sábado, dezembro 23, 2006

A ÚLTIMA NOITE (A Prairie Home Companion)



Nunca me acostumo com os finais de ano. As coisas parece que não funcionam direito e eu fico torcendo pra que elas voltem logo à normalidade. Se bem que ter mais um tempinho de folga devido aos feriados é sempre uma boa. Nesse tempo de se fazer reflexão sobre o que o ano trouxe e fazer votos para o ano que virá eu tento levar a minha rotina normal.

Ontem estreou em Fortaleza o derradeiro trabalho de Robert Altman e foi o filme que eu priorizei entre as estréias. A ÚLTIMA NOITE (2006) é talvez o filme que mais transparece o fato de que o seu diretor estava à beira da morte e que estaria se despedindo à sua maneira de seus espectadores. Até um anjo da morte o filme tem, interpretado por Virginia Madsen. Bem como um personagem que morre logo depois de cantar, enquanto espera por sua amante no camarim.

A ÚLTIMA NOITE, melhor filme de Altman desde SHORT CUTS (1993), não tem bem um plot. É um filme que se contenta em mostrar, em testemunhar o comportamento de uma trupe de cantores e apresentadores de um show de uma famosa rádio americana. Um dos atores principais é Garrison Keillor, que talvez seja tão dono do filme quanto Altman, já que ele era o próprio apresentador do extinto programa, além de ter contribuído como roteirista. Sua performance se destaca da dos demais. E olha que temos no elenco nomes como Merryl Streep, John C. Reilly, Woody Harrelson, Tommy Lee Jones, Kevin Kline, Lili Tomlin e a jovem Lindsay Lohan. Mas como talvez ele estivesse interpretando a si mesmo, então é melhor dar o crédito aos demais.

Atualmente estou lendo a biografia do Roberto Carlos, que saiu recentemente pela Editora Planeta e achei bem curioso o fato de que, na época da infância e adolescência de Roberto, as rádios não botavam pra tocar os discos, que tinham a sua radiodifusão realmente proibida. Em vez disso, haviam espetáculos ao vivo e os artistas de renome eram todos contratados de grandes rádios. Por isso que quando A ÚLTIMA NOITE começou, eu pensei que se tratava de um filme de época, dos anos 40 ou 50. A única personagem que destoava do geral era a de Lindsay Lohan, que, com seus pensamentos suicidas, mais parecia alguém da década de 80 ou 90. Curiosamente, na calça rasgada de Lohan, há os números "4-5-94", a provável data da morte de Kurt Cobain.

O fechamendo do espetáculo "A Prairie Home Companion" se deu em 1987. No entanto, Altman faz com que nos sintamos nos anos 40, com seus personagens trajando figurinos de época, especialmente Kevin Kline e Virginia Madsen, que parecem saídos de algum filme noir daquele período. Mas isso se dá porque Kline interpreta o personagem Guy Noir, astro de uma novela policial de rádio. Essa confusão temporal dá um ar de anacronismo ao filme, o que acaba combinando com um cineasta outonal como Altman.

Há as canções, várias canções, todas tratadas com muito carinho e saudosismo. Pena que a maioria dessas canções eu desconheço, mas tenho a impressão de que elas são importantes para os americanos. Inicialmente os artistas cotados para interpretarem os caubóis Dusty e Left eram Tom Waits e Lyle Lovett, o feioso ex-namorado da Julia Roberts, mas quem acabou ficando com os personagens foram Woody Harrelson e John C. Reilly, que não fizeram feio. A cena que mostra eles cantando a canção das piadas ruins é um dos destaques do filme. Quanto aos demais, se eu for destacar os seus melhores momentos, esse texto vai ficar enorme.

Só Woody Allen tem agora o poder de reunir um elenco tão grande num filme de orçamento modesto. E eu espero que o anjo da morte não apareça pra visitar o nosso amigo nova-iorquino tão cedo. Melhor nem pensar nisso. Quanto ao Altman, em sua última entrevista, ao ser perguntado sobre quais seriam os seus planos para o futuro, o cinesta respondeu: "meu plano a curto prazo é acordar amanhã de manhã, e meu plano a longo prazo é acordar amanhã de manhã.".

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