segunda-feira, fevereiro 05, 2007

A CONQUISTA DA HONRA (Flags of Our Fathers)



É impressionante a vitalidade de Clint Eastwood. Apesar de já estar próximo dos seus 80 anos, o cineasta continua fazendo grandes filmes. Pode-se dizer que do início dos anos 90 pra cá, o único filme esquecível de Clint talvez seja ROOKIE - UM PROFISSIONAL DO PERIGO (1990). OS IMPERDOÁVEIS (1992) foi a consagração, quando ele conquistou o respeito dos membros da Academia. Com SOBRE MENINOS E LOBOS (2003) veio outra indicação e o segundo Oscar de melhor filme viria com o amargo MENINA DE OURO (2004). Dessa vez o velho Clint surpreendeu muita gente ao dirigir simultaneamente dois filmes de guerra, um gênero que requer muita força e disposição da parte do diretor, já que ele precisa lidar com muita gente envolvida, com muitos figurantes e muito barulho. O cineasta precisa transformar um set de filmagens num verdadeiro inferno na terra.

A CONQUISTA DA HONRA (2006), o primeiro dos dois filmes que tratam do conflito na ilha de Iwo Jima, no Japão, me desapontou um pouco. Talvez por eu ter criado muita expectativa. Alguns críticos dizem que o filme que aborda o conflito do ponto de vista dos americanos se torna melhor depois que assistimos CARTAS DE IWO JIMA (2006), a visão japonesa. Ainda não li nada sobre o segundo filme e só pretendo fazer isso depois que o ver, mas não duvido nada que isso realmente aconteça. Ao que parece, o segundo filme é mais emocionante, tanto que foi ele o escolhido pela Academia para integrar os cinco indicados ao Oscar de melhor filme esse ano. Mas falemos de A CONQUISTA DA HONRA, esse que é considerado o mais fordiano dos filmes de Clint Eastwood.

Assim como Ford em O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA, a questão do heroísmo e da impressão da lenda são dois temas tratados com força no filme de Eastwood. Eu diria até que com muita força, já que a palavra "herói" aparece mais ou menos de dez em dez minutos, o que acaba por banalizar um pouco o tema. Outro problema bem aparente do filme é a performance de Adam Beach no papel do índio Ira Hayes. Em alguns momentos, chega a incomodar a falta de naturalidade do ator nas cenas mais dramáticas. Sorte dos outros dois rapazes, Ryan Philippe e Jesse Bradford, que pegaram papéis que exigem menos de seus talentos dramáticos.

A Segunda Guerra Mundial ainda é considerada por muitos como a última guerra nobre. Isso para quem estava do lado dos aliados, já que os países do eixo eram liderados por verdadeiros diabos encarnados, Adolf Hitler, Benito Mussolini e o Imperador Hirohito. Hoje em dia, mesmo esse aspecto nobre do grupo dos aliados é questionado. Em A CONQUISTA DA HONRA, Clint Eastwood nos convida a refletir sobre a natureza do heroísmo e sobre a mentira que os americanos resolvem vender para benefício próprio.

A opção pela montagem fragmentada, pelas idas e vindas no tempo, foi bastante acertada. Imagine se as cenas de guerra fossem todas mostradas de uma só vez e a segunda parte do filme centrasse apenas na turnê dos três heróis? Ficaria um pouco monótono, não é mesmo? De todo modo, é bom esclarecer que essa opção pelo formato quebra-cabeças não deu ao filme uma aparência iñarritúesca - acabei de inventar um adjetivo. Clint é o cineasta da simplicidade estilística e mesmo com uma maior complexidade narrativa, a impressão de despojamento continua no ar.

A CONQUISTA DA HONRA também deixa no ar a sensação de que cenas foram cortadas, especialmente as do relacionamento dos soldados, esperando o dia do ataque. Se houvesse mais dessas cenas mais "tranqüilas", o filme se assemelharia mais com AGONIA E GLÓRIA, do Samuel Fuller. Quanto à violência, não chega a ser tão forte quando a seqüência inicial de O RESGATE DO SOLDADO RYAN, de Steven Spielberg, com tripas voando por todos os lados e membros decepados.

Aliás, a semelhança visual com o filme de Spielberg, nas cenas que se passam no Pacífico, até me fez imaginar que o diretor de fotografia, Tom Stern, seria o mesmo do filme de Spielberg e da série BAND OF BROTHERS. Não é. Stern vem trabalhando com o diretor desde DÍVIDA DE SANGUE e deve ter usado a mesma técnica para deixar a fotografia esmaecida, com a sensação de que o tempo está nublado - talvez por ter sido filmado na Islândia e não no Japão. Engraçado que quando Clint Eastwood foi em busca dos direitos para adaptação para cinema do livro de James Bradley e Ron Powers ficou sabendo que Steven Spielberg já tinha comprado. No fim das contas, Spielberg concordou em ser produtor do filme. Não deixa de ser uma parceria histórica de dois gigantes do cinema mundial.

P.S.: O incansável Matheus Trunk e sua trupe estão de volta no novo número da Revista Zingu!. A principal novidade dessa nova edição é a estréia da coluna Cantinho do Aguilar. Na já bem sucedida intenção de valorizar o cinema brasileiro, há o especial Carlos Motta e o Dossiê Luiz Gonzaga dos Santos.

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