, chego a LABIRINTO DE PAIXÕES (1982), segundo longa-metragem do diretor e até então inédito para mim. Como fiquei bem entusiamado com o espírito punk e anárquico de PEPI, LUCI BOM E OUTRAS GAROTAS DE MONTÃO (1980), decepcionei-me um pouco com uma maior "domesticação" no segundo trabalho de Almodóvar. Também percebi que é um filme que tem personagens demais e passa a impressão de que o diretor não conseguiu dar conta de tanto personagem. Ainda assim é um filme que tem momentos bem engraçados e que segue o espírito da obra anterior. A simpatia pelo filme já começa pela protagonista, que é uma atriz que eu adoro: a argentina Cecilia Roth. Ela já havia aparecido no filme anterior de Almodóvar, mas num papel bem menor, de apresentadora de televisão.

O início do filme já mostra a tara da personagem por homens. Enquanto ela passeia pelas ruas de Madri, vemos closes das pélvis dos transeuntes. Sua personagem, indo até um consultório de uma terapeuta, comenta que sofre de fotofobia. Não deixa de ser curioso esse detalhe, já que o próprio Almodóvar confessou sofrer desse mal. Quem também é motivo de interesse no filme é o jovem Antonio Banderas, que se tornaria o mais famoso ator espanhol do mundo, apesar de sua carreira atualmente em Hollywood não estar tão bem. Hoje, Javier Bardem, que também já trabalhou com Almodóvar (em CARNE TRÊMULA, 1997), é que é o grande astro espanhol da atualidade. De todo modo, Banderas deve muito de sua fama internacional a Almodóvar, com quem ainda faria mais quatro filmes.

LABIRINTO DE PAIXÕES foi um filme que teve menos apoio da crítica e mais sucesso de público que o anterior. O que é compreensível, já que é um filme menos ácido, um pouco mais comportado e com cenas mais engraçadas, como as piadas envolvendo flatulências - a cena do elevador é de provocar boas gargalhadas. Inclusive, pode-se dizer que as cenas mais engraçadas são justamente dos coadjuvantes. Como a série de sequências que mostram a jovem que é constantemente abusada sexualmente por seu próprio pai, que ficou perturbado com a fuga da esposa e toma remédios para aumentar a libido e pensa que a filha é a esposa desaparecida.

A trama principal gira em torno de Sexilia (Cecilia Roth), a ninfomaníaca que se apaixona pelo filho do imperador de Tirão (acredito eu, um país fictício), que não por acaso é homossexual. Perto do fim do filme, um flashback explicativo e em tom de deboche vai mostrar a razão pelo qual tanto Sexilia quanto o filho do imperador se tornaram, respectivamente, ninfomaníaca e homossexual. Pareceu-me uma solução um tanto contraditória e estranha para um cineasta tão abertamente gay quanto Almodóvar procurar origens traumáticas para mostrar porque um garoto se torna homossexual e porque uma mulher é tão obcecada por sexo, quando a tendência hoje é acreditar que esse tipo de quadro vem da própria genética, já nasce com a pessoa. Mas não deixa de ser mais um dado a se refletir sobre a personalidade do diretor impressa em seus filmes.

quinta-feira, junho 18, 2009

ASSALTO AO TREM BLINDADO (Quel Maledetto Treno Blindato / The Inglorious Bastards)




















E o aquecimento para a chegada de BASTARDOS INGLÓRIOS, de Quentin Tarantino, continua. Nada mais natural do que chegar à principal referência da obra de Tarantino, que é, obviamente, ASSALTO AO TREM BLINDADO (1978), de Enzo G. Castellari. Não sei o quanto Tarantino modificou nessa sua livre adaptação. Provavelmente deve ter aproveitado apenas a ideia básica, mas com certeza deve ter saído um filme muito melhor, até porque a produção de Castellari só deve ser lembrada mesmo por aqueles que gostaram do filme na infância ou adolescência. A comédia de guerra italiana é um samba do crioulo doido com um enredo que parece ter sido feito durante as filmagens, sem uma antecedência prévia. Se não fosse Tarantino, o filme de Castellari continuaria restrito à apreciação de fãs de filmes de gênero italianos. Depois de Tarantino, ASSALTO AO TREM BLINDADO ganhou até mesmo uma edição especial tripla em DVD no Estados Unidos! Antes de mais nada, quero dizer que não sou exatamente fã do diretor italiano. Nem mesmo o tão elogiado spaghetti western KEOMA (1976) fez a minha cabeça. E o outro filme que tinha visto dele numa exibição na Band foi JONATHAN E O URSO (1993), que é bem fraquinho. Pelo que vi no IMDB, Castellari está se aproveitando do hype em torno de BASTARDOS INGLÓRIOS para lançar um tal de CARIBBEAN BASTERDS e garantir uns trocados. É a velha e boa picaretagem italiana, que continua viva.

ASSALTO AO TREM BLINDADO é bem movimentado e foi inspirado no clássico OS DOZE CONDENADOS, de Robert Aldrich, filme que infelizmente até hoje não vi. No filme de Castellari, os protagonistas são prisioneiros de guerra sem o menor escrúpulo que fogem depois que o caminhão de prisioneiros é atacado por um avião nazista. A missão deles passa a ser fugir até a Suíça, local neutro durante a guerra. Alguns membros do grupo são engraçados. Um deles é racista e fica enchendo o saco do negro do grupo (Fred Williamson, astro de vários filmes B nos anos 70-90); outro é especialista em falsificação; outro é viciado em apostas, outro tem ataques de pânico. Bo Svenson, outro astro de filmes B americanos, é o tenente que foi preso por deserção. A personalidade dos membros da trupe é notada ao longo das várias sequências de ação do filme, o que não deixa de ser uma decisão inteligente e objetiva dos roteiristas e do diretor.

O tal trem blindado do título brasileiro só é mostrado no último ato, já que o filme tem caráter episódico. Não é possível fazer uma sinopse que sintetize a ação, que se modifica a todo o momento. Entre os destaques do filme está o momento em que eles se disfarçam de soldados alemães, já que um deles fala alemão e pode falar pelos outros, sempre que der de cara com um grupo de nazistas. Como a história se passa na França em 1944, momentos antes de a guerra acabar, a espectativa do fim da guerra está no ar. Enquanto isso, os "bastardos inglórios" têm que se virar para sobreviverem e escaparem, já que são caçados tanto pelos aliados, quanto pelos nazistas. Como um bom exploitation italiano, não poderia faltar cenas de mulheres nuas. Na tal cena, um grupo de mulheres alemãs toma banho nuas num rio, quando o bando resolve se juntar e fazer uma festinha. As meninas vão embora assustadas quando aparece Fred Williamson. Não faltam tiros e contagem de mortos o tempo inteiro, com pedaços de carne voando por todos os lados, embora nenhuma cena de violência tenha sido especialmente memorável pra mim. Sei que eu e mais um monte de gente estamos mesmo é interessados em ver a versão de Tarantino dessa história de guerra. Enquanto isso, dêem uma conferida no belo cartaz italiano de BASTARDOS INGLÓRIOS, que o Leandro publicou em seu blog.

quarta-feira, junho 17, 2009

MONSTROS VS ALIENÍGENAS (Monsters vs Aliens)























Não sei o que me aconteceu no dia que fui ver MONSTROS VS ALIENÍGENAS (2009), há quase três semanas. Desde a inauguração da sala 3D em Fortaleza que o filme era a minha primeira opção para a apreciação da nova tecnologia. Felizmente eu comecei com o pé direito, com o musical U2 3D, já que mais uma vez uma animação da Dreamworks não me agrada. Pior: eu senti náuseas e acabei ficando doente o dia inteiro, sem disposição para fazer mais nada. Talvez o filme tenha me pegado num dia em que não estava com minhas defesas muito boas e com crise de labirintite. Talvez eu tenha comido alguma coisa no almoço que potencializou esse mal estar, associado aos efeitos visuais e o uso dos óculos especiais. Por causa disso, não devo voltar a ver um filme em 3D tão cedo. Só quando eu julgar importante. E de preferência levarei um pouco de sal de fruta pra tomar com água.

Tinha me recusado a ver MONSTROS VS ALIENÍGENAS nas salas convencionais, já que só tinha chegado cópia dublada aqui e um dos atrativos do filme para mim era poder ouvir as vozes de Hugh Laurie, Seth Rogen, Reese Witherspon, Kiefer Sutherland e Rainn Wilson. Aliás, um dos principais méritos dessas animações da Dreamworks é a dublagem original. Desde FORMIGUINHAZ (1998), que contava com a voz de Woody Allen, passando por BEE MOVIE (2007), que trouxe Jerry Seinfeld, que os desenhos da companhia se caracterizaram por ter esse diferencial de luxo. Mas apesar de todas essas participações especiais, a animação da Dreamworks nunca chegou a ter a excelência e a graça das produções de sua grande rival, a Pixar. Eu, particularmente por odiar SHREK (2001), acabei ficando cismado com os filmes da companhia. Todas as animações que vi da Dreamworks me parecem excessivamente desleixadas e descompromissadas, o que faz com que eu fique sem a menor empolgação. Em geral, os filmes me dão sono, por mais que tenha um verniz luxuoso. É o caso de lixo embrulhado com papel de presente.

Aparentemente, a intenção de MONSTROS VS ALIENÍGENAS é fazer uma homenagem aos filmes de monstro e de ficção científica dos anos 50, mas o resultado final não foi dos mais felizes. O formato da trama é de sessões da tarde tradicionais, com muita ação, muito barulho e um clímax convencional. O filme até que começa bem, mostrando os preparativos para o casamento da jovem que devido a um contato com um meteorito cresce na altura de quinze metros. Ela é capturada pelos militares, que a deixam presa num local cheio de monstros. Ela e os seus amigos monstros serão as armas secretas dos americanos para conter o ataque de um robô alienígena. Mais chato do que a moça e os amigos monstros, só mesmo o líder anienígena cabeçudo. Foram quinze reais mais despesas com estacionamento, alimentação e combustível que poderiam ter sido melhor utilizados. Mais sorte na próxima vez.

terça-feira, junho 16, 2009

INTRIGAS DE ESTADO (State of Play)























Uma boa surpresa este INTRIGAS DE ESTADO (2009), adaptação hollywoodiana de uma minissérie inglesa da BBC. O começo do filme chega a ser um pouco confuso, dando a impressão de que foi fruto de um trabalho ruim de edição, mas felizmente, quando o diretor Kevin MacDonald resolve se aquietar, parar com as picotagens excessivas e as câmeras tremidas e se concentrar mais nas boas interpretações dos astros, o filme entra nos eixos. Até porque seria um desperdício não aproveitar os desempenhos de Russell Crowe e Rachel McAdams. E apesar de o elenco de apoio não ficar atrás (Ben Affleck, Helen Mirren, Robin Wright Penn), é o casal de protagonistas quem dá um show, aproveitando papéis que estão entre os melhores de suas carreiras.

A caracterização de Russell Crowe, como um repórter especial do Washington Post, é das mais interessantes. Ele é um sujeito gordo, de cabelos desgrenhados, pouco afeito a luxo e bens materiais (continua com um velho carro), e com uma vida tão tumultuada e bagunçada quanto seu local de trabalho, o banco traseiro de seu carro e seu próprio apartamento. Pra completar, ele teve um caso no passado com a mulher de seu melhor amigo, o congressista vivido por Ben Affleck. Rachel McAdams, adorável, é uma jovem jornalista que tem planos de subir na vida. Por enquanto, ela é colunista do blog do jornal e inicialmente é tratada mal pelo personagem de Crowe, que desvaloriza os blogues e as notícias em tempo real do mundo de hoje, que valoriza mais a rapidez do que a qualidade no conteúdo.

O assassinato da assessora do congressista e as fofocas que dizem que ele estava tendo um caso com a moça levam o jornalista a se interessar pessoalmente pelo caso. É quando o jornalismo se confunde com a investigação policial. E claro que a polícia não gosta nem um pouco quando começa a comer poeira com o avanço das investigações da dupla de jornalistas, que por ironia do destino, apesar das diferenças ideológicas, passam a atuar juntos, sem saber o quão perigoso é o caso. A trama é envolvente e complexa e o filme torna tudo não apenas interessante, mas até mesmo fascinante na busca pela verdade, na discussão sobre ética e no modo como alguns jornalistas investigativos vivem emocionantes aventuras, muitas vezes deixando de ter uma vida privada e até uma boa noite de sono para se dedicar com afinco ao seu trabalho.

O formato de thriller, que gera bons momentos de suspense, faz com que INTRIGAS DE ESTADO seja uma obra que deve agradar a um grande público, talvez não tão disposto a ver um filme com um pano de fundo político. E por mais que se perceba o quanto deve ser estressante se responsabilizar por uma matéria importante que vai ser a primeira página do jornal, a vontade que eu sempre tive de trabalhar num jornal, só aumentou. O filme também gera uma interessante reflexão sobre a atual situação dos jornais, que estão num momento de crise, com a popularização da internet e a queda crescente nas vendas dos impressos de papel, em detrimento das edições online, que têm a vantagem de trazer notícias mais quentes. O jornal de papel vai eventualmente deixar de existir? Estaria mesmo com os dias contados? O que isso pode trazer de bom e de ruim para a qualidade da informação? Essas e outras questões ficam no ar. Enquanto isso a vida continua e os jornais tentam sobreviver aos novos tempos da melhor maneira possível.

segunda-feira, junho 15, 2009

AMOR À TARDE (L'Amour l'Après-Midi)























Ontem fui a um culto numa igreja batista onde minha irmã vai regularmente. Sempre que vou, uma das coisas que mais me incomoda é o fato de eu ficar tenso. Se era para ser um lugar onde eu me sentiria bem, relaxado, pronto para receber bênçãos, acaba causando uma tensão enorme em meus ombros. E ontem, mais do que nunca, uma série de questionamentos acerca da salvação, da culpa cristã e da natureza e repercussão do sacrifício de Jesus martelavam em minha mente, enquanto o pastor pregava sobre o assunto. Não sei se o fato de eu ter lido "Retalhos", de Craig Thompson, acentuou o que já era forte. Quer dizer, eu me sinto mais em elo com Deus quando estou sozinho, na hora de dormir, quando peço um dia ou uma semana boa e produtiva e também quando dirijo, quando peço proteção. Mas as discussões dogmáticas, especialmente as comentadas pelo apóstolo Paulo me incomodam. Chego a ver até contradições entre o discurso mais profundo e esotérico de Jesus e a ocidentalização, a domesticação de Paulo. Escolhi este espaço para despejar um pouco essas palavras sem muita base, aproveitando o gancho para falar um pouco sobre AMOR À TARDE (1972), o último dos Seis Contos Morais de Eric Rohmer.

O último filme desse ciclo que havia visto foi MINHA NOITE COM ELA (1969), que me deixou um pouco incomodado com as reações do protagonista, um rapaz católico que se mostra firme em suas convicções morais e religiosas e não se entrega à tentação de fazer sexo com uma mulher super-sensual e atraente, já que tinha colocado na cabeça que a mulher da sua vida, aquela com quem ele iria se casar, era outra. E isso me incomodou bastante, já que no lugar dele eu não teria resistido à tentação, até porque ele não tinha nenhum compromisso com a tal moça ainda. Mas a coisa muda um pouco de figura quando entra em cena o adultério. Talvez isso seja uma das razões de filmes como DOMICÍLIO CONJUGAL, de François Truffaut, e O ÚLTIMO BEIJO, de Gabriele Muccino, terem me emocionado tanto. Eu entendo o sentimento de culpa e a vontade de voltar arrependido ao seio do matrimônio dos protagonistas.

AMOR À TARDE começa com um personagem que parece saído de um filme de François Truffaut: Frédéric é um sujeito casado, mas que sente um fascínio enorme pelas mulheres estranhas que encontra nos ônibus, no trajeto até o trabalho. Por estar casado, ele se considera impossibilitado de flertar ou de ter algo mais com qualquer dessas mulheres. Ele trabalha com duas belas secretárias, que se vestem de maneira sensual, às vezes com vestidos curtos. Mas o que mexe com suas estruturas é o aparecimento de uma antiga amiga, por quem ele já sentia uma atração no passado, chamada Chloé. Ela é uma jovem de temperamento instável e isso ao mesmo tempo o afasta e o atrai. Apesar do medo que ela lhe provoca, as constantes visitas e os encontros eventuais criam um relacionamento que ameaça a sua estabilidade, o seu casamento. E é interessante que isso mais uma vez me incomodou, embora neste filme especificamente eu não tenha achado tão interessante assim a figura da esposa, havendo um pouco mais de distanciamento com o personagem.

Quanto às soluções estéticas, talvez AMOR À TARDE seja um dos trabalhos mais despojados de Rohmer. A ausência da música de fundo, a preferência pela não utilização do campo e contracampo nos diálogos, mas a câmera focalizada numa única pessoa, mesmo que essa pessoa não seja necessariamente aquele quem está falando, são escolhas bem acertadas do diretor. Aliás, na maioria das vezes, Rohmer se mostra mais interessado na reação da pessoa que está ouvindo do que na expressão daquele que está falando. É um trabalho sensível de direção, de criação de uma atmosfera intrigante e de uma tensão crescente. Rohmer vai além do óbvio. Seus personagens agem de maneira surpreendente, fugindo dos clichês dos filmes de relacionamentos amorosos extra-conjugais. É, ao lado de MINHA NOITE COM ELA, um dos trabalhos mais moralistas do diretor. Embora eu não esteja certo quanto às suas motivações. Está bem longe de ser um ATRAÇÃO FATAL da vida. O espectador pode ou não concordar com a decisão do personagem e isso gera uma liberdade de pensamento e de julgamento que poucas vezes o cinema proporciona.

O arquivo que consegui de AMOR À TARDE vem com um pequeno extra com o cineasta americano Neil LaBute falando um pouco sobre o filme e sobre Rohmer.

sábado, junho 13, 2009

TRUE BLOOD – A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (True Blood – The Complete First Season)



Nos últimos dias, eu não consegui assistir outra coisa que não fosse TRUE BLOOD. Por mais que eu estivesse disposto a ver um Hitchcock ou um Almodóvar em casa, era como um vício: a vontade de ver mais um episódio da série era maior. E hoje acabei de chegar ao fim dessa deliciosa e ousada primeira temporada (2008), que deixou um gostinho de quero mais, que será saciado aos poucos muito em breve, já que amanhã a segundona já começa a ser exibida nos Estados Unidos. Uma das coisas que mais me deixou impressionado nesta série de Alan Ball (criador da maravilhosa e saudosa A SETE PALMOS, 2001-2005) é a facilidade com que se criam personagens cativantes. E mesmo assim, eles têm a coragem de se desfazer de vários desses personagens. Eu gostei especialmente de duas lindas coadjuvantes: Dawn (Lynn Collins, que está em X-MEN ORIGENS: WOLVERINE) e Amy (Lizzy Caplan, que pode ser vista como uma das protagonistas de CLOVERFIELD – MONSTRO). Mas por mais que elas roubem a cena quando aparecem, elas não fazem parte do núcleo principal. Outra mulher belíssima que entra no finalzinho da temporada e que parece que vai fazer parte do núcleo principal é Maryann (Michelle Forbes, conhecida de quem vê EM TERAPIA). Sua primeira aparição é rápida, mas inesquecível.

Para muitos, TRUE BLOOD pode ser considerada uma versão para adultos de CREPÚSCULO, já que também lida com a história de amor de uma jovem moça por um vampiro. Só que há uma porção de diferenças gritantes entre essas duas obras. A primeira delas é que, enquanto o filme é produzido para um público jovem, quase como um romance para meninas, a série da HBO não dispensa sexo, sangue, violência, gore. Talvez nunca o horror tenha invadido a televisão com tanto estilo desde TWIN PEAKS. É possível, inclusive, estabelecer comparações entre uma série e outra: ambas mostram personagens que têm segredos; ambas lidam com o fantástico e o sobrenatural; ambas se passam em cidadezinhas do interior dos Estados Unidos. No caso de TRUE BLOOD, a trama se passa em Louisiana e há todo um cuidado para explicitar as características mais marcantes do lugar. Muito de Louisiana e da série é resumido nos créditos de abertura, ao som de "Bad Things", de um artista que eu não conhecia: Jace Everett. Na sequência de abertura, vemos sexo, sangue, crentes exorcizando demônios, o pântano, enfim, o que há de bonito e de doentio no coração dos Estados Unidos.

A trama se passa num universo onde os vampiros fazem parte da sociedade, embora sejam, naturalmente, alvo de preconceito pela grande maioria dos mortais. É nesse mundo que surge Bill (Stephen Moyer), o vampiro que conquista o coração de Sookie (Anna Paquin, ganhadora do Globo de Ouro na categoria drama deste ano). Sookie tem o dom de escutar os pensamentos das pessoas e tem um irmão que vive em encrenca, Jason (Ryan Kwanten). Logo nos primeiros episódios, ele é acusado de ter assassinado uma jovem mulher com quem teve relações sexuais de maneira pouco ortodoxa. No núcleo principal, há também Sam, o dono do bar local, que também tem os seus segredos, e Tara, a amiga de Sookie que não consegue ter estabilidade em sua vida devido ao seu temperamento explosivo. E em meio a vampiros, jovem que lê mentes e um assassino à solta, há sempre mais espaço para mais elementos fantásticos. Isto é, quem procura uma série mais pé no chão, talvez não goste muito de TRUE BLOOD. Mas quem estiver disposto a se deixar levar pelo fantástico, não é difícil amar cada episódio, cada vez que se ouve o som de "Bad Things" após o prólogo.

Uma das coisas que distingue TRUE BLOOD de séries mais "tradicionais" da HBO é a utilização escancarada dos ganchos. Do tipo que faz a gente ficar louco pra ver logo o episódio seguinte pra saber o que vai acontecer. E seus personagens não são tão "preto no branco". Por mais que gostemos do vampiro "do bem" Bill, ele não deixa de ser um vampiro e eventualmente pode deixar muita gente incomodada com seus atos. Mas como vemos que os humanos são tão doentes e perversos quanto os vampiros, a tentativa de se fazer um julgamento contra os sanguessugas vai por água abaixo. A série também aproveita para criar novas regras para os seus próprios vampiros. Como já era uma tendência desde as crônicas vampirescas de Anne Rice, os vampiros não têm mais medo de cruz e de água benta, como nos filmes de horror clássicos. Entre as maiores inovações, no universo da série, o sangue dos vampiros é valioso e é vendido no mercado negro como uma droga altamente potente, que expande a consciência e faz com que as pessoas entrem em contato com o coração do universo, com a natureza.

No segundo episódio, destaque para uma brincadeira que pode passar despercebida: um jornal com a manchete de que Angelina Jolie adotou uma criança vampira. Pra mostrar que a série, apesar de ter em geral um registro dramático, não deixa de ter o seu senso de humor todo particular.

sexta-feira, junho 12, 2009

O CASAMENTO DE RACHEL (Rachel Getting Married)



Lembro que logo que entrei em contato com o cinema de Jonathan Demme, através dos filmes TOTALMENTE SELVAGEM (1986) e DE CASO COM A MÁFIA (1988), ele se caracterizava por ter uma vontade de abraçar o mundo, de fazer uma espécie de "world cinema", do mesmo jeito que havia a world music. Havia uma clara sintonia com David Byrne, o líder dos Talking Heads, para quem Demme chegou a dirigir um musical - STOP MAKING SENSE (1984). Depois que Demme ganhou o Oscar por O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991) e entrou definitavamente no cinema mainstream com FILADÉLFIA (1993), ele parece ter perdido um pouco dessa identidade. O CASAMENTO DE RACHEL (2008) é como um retorno a esse momento, já que há uma celebração da diversidade racial. A cerimônia celebra a união de uma moça branca com um rapaz negro, é feita à moda indiana e há de quase tudo na festa, inclusive, uma bateria de carnaval autenticamente brasileira. Não custa lembrar que antigamente os filmes de Demme terminavam com a frase "A luta continua", em português mesmo. Logo, sabemos da simpatia que o cineasta tem pelo Brasil. Há no filme uma vontade de fazer um cinema mais próximo do independente, de uma volta às origens, tanto que o diretor até convida o amigo e mentor Roger Corman para uma ponta.

Mas independentemente de se saber ou não do background do cineasta, seu novo filme - comparado por muitos com os trabalhos do Dogma 95 pelo registro semidocumental - é, acima de tudo, um impactante e doloroso mergulho na vida de Kym (Anne Hathaway), uma jovem recém-saída de uma clínica de reabilitação, depois de meses de tratamento. Da clínica, ela parte direto para a casa de sua família, onde acontecerá o casamento de sua irmã, Rachel (Rosemarie DeWitt). O filme vai entregando aos poucos os traumas daquela família, que não se resumem apenas ao fato de haver uma filha com um passado junkie, um filho falecido e uma mãe que abandonou a família para se casar com outro, interpretada por Debra Winger, abraçando de vez uma personagem mais madura. Dá até pra estabelecer comparações entre O CASAMENTO DE RACHEL e dois outros filmes que também lidam com famílias problemáticas reunidas em ocasiões especiais, como o francês UM CONTO DE NATAL e o brasileiro FELIZ NATAL.

Quanto à Anne Hathaway, ela nos brinda com sua melhor interpretação. Podemos ver o quanto ela é versátil. Mesmo em filmes mais comerciais, como AGENTE 86, já podíamos perceber isso. E é principalmente na relação de Kym com a irmã mais velha que reside alguns dos momentos mais belos do filme. As duas constantemente entram em conflito, sejam por razões mais sérias, sejam por coisas pequenas, mas é sempre muito bonito vê-las tentando se entender. No meio do fogo cruzado, e sempre tentando trazer um pouco de paz para aquele ambiente em estado de ebulição, está a figura do pai, que é também o elemento de união entre as duas famílias que estão se unindo pelos elos do matrimônio. Destaque também para as sequências de Rachel na reunião de viciados e da cena dela com a mãe, seguida pela sequência do carro. A câmera na mão, às vezes tremida, não chega a incomodar e contribui para imprimir verdade às situações. E é no limite entre o drama sombrio e trágico e a celebração da vida, entre o amargo e o doce, que O CASAMENTO DE RACHEL se situa. É desde já um dos melhores lançamentos no cinema deste ano de vacas magras.

quinta-feira, junho 11, 2009

RICH AND STRANGE























"Lembro-me de que nesse filme duas pessoas conversam (…). Fiz com que desempenhassem uma cena em que ambos falam ao mesmo tempo – interrompendo um ao outro e superpondo suas falas. Tudo o que consegui com isso foi uma crítica em que o sujeito afirmava que os atores não sabiam as suas falas. E aquilo tinha me tomado meia hora de ensaios!"
Alfred Hitchcock em entrevista a Peter Bogdanovich ("Afinal, Quem Faz os Filmes")

Talvez o mais estranho dos filmes de Hitchcock. E isso de certa forma é um elogio. RICH AND STRANGE (1932) tem um quê de cinema mudo. Há o uso dos velhos intertítulos que não são simples divisões do filme em capítulos, embora hoje possa ser considerado como tal. A própria utilização do diálogo no filme só é usada depois de uns cinco minutos, onde vemos o protagonista saindo do trabalho e tentando ler um jornal num metrô lotado. É quando ele decide que quer mudar de vida, que aquilo que ele tem não é vida de fato. Ele desabafa para a esposa e em questão de minutos, como que por milagre, surge uma herança inesperada e, com uma boa soma em dinheiro, eles ingressam num cruzeiro que dá a volta ao mundo. O casal passa por diversos países do mundo e conhecem algumas pessoas no navio. Tanto o marido quanto a esposa acabam por ter casos com duas dessas pessoas que eles conhecem a bordo e isso, claro, afeta o relacionamento dos dois.

RICH AND STRANGE é cheio de altos e baixos, mas quando chega nos altos, é de dar gosto, parece uma obra saída da melhor safra de Hitchcock. O filme é uma espécie de road movie em alto-mar com direito a paradas em cidades às vezes bem exóticas. O último ato é particularmente superior aos demais, quando o navio no qual eles estão começa a afundar. É quando RICH AND STRANGE ganha ares de tragédia, de comédia, de ternura. Uma mix de sentimentos que tornam esse irregular e pouco lembrado trabalho de Hitchcock um dos mais interessantes da fase inglesa. A cena do resgate do casal por um navio de chineses é engraçada e curiosa em seus detalhes – o gato, a comida, o chinês que se afoga e ninguém mexe um dedo para ajudá-lo, as tomadas dentro do navio.

Outra vantagem do filme é que, diferente de obras anteriores como THE SKIN GAME (1931) e, principalmente, JUNO AND THE PAYCOCK (1930), em nenhum momento RICH AND STRANGE parece ser teatro filmado. Aqui Hitchcock faz um trabalho autenticamente cinematográfico. Talvez a semelhança com o cinema mudo seja uma espécie de volta às origens de cinema mais "puro" produzido nos anos 20 para poder em seguida dar um salto rumo à excelência narrativa e à inventividade visual que seriam características de muitos filmes seguintes. Pena eu ter visto o filme com uma legenda em inglês fora de sincronia que chegou a incomodar um pouco. Felizmente, lá pelo final do filme, a legenda entra um pouco mais nos eixos.

quarta-feira, junho 10, 2009

FELIZ NATAL























Ao final da sessão de FELIZ NATAL (2008), ouvi uns comentários de uns espectadores que estavam presentes e achei engraçado um deles dizer: "foi o pior filme que eu vi este ano" e do quanto tinha ficado decepcionado com o trabalho de estreia de Selton Mello. O fato é que FELIZ NATAL não é mesmo um filme fácil. Mas foi justamente sua vontade de fazer algo diferente, suas pretensões artísticas e o uso nada invisível da câmera o que não me deixou desgrudar os olhos da tela. O ator/diretor, em entrevista ao Estadão, chegou a dizer que os filmes em que ele atua mascaram muito o que ele é. Ele passa uma imagem de alegria que não condiz com a sua melancolia, que segundo ele é muito mais presente em seu caráter. E o seu trabalho de estreia, pesado, denso, é impregnado de melancolia. Talvez mais até do que isso. É uma tragédia familiar que até lembra algumas peças de Tennessee Williams. Há uma mãe que vive bêbada e drogada (Darlene Glória), um pai ausente (Lúcio Mauro), um protagonista que vive afastado da família e mantendo um ferro-velho longe da cidade (Leonardo Medeiros) e um casal aparentemente normal que parece equilibrar um pouco a loucura geral, representados por Paulo Guarnieri e Graziella Moretto. O elemento inocente e feliz da família se traduz nas crianças.

Um dos personagens que mais lembra as performances de Selton Mello é um dos amigos solteiros do personagem de Medeiros. O sujeito que o leva a um puteiro em plena noite de natal, quando ele decide não ficar muito tempo numa casa onde não se sente bem. Não se trata apenas de ser um estranho no ninho. Há algo oculto e que será parcialmente revelado ao final do filme sobre o passado desse personagem. Sabiamente algumas coisas são apenas sugeridas. Algo que pode incomodar a muitos é a fotografia predominantemente escura que pode causar certa claustrofobia, aliada à câmera frequentemente próxima dos personagens, como em obras dos irmãos Dardenne ou nos filmes de Lucrécia Martel. Mas ao mesmo tempo, Selton Mello também se utiliza de algumas tomadas mais afastadas da ação que oxigenam o seu filme, como as tomadas aéreas ou as imagens um tanto borradas à distância.

O alívio cômico está na figura de Lúcio Mauro, com suas tiradas do tipo: "ver a sua mãe, uma vez por ano é o bastante; se for no velório, melhor ainda." Ele já tem uma persona cômica que ficou presente nele, graças à sua longa participação na popular ESCOLHINHA DO PROFESSOR RAIMUNDO. Seu personagem é ao mesmo tempo engraçado e à beira do ridículo, um senhor que vive com uma jovem menor de idade à base de Viagra. Ele a chama de índia, de "minha Poncahontas". Talvez por ser um ator, Selton Mello abre um espaço considerável para todos brilharem. Às vezes em momentos-solo, como nos quase-monólogos de Darlene Glória, a representante da insanidade extrema da família. Em vários momentos, a câmera se aproxima de seu rosto, fazendo notar as rugas com a maquiagem borrada.

São tantos temas que o filme propõe que o próprio Selton Mello admite ser coisa de diretor estreante, com uma vontade de mostrar muito, de abarcar muitas coisas num único trabalho. Selton acredita que seu segundo filme será mais maduro. E por incrível que pareça, o personagem menos interessante é justamente o protagonista. Leonardo Medeiros, com seu jeitão fechado, reservado e que guarda um passado nebuloso, não provoca a empatia do espectador. E há também uma certa fragilidade no modo como é mostrada a tragédia que desencadeou a sua mudança de vida e à sua descida ao inferno do sentimento de culpa. O acerto está no não explicar o ódio paterno e em também deixar no ar a sequência do diálogo entre o protagonista e seu irmão. O final aponta para uma escolha pelo pessimismo levado às últimas consequências, como para deixar claro de uma vez por todas que tudo está perdido. Até a esperança.

terça-feira, junho 09, 2009

A MULHER INVISÍVEL
























Selton Mello, quando do lançamento de sua estreia na direção com FELIZ NATAL, havia dito que daria um tempo na carreira de ator para se dedicar ao trabalho atrás das câmeras. A julgar pelo grande número de produções com a participação do astro do maior sucesso comercial brasileiro do ano passado (MEU NOME NÃO É JOHNNY), isso aparentemente não se concretizará. Além de A MULHER INVISÍVEL (2009), atualmente em cartaz, o astro aparecerá em breve em A ERVA DO RATO, de Julio Bressane; JEAN CHARLES, de Henrique Goldman; REFLEXÕES DE UM LIQUIDIFICADOR, de André Klotzel; FEDERAL, de Erik de Castro; 14, de Andrucha Waddington; e ainda confirmou sua presença na continuação de TROPA DE ELITE. Não estou reclamando. Gosto bastante de Selton, que muitas vezes é capaz de levar um filme nas costas, como foi o caso de MEU NOME NÃO É JOHNNY, mas talvez essa super-exposição não seja muito benéfica para a sua imagem.

Cláudio Torres, o diretor de A MULHER INVISÍVEL, falou em entrevista que a criação do filme se deve à boa demanda do mercado brasileiro atual para comédias românticas, como foi o caso de SE EU FOSSE VOCÊ 2, de Daniel Filho. Cláudio estaria, portanto, tentando aproveitar a boa recepção das comédias - lembrando que em 2007 O HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO também foi bem recebido no mercado. Não vejo muito problema no interesse comercial dos criadores do filme. Hollywood é assim e a sobrevivência das produções modestas podem estar atreladas ao sucesso dessas produções mais comerciais. Mas bem que A MULHER INVISÍVEL podia ser um pouco mais caprichado. Sente-se um desleixo na direção e na construção dos diálogos. Sem falar que os momentos mais engraçados já estão no trailer - uma estratégia comum de se ver nas comédias americanas. Mas já que não temos um grande filme, tentemos aceitá-lo como ele é: uma diversão despretensiosa, leve, que conta com um ator carismático e com dotes humorísticos e uma Luana Piovani que não existe. Luana talvez nunca tenha aparecido com um sex appeal tão em alta desde a minissérie global LABIRINTO. Em A MULHER INVISÍVEL, ela é a mulher perfeita, não apenas por ser bonita e gostosa, mas por aceitar as falhas do parceiro, gostar de futebol até de times da terceira divisão, fazer faxina de lingerie e adorar sexo. Há, claro, quem vá achar exagerado ou caricaturesco o seu papel, mas lembremos que se trata de uma comédia, que ainda por cima se utiliza de alguns tiques da televisão e do teatro.

A trama é divertida. Selton Mello interpreta um homem que adora a esposa (Maria Luiza Mendonça) e ao levar um pé na bunda e um par de chifres fica deprimido. O amigo Vladimir Brichta até tenta levantar o seu astral, mostrando o maravilhoso mundo da solteirice, mas não tem nenhuma mulher que ele realmente goste. Até que um certo dia aparece em sua porta a Luana Piovani pedindo uma xícara de açúcar. Ele fica caidinho (na verdade, ele cai mesmo; desmaia) e ela sente o mesmo por dele. Os dois ficam felizes da vida e para ele é o começo de uma nova e maravilhosa fase em sua vida. Ele volta a trabalhar todo feliz e logo todo mundo acha que "ele só pode estar comendo alguém". O problema é que a tal mulher da sua vida não existe; é uma criação de sua mente. E é a partir daí que se geram as situações engraçadas, como a cena da bilheteria no cinema, ou as cenas em que ele a beija em público. Além do que é mostrado no trailer, há uma mulher - essa, de verdade, de carne e osso - que é apaixonada por ele (Maria Manoella), o que ajuda a encher um pouco a trama, embora a torne um pouco mais banal. Também falta ao filme o principal quando o assunto é comédia, que é o chamado timing. E isso, infelizmente, o filme não tem. Por isso que, mesmo tendo um grande astro como Selton Mello e um mulherão como Luana Piovani encabeçando o elenco, nenhuma das cenas que supostamente deveriam fazer rir são tão engraçadas como, por exemplo, as cenas de SE EU FOSSE VOCÊ 2, só pra ficar num exemplo recente nacional do gênero. Pelo menos, dá pra sair um pouco alegrinho quando sobem os créditos, ao som de "She's a Sensation", dos Ramones.

segunda-feira, junho 08, 2009

O EXTERMINADOR DO FUTURO: A SALVAÇÃO (Terminator Salvation)























Apesar de a cinessérie criada por James Cameron apresentar uma curva descendente à medida que suas continuações são produzidas, trata-se de uma das franquias cinematográficas que mais mantêm certa regularidade. Aparentemente O EXTERMINADOR DO FUTURO 3 (2003), a produção anterior, dirigida por Jonathan Mostow, não é vista com bons olhos pelos fãs da série nem por boa parte da crítica. Vejo o filme de Mostow como muito bom: apresenta uma exterminadora linda e poderosa, é um dos últimos filmes de vergonha de Schwarzenegger, conta com ótimas sequências de ação e com um final pessimista dos mais interessantes. Nunca vi, mas ao que parece, a série de televisão TERMINATOR: THE SARAH CONNOR CHRONICLES (2008-2009) ignora os eventos desse terceiro filme, que acabou ganhando a fama de filho bastardo da mitologia. Mas nada mais natural quando se trabalha com um tipo de história que lida com viagens no tempo. Ainda por cima quando várias roteiristas e produtores mexem no caldo. A possibilidade de desandar é grande. Em O EXTERMINADOR DO FUTURO: A SALVAÇÃO (2009), temos a chance de ver o tão mencionado futuro apresentado nos três filmes anteriores. Se os três filmes mostram pessoas e andróides que visitam o presente a fim de salvar ou destruir, no quarto filme, a cargo de McG, a missão básica é salvar o pai de John Connor, o líder rebelde que organizou a guerra contra as máquinas. O pai de Connor é o sujeito que fez a viagem no tempo no primeiro filme (1984) e lá deixou a semente do que seria Connor.

Por mais que seja importante para os fãs da série as medidas tomadas pelos roteiristas para dar continuidade à trama apocalíptica, o filme deve, acima de tudo, manter os altos níveis de ação e adrenalina, sem perder a elegância dos trabalhos de Cameron e Mostow. E isso, pode-se dizer que McG faz eficientemente. Se antes as pessoas ficavam desconfiadas da capacidade do cineasta para dirigir uma obra do tipo, por achar que ele só era capaz de produzir "diversão escapista" como AS PANTERAS (2000) e AS PANTERAS DETONANDO (2003), o diretor provou em SOMOS MARSHALL (2006) que sabe desacelerar e trabalhar aspectos dramáticos. E é da habilidade de McG na direção que sequências como a do ataque aéreo são tão belas de se admirar, em especial, o plano-sequência de Connor (Christian Bale) subindo e descendo de um helicóptero e visualizando uma gigantesca explosão.

O visual adotado é o de um futuro sujo, com as máquinas T-600 ainda sendo as armas de destruição mais populares da Skynet. O aspecto sujo da produção, com a fotografia em cores esmaecidas que lembra O RESGATE DO SOLDADO RYAN, entre outros filmes de guerra recentes, aliado ao fato de que boa parte da trama se passa em desertos empoeirados, contribui para a criação de um futuro interessante e sombrio. Um dos personagens-chave da trama é Marcus Wright (Sam Worthington), um sujeito condenado à morte que doou seu corpo para uma experiência em 2003 e acorda em 2018 sem saber onde está, o que diabos está acontecendo e de onde vem sua força. Depois, ficamos sabendo que ele é um modelo bem sucedido de um ciborgue. Seus ossos foram substituídos por metal, mas seu coração e seu cérebro são orgânicos. Ele é um ser que a princípio não tem rumo. Ao ser capturado pelo grupo de John Connor é que ele decide contra o que deve lutar.

Apesar de ser um mundo basicamente de homens e de máquinas, uma bela mulher se destaca: a estreante Blair Williams, pertencente ao grupo de elite da resistência. Bem mais do que Bryce Dallas Howard, que faz o papel da esposa de John Connor, mas que não tem nenhum momento realmente especial. É do relacionamento da personagem de Blair Williams com Marcus Wright que se desenvolve um dos momentos mais interessantes do filme. Pena que McG não é tão bom assim na condução do drama e o momento de sacrifício do personagem acaba enfraquecido. Mas isso não chega a ser um grande problema. Afinal, os outros três filmes da série também não deram tanta importância assim ao drama. São filmes onde a testosterona é mais importante. Além do mais, O EXTERMINADOR DO FUTURO: A SALVAÇÃO apresenta algumas boas homenagens ao segundo filme da série (1991) que devem agradar aos fãs, como a inclusão de "You could be mine", do Guns N'Roses, numa cena, e o rosto jovem de Schwarzenneger no terceiro ato. A questão que pode ser levantada e que pode depor um pouco contra o filme é: trata-se de uma obra que continua com o espectador depois que ele sai da sala de cinema ou se é esquecido, como grande parte do blockbusters da última safra? Nesse sentido, creio que o entusiasmo provocado pelos dois divertidos filmes das Panteras ainda são exemplos mais felizes do que McG é capaz de produzir.

P.S.: Fica a dica do texto de Marcelo Miranda resgatando o injustiçado filme de Mostow.

domingo, junho 07, 2009

EM TERAPIA - A SEGUNDA TEMPORADA COMPLETA (In Treatment - The Complete Second Season)



No ano passado, EM TERAPIA foi muito provavelmente a melhor série produzida na televisão, um mergulho intensivo e recheado de emoções em sessões de psicanálise de personagens fascinantes. Infelizmente não posso dizer o mesmo da segunda temporada, que caiu bastante de qualidade, a começar pelo fato de seu principal mentor, o cineasta Rodrigo García, ter deixado a direção dos episódios para ser apenas produtor executivo, entregando a tarefa que lhe coube tão bem para terceiros. Assim, a segunda temporada (2009) se tornou uma mera sombra do que foi a primeira. Os próprios personagens, os novos pacientes do Dr. Paul Weston (Gabriel Byrne), guardam muitas semelhanças com os personagens da primeira temporada. Desse modo, Mia (Hope Davies) seria uma espécie de versão sem graça de Laura - assim como Laura, Mia também nutre uma paixão por Paul -; April (Alison Pill) é a Sophie da vez, uma adolescente que tem um problemão; o garotinho Oliver, que faz terapia junto com seus pais separados, é uma versão do casal problemático Amy e Jake; e o homem de negócios Walter (John Mahoney) é o novo Alex, um homem cheio de si e um tanto arrogante, mas cujas máscaras vão caindo aos poucos. O que continua exatamente igual é a visita semanal de Paul ao consultório de Gina (Diane Wiest).

Não sei se o fato de a série ter durado apenas 35 episódios e não 43 como na temporada anterior foi algo planejado ou se a audiência - uma possível queda na audiência do programa - contribuiu para essa diminuição. De todo modo, a sétima semana foi relativamente boa, fechando bem as principais situações dos personagens, o que não quer dizer que o psicanalista tenha encontrado soluções para todos os problemas dos seus pacientes durante apenas sete semanas, já que, diferente da primeira temporada, na segunda, todos os pacientes são novos. Ao contrário, o próprio Paul questiona muito sua capacidade profissional, se estaria de fato ajudando aquelas pessoas ou se estaria tornando-as ainda mais problemáticas. O primeiro episódio já lida com uma situação bem complicada na vida de Paul, que é o fato de ele estar sendo processado por culpa no suicídio de um de seus pacientes da temporada passada. E assim a nova temporada vai, de vez em quando, conseguindo forças, auxiliada pelos fantasmas da temporada anterior, como Laura, que não aparece mas é sempre citada. Aliás, não há como esquecê-la, afinal, ela foi o pivô da separação de Paul. É por causa dela e principalmente por causa da fraqueza de Paul que ele está sozinho num apartamento no Brooklin. A própria Sophie, ao ser citada apenas uma vez num dos episódios, causa uma leve comoção, já que muito do sucesso da primeira temporada se deveu às emocionantes sessões com ela, que me levaram com frequência às lágrimas.

Nessa temporada, o mais próximo que se aproximou disso foram as sessões com o garotinho Oliver, que a princípio me pareceu apenas uma criança chata, mas que vai se tornando mais interessante, bem como o drama de seus pais. A criança se sente rejeitada e o próprio Paul vê a si mesmo um pouco nele, vê a sua infância. Outro diferencial da segunda temporada é o fato de haver mais episódios em outras locações que não o consultório. Principalmente nos episódios em que Paul encontra Gina. E são nesses episódios que podemos sentir com mais força o sentimento de abandono de Paul, que está passando por uma fase muito difícil de sua vida e é no consultório de Gina que ele solta os cachorros, fazendo com que ela saia do sério uma vez. Ainda não sei se haverá uma terceira temporada. Não foi noticiado, mas se houver, pelo menos os roteiristas terão que lidar com personagens totalmente novos e não adaptações da série original israelense na qual ela é baseada. Se houver uma terceira temporada, estarei disposto a acompanhar, mas acho que prefiro que a série pare por aqui para evitar uma queda ainda maior na qualidade, o que não faria nada bem para sua imagem.

sexta-feira, junho 05, 2009

PRISON BREAK: THE FINAL BREAK



O caso de PRISON BREAK é bem particular. Foi uma série que nasceu para tapar o buraco da programação da Fox depois do fim de uma temporada de 24 HORAS e acabou fazendo muito sucesso. Mas nos últimos anos, a série foi meio que relegada a segundo plano pela emissora, que nem está com todo esse poder de fogo, afinal, seu carro chefe, que é a série de Jack Bauer, já está em processo degenarativo, apesar de ter tido uma temporada muito boa este ano. PRISON BREAK, depois de um injusto hiato que quebrou o bom ritmo de sua temporada final, voltou mudando o dia da exibição nos Estados Unidos da segunda para a sexta-feira, um dia onde as pessoas costumam sair à noite em vez de ficar em casa vendo séries. Mas o cúmulo da ingratidão foi a recusa da emissora em exibir os episódios 23 e 24, que serão lançados num único DVD nos Estados Unidos só em julho, com o nome PRISON BREAK: THE FINAL BREAK (2009). Como a série parece fazer mais sucesso fora do que dentro do seu país de origem, esses episódios extras, que mostram o que aconteceu antes do salto temporal que é mostrado nos emocionantes momentos finais da series finale, caíram na internet graças à exibição em uma emissora européia ou canadense.

Confesso que estava com um pé atrás com esses episódios extras, que para muitos têm sido encarados como sendo acessórios e não fundamentais à série. É uma espécie de canto do cisne, uma última despedida para os fãs de Michael Scofield e sua turma. Como sempre, eles acabam forçando um pouco a barra a fim de criar situações de suspense e perigo, mas logo a gente vai aceitando. No caso de THE FINAL BREAK, até pelo prazer de se ver um bom filme B. THE FINAL BREAK mostra Sara Tancredi, sendo presa e correndo perigo de vida. Diante disso, Michael, com seu intelecto fora do normal, procura elaborar um plano de fuga para sua amada, mesmo com a imprensa e a polícia sabendo de suas intenções e tomando todas as medidas possíveis para impedí-lo. Enquanto isso, Mahone é mais uma vez chantageado e convidado a trair Michael. Ele encontra-se num dilema: dar prioridade à sua carreira profissional ou respeitar a amizade de Michael.

Para fãs dos W.I.P., esse especial deve agradar bastante. Mesmo sendo uma produção para uma televisão aberta, não tendo, portanto, cenas de nudez nem cenas mais violentas, não deixa de ser divertido acompanhar a rotina de um presídio feminino, com direio a brigas de mulheres, assédios no banheiro coletivo e tentativas de homicídio. Quem está presa no mesmo lugar que Sara é Gretchen, a grande vilã da terceira temporada e que virou também vítima na quarta. Não dá pra falar muito, sob o risco de estragar as surpresas de quem ainda não viu. O que posso acrescentar é que mais uma vez eles conseguiram me emocionar na sequência final, mesmo não sendo tão caprichado quanto o enxertado epílogo "oficial" da série. Para a direção desses episódios extras, foi convidado Brad Turner, um dos diretores principais de 24 HORAS.

quinta-feira, junho 04, 2009

GARAPA






















É fácil ficar incomodado com GARAPA (2009). Ver o filme é um pouco como passar de carro no sinal e ver aquelas crianças tentando ganhar uns trocados ou ver algum sujeito deficiente físico ou com uma enfermidade grave pedindo esmola na rua. Às vezes a gente tenta virar o rosto, tentar ignorar porque aquilo está atrapalhando a nossa apreciação da canção que está rolando no som do carro ou o bate-papo com os amigos na barraca de praia. Lembro que quando comecei a trabalhar, estagiando no Banco do Nordeste, eu comecei a andar pelo Centro da cidade, que na época parece que era ainda mais povoado de pedintes sentados no chão das ruas do que hoje em dia. Eu ficava olhando, um pouco chocado, para aquele povo, enquanto minha colega, que já estagiava há um ano, andava com a cabeça erguida. Achava a atitude dela forte e tentei fazer o mesmo, achando que isso era a coisa certa a fazer. Se é ou não a coisa certa, eu não sei, já que a formação cristã nos ensina a praticar a caridade e o sentimento de culpa por não ajudar de vez em quando bate. Portanto, me parece um tanto estranho eu pagar pra ver um filme que mostra uma realidade que eu evito ver nos programas policiais locais exibidos na televisão e que mostram o mundo cão da periferia de Fortaleza.

Mas o documentário de José Padilha é diferente desses programas sensacionalistas e que exploram a miséria e a violência. Tenho certeza que se o cineasta tivesse optado por uma fotografia colorida, mas sem muitos filtros, teria deixado tudo ainda mais forte. O preto e branco acaba por atenuar a dor. Tanto que o que muitos críticos reclamam do filme é da "fotografia à Sebastião Salgado" e as tentativas de parecer poético em alguns momentos. A verdade é que eu não vi nada poético no filme. Pelo menos não no sentido de poesia ligada ao belo. É a realidade nua e crua de famílias vivendo em condições sub-humanas. Claro que já aprendemos com os documentários de Eduardo Coutinho que as pessoas em frente às câmeras acabam sendo um pouco atores e atrizes. Talvez por isso Padilha tenha mostrado tanto a imagem das crianças menores, nuas, magras e barrigudas, que agem com um pouco mais de naturalidade. É dura a imagem das mães preparando mamadeiras cheias de garapa - água fervida adicionada de açúcar - e dando para as crianças, deitadas em suas redes. E as crianças as sorvem com gosto, afinal, com a fome e a pouca experiência com uma alimentação adequada, aquilo ali é bom.

Essas pessoas são tão maltradas e acostumadas com a situação de miséria que parecem conformadas e até fortes diante de tantas adversidades. Tanto que em apenas um momento do filme, uma dessas pessoas chora diante das câmeras. A figura dos homens, inúteis, em contraponto com as mulheres batalhadoras, torna-os criaturas sem dignidade e também menos dignos de pena. Alguns até são pintados como quase vilões, como o sujeito que lembra o Matheus Nachtergaele e que passa o dia bebendo, enquanto a mulher vai batalhar atrás de comida. Padilha segue essa mulher até um centro nutricional do bairro Conjunto Palmeiras, onde a assistente social tenta explicar para ela o que ela deve fazer para evitar ter mais filhos, tentando métodos anticoncepcionais ou mesmo se afastando desse homem, que ela pinta como sendo inútil, preguiçoso e perverso. No centro médico é também onde sabemos de detalhes não tão agradáveis sobre como as crianças fazem suas necessidades e da falta de higiene básica.

As famílias das regiões do interior parecem viver em situação ainda pior, já que dependem muito da agricultura para a subsistência. E como a região do sertão cearense raramente é gentil com seus habitantes nesse quesito, eles acabam sofrendo bastante. O que eles recebem do programa Fome Zero não é o suficiente para durar metade do mês. Inclusive, uma das famílias não recebe os benefícios do programa porque a mulher não tem nenhum documento de identificação. Nem mesmo uma certidão de nascimento ou RG. José Padilha, em suas poucas intervenções no filme, pede a ela que conte um pouco de sua história. E ela conta que foi criada por uma mãe alcóolatra.

É José Padilha mexendo novamente num tema quente, depois de ter feito sucesso com os também controversos ÔNIBUS 174 (2002) e TROPA DE ELITE (2007). Vez ou outra há alguém que condene algo em seus filmes. Mas o importante é que nenhum deles causa indiferença na plateia. Pode-se amar, odiar ou gostar com algumas restrições. No caso de GARAPA, talvez eu fique nessa terceira posição, afinal, por mais que o acusem de explorar a miséria para fazer arte, o filme é de fato arte. Algumas cenas ficam gravadas com força em nossa memória. Algumas delas até pelo aspecto exótico, como a do homem enchendo os barris dependurados num jumento com a água da lagoa que fica perto de sua casa. Quanto a uma possível crítica ao governo Lula, não creio que Padilha o faça, já que fica claro que sem os programas sociais implantados a situação seria muito pior e a mortalidade, bem maior. A triste verdade é que o projeto de Lula de que todo brasileiro terá direito a três refeições por dia ainda não foi completamente concretizado.

quarta-feira, junho 03, 2009

O ILUMINADO (The Shining)



Minha relação com O ILUMINADO (1980) é um pouco diferente da que tenho com a grande maioria dos filmes de Stanley Kubrick. Havia assistido uma única vez, em VHS, e simplemente o filme não me "pegou". Não entendia a razão de o filme ser considerado por muitos uma das melhores obras do diretor e um dos grandes filmes de horror de todos os tempos. Sabendo da necessidade de reavaliar o filme num futuro breve, comprei há alguns meses a edição especial dupla que a Warner lançou, cheia de extras bem atraentes. Aproveitei para rever o filme com a chegada do meu home theater nesse final de semana. Sim, sou cinéfilo há mais de vinte anos e nunca tive uma aparelhagem decente de som, que já existe desde os tempos do VHS. Mas antes tarde do que nunca e o filme que escolhi para estrear a minha experiência caseira com o som dolby 5.1 foi justamente O ILUMINADO.

Com relação às minhas novas impressões sobre o filme, continuo achando que é uma obra que não me assusta. Mas é de uma perfeição visual admirável. Em nenhum outro filme do cineasta a perfeição simétrica é tão aparente. Uma série de sequências do filme entraram para o imaginário, para o inconsciente coletivo da humanidade. Como a cena de litros de sangue descendo as escadarias de um hotel e inundando o lugar até pintar todo o espaço de vermelho. Essa cena ficou tão boa que foi utilizada como teaser trailer do filme. A figura de Jack Nicholson louco, no encalço de sua mulher e de seu filho também são dessas de ficarem grudadas na memória. Eu pelo menos não me lembrava mais do final do filme, mas não tinha como esquecer de Nicholson quebrando a porta com um machado e do olhar aterrorizado de Shelley Duvall. Outro momento inesquecível e admirável, ainda mais agora que pude ver o filme com uma aparelhagem de som melhor é a sequência do garotinho andando em seu carrinho nos corredores do luxuoso hotel e passando por cima de alguns tapetes. O trafegar do carrinho seguido pela câmera e o som do chão e do tapete são hipnóticos. Imagino o impacto dessa cena na época, pelo uso excepcional de uma novidade tecnológica, a steadycam. O próprio inventor desse estabilizador para câmera, Garret Brown, foi convidado para ser assistente de Kubrick na realização do filme e o resultado foram movimentações de câmera com uma fluidez e perfeição até então nunca atingidos. Com esse recurso, em nenhum momento a câmera oscila. Nunca um voo de helicóptero pareceu tão perfeito e suave quanto o da sequência inicial do filme.

É tanta perfeição que não sei se combina com o gênero. O ILUMINADO é um filme de horror bem fora do comum. Em vez de lugares escuros, um hotel luxuoso foi construído num estúdio inglês. Com tal grau de perfeccionismo que cria-se uma sensação de assepsia. Até o sangue no filme parece limpo e asséptico. Para o bem e para o mal. Destaque também para o belo labirinto verde que fica na parte exterior do hotel e que será tomado de branco nas sequências finais, quando a cidade é coberta por uma nevasca. Inclusive, há uma sequência que muita gente até hoje não tem ideia de como Kubrick a realizou, que é a visão de cima do labirinto, pois é impossível de se fazer usando uma grua por ser alta demais. Num dos extras, é explicado como Kubrick realizou essa cena. O grau de perfeccionismo era tanto que dizem que o diretor refilmava o mesmo take cerca de 60 vezes. Imaginem o quão perturbador deve ser para um ator. Quem mais sofreu com os métodos de Kubrick foi Shelley Duvall. A coitada teve um colapso nervoso durante as filmagens. Kubrick fazia ela sofrer de propósito, torturando-a para fazer com que ela chegasse num estado próximo ao da personagem atormentada. Isso é mostrado explicitamente no documentário que a filha do cineasta, Vivian Kubrick, dirigiu sobre os bastidores das filmagens.

A opção de criar uma obra que não se define se é uma história de fantasmas ou de loucura foi provavelmente algo que incomodou o escritor do romance, Stephen King, que não gostou da versão de Kubrick. Mas talvez seja essa indistinção que torna o filme especial a ponto de chegar um momento em que não sabemos o que é real e o que é imaginário. Dizem que algumas cenas foram inspiradas nas fotografias de Diane Arbus, como as meninas gêmeas e o homem fantasiado de porco. E o que é aparentemente imaginário e fantasmagórico interfere no mundo físico, como o fantasma que abre a porta para Jack Torrence, o personagem insano de Nicholson. Interessante que num dos extras presentes no DVD, Steven Spielberg conta que a princípio não gostou muito do resultado final de O ILUMINADO e, conversando com Kubrick, esse lhe perguntou o que ele havia achado da interpretação de Nicholson. E Spielberg acabou dizendo que achou-a um pouco exagerada. Imediatamente Kubrick pediu a ele que enumerasse, sem pensar muito, os atores que ele considerava seus favoritos. Spielberg citou nomes como Henry Fonda, Clark Gable, Spencer Tracy e outros dois e Kubrick o interrompeu dizendo que ele não tinha James Cagney entre seus favoritos. E Kubrick tinha. E isso responde tudo.

Além de Spielberg, o documentário de cerca de meia hora, UMA VISÃO GERAL: MONTANDO O ILUMINADO, conta com a presença de Sydney Pollack, Ernest Dickerson, William Friedkin, Jack Nicholson, entre técnicos que trabalharam no filme e escritores de biografias de Kubrick. George Lucas aparece em outro extra, AS VISÕES DE STANLEY KUBRICK (17 min), que enfatiza as obsessões do cineasta. Mas o mais importante dos extras é justamente O MAKING OF DE O ILUMINADO, de mais de meia hora, onde a filha de Kubrick flagra alguns momentos especiais da realização do filme. Há até mesmo uma cena de Shelley Duvall deitada no chão, depois de um colapso nervoso. Ela estava num estado de saúde bem frágil. Emocionante quando Vivian pergunta a Scatman Crothers sobre sua relação com o garoto Danny Lloyd e ele se comove, pois tem o garoto como seu filho. Ele literalmente chora de emoção. Não apenas pelo garoto, mas por sentir-se grato em participar do filme. Curiosamente, Danny Lloyd não fez mais nada no cinema. No documentário de Vivian é possível apreciar a inteligência e a inocência do garoto longe do personagem. É também exclusividade do documentário a composição "Valse Triste", de Wendy Carlos, que aparece em outro extra, de 7 minutos, falando sobre a sua participação na trilha sonora do filme e a criação do circon, um instrumento musical que emite um som parecido com o de um violino, mas com um tom mais próximo da voz humana e mais fantasmagórico.

P.S.: A Liga dos Blogues Cinematográficos finalmente publicou o resultado final do ranking dos anos 30. Vale conferir a decisão coletiva.