terça-feira, julho 22, 2008

ESPELHO MÁGICO



Mais do que nunca, tanto pela quase milagrosa idade de vida e atividade incansável de Manoel de Oliveira, quanto pela qualidade e mistério de seus trabalhos, o cineasta português vem sendo respeitado e louvado mundo afora. ESPELHO MÁGICO (2005), um dos filmes mais recentes desse cineasta prolixo, mostra novamente um respeito pelo passado e pelas tradições, visto com vigor em UM FILME FALADO (2003), mas dessa vez a religiosidade é o foco da discussão. O que mais me incomodou no filme, apesar de ter gostado de seu andamento todo próprio, da câmera geralmente parada, da não utilização do campo-contracampo nas cenas, o que mais me incomodou foi a insistência da protagonista, vivida por Leonor Silveira, em sua obsessão por querer ver a Virgem Maria, ou para usar as palavras dela, Nossa Senhora.

Leonor Silveira interpreta Alfreda, uma mulher rica e que passa os dias no ócio, mas sofrendo de uma crescente depressão. O fato de não poder ter filhos é um atenuante. Numa das convesas com seus amigos padres, um deles, interpretado por Michel Piccoli - o único personagem que fala inglês no filme -, vem com a teoria de que Nossa Senhora era rica. Alfreda, imediatamente, fica espantada e ao mesmo tempo feliz com a idéia. Sendo ela também rica, chega-se a um elo de identificação com uma personagem histórica que a própria Era de Peixes tratou de mostrar como de extrema humildade. E ela se pergunta porque motivo a Santa não aparece para ela, já que ela teria tantas perguntas importantes a fazer. Por que ela apareceu para um grupo de pastorzinhos que nada têm de interessante a perguntar e não aparece para uma pessoa mais culta?

Mas Alfreda não é a única protagonista desse filme. Para contrabalançar a fé de Alfreda, há Ricardo Trêpa, no papel de Luciano, um ex-presidiário que passa a ser motorista particular da madame. Ele, ao contrário de Alfreda, é pobre e descrente, achando as idéias de sua patroa fruto de uma mente doentia e que devem ser deixadas de lado, antes que ela enlouqueça. Por acaso, ele acaba encontrando um ex-detendo, conhecido na prisão como o "falsário", e que agora trabalha como afinador de instrumentos musicais para o esposo de Alfreda. Mas sendo ele um falsário, estaria ele fazendo um trabalho correto? É o falsário (Luís Miguel Cintra) quem dá a idéia de simular uma aparição de Maria, se é o que tanto ela quer. Só que eles têm dificuldade de encontrar um meio de tudo parecer real.

A obsessão de Alfreda pela visão de Nossa Senhora, se no começo pode ser algo interessante, vai se tornando chato e repetitivo à medida que o filme se desenvolve, apesar do interessante uso de elipses temporais. Talvez o fato de eu não ser católico contribua um pouco para esse pouco respeito que tenho com as questões levantadas. Talvez seja tudo uma questão de fé e o filme provavelmente deva causar comoção em católicos fervorosos talvez tanto quanto A PALAVRA, de Carl T. Dreyer, causou em mim, que vim de raízes protestantes. Se bem que eu acho a comparação entre os dois filmes abismal, no sentido qualitativo mesmo. Claro que há uma turma que idolatra não Maria, mas Manoel de Oliveira, e tudo o que ele faz, isentando a sua obra de qualquer crítica negativa. Porém, o caráter de mistério do filme faz com que eu o respeite e tenha consciência tanto de minhas limitações no conhecimento da obra e das intenções do cineasta, quanto de sua vasta cultura, freqüentemente explicitada nos diálogos e discussões de seus personagens. Porém, ainda acho que, dessa vez, ao contrário do rico e belo UM FILME FALADO, Manoel de Oliveira andou em círculos. E Lima Duarte, que já havia interpretado o papel de Padre Antonio Vieira em PALAVRA E UTOPIA (2000), do cineasta português, aparece novamente de batina em pequeno papel.

P.S.: Estou fazendo o curso "Crítica de Cinema", ministrado pelo Ruy Gardnier, editor da Contracampo. Ontem foi o primeiro dia e por enquanto tem sido muito interessante.

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