quarta-feira, maio 30, 2007

UM SÓ PECADO (La Peau Douce)



Enquanto preparava-se para rodar FAHRENHEIT 451 (1966), François Truffaut dirigiu um filme sobre adultério: UM SÓ PECADO (1964). Trata-se de um filme que o cineasta considera como sendo um fracasso, embora a relação que ele tenha com o fracasso não seja de todo ruim. Ele falou numa entrevista - constante do livro "O Cinema segundo François Truffaut" - que o fracasso, para ele, é até estimulante, lhe dando mais vontade de acertar nas próximas vezes. Por outro lado, os filmes de sucesso, como OS INCOMPREENDIDOS (1959) e JULES E JIM (1962), lhe renderam violentas crises de depressão.

O que eu mais senti falta em UM SÓ PECADO foi da sensação de incômodo provocada pelo adultério. Eu me senti até um pouco indiferente ao drama do protagonista, um crítico literário especialista em Balzac, burguês, casado e com uma filha, que se apaixona por uma aeromoça bem mais jovem do que ele. Senti falta de uma identificação maior com ele. Essa sensação de perturbação no lar, Truffaut só iria conseguir de verdade no excepcional DOMICÍLIO CONJUGAL (1970), quando a briga do casal me incomodou bastante, a ponto de eu ir às lágrimas. (O fato de a esposa ser a Claude Jade ajudou muito.)

Quando li a entrevista do Truffaut e ele disse que gostava de personagens fracos, frágeis, eu me lembrei de quando eu cometi o meu ato de traição na época que namorava uma menina. A outra, uma escorpiana, o pivô do fim do relacionamento estável com a sagitariana, ao ver o quanto eu estava confuso em me decidir com qual das duas ficar, me falou que eu era fraco. E devo ser mesmo. Acho até que eu daria um bom personagem de um filme de Truffaut. Truffaut dizia que não gostava de filmes de heróis fortes, como os com o Errol Flynn ou os filmes do Tarzan. Eu até tenho uma certa admiração por alguns personagens fortes, como o dos filmes da juventude de Clint Eastwood, por exemplo, mas isso é exceção. Assim como Truffaut, também tenho uma necessidade de identificação, e nesse sentido, sempre me identifiquei mais com o Woody Allen do que com o Charles Bronson, por exemplo. Inclusive, até no que se refere às cantoras, tenho mais atração pelas de voz frágil, como Marina Lima e Fernanda Takai, do que por aquelas de voz forte. (Não sei se isso tem a ver com o assunto em questão, mas achei por bem mencionar.)

Um elemento que é bastante característico da obra de Truffaut - existe adjetivo para Truffaut, como "truffautiana"? - é o personagem marginal. Para acentuar essa marginalidade, em UM SÓ PECADO, há um contraste entre o mundo do protagonista, um homem que tem mais intimidade com os mortos (Balzac e outros escritores do passado) do que com os vivos, e uma jovem que tem um emprego moderno, ligado à aviação. Outro elemento forte do diretor: ele dizia que se identificava com os culpados e atribuía isso ao fato de ele ter matado as aulas para ir ao cinema diversas vezes durante a infância e a adolescência. Assim, ele se sentia atraído pela transgressão. Ele conta que, quando jovem, não gostava dos livros infantis, mas que se identificou de alguma maneira com a protagonista de "Madame Bovary". Em UM SÓ PECADO, os três personagens principais, o escritor, a amante e a esposa, de alguma forma cometem crimes ou pecados. E, apesar de Truffaut não ser um cineasta católico - pelo menos, eu acredito que não -, o final desses envolvimentos extraconjugais é quase sempre trágico. Mas isso talvez se deva mais ao fato de ele ser pessimista do que de ser religioso ou moralista. Quanto ao final, confesso que fiquei surpreso com a mudança de tom e com a forma abrupta com que o filme se encerra. A figura da mulher com um fuzil parece mais ligada a filmes exploitation do que a um drama realista sobre adultério, mas, passados alguns dias depois que vi o filme, até que eu vejo com bons olhos a ousadia de Truffaut.

Nenhum comentário: