segunda-feira, novembro 27, 2006

PARIS, EU TE AMO (Paris, Je T'Aime)



Às vezes eu acho que sou abençoado pelos deuses do cinema. Deve ter algum São Hitchcock ou São Truffaut me protegendo ou mexendo os pauzinhos para que eu consiga ver certos filmes, mesmo quando tudo leva a crer que não vai rolar. Já aconteceu antes com um filme do Woody Allen. Quando eu achava que não ia dar certo eu ver a única sessão do filme, lá estava eu no cinema ouvindo aquele jazz típico. Dos filmes exibidos na edição desse ano do Festival Varilux de Cinema Francês, PARIS, EU TE AMO (2006) era o que eu mais queria ver. Mas não podia, pois eu dou aula durante a semana, e o filme estava programado para passar apenas na sexta e na terça. Assim, já estava mais ou menos conformado em ver o filme só no ano que vem, quando ele entrasse em circuito comercial. Assim, pego o carro e vou até o bairro Bom Jardim. Quando chego lá, a escola está fechada e o vigia fala que só terá aula na segunda-feira. Tentei não demonstrar que estava feliz da vida por isso - sabe como é, professor tem a obrigação de amar a profissão acima de tudo -, e saí devagarinho ouvindo Leonard Cohen. Logo comecei a ouvir um estranho ruído acompanhando a canção do Cohen: era o som do pneu do carro, que tinha furado. Saí à procura de alguém que pudesse trocar o pneu, já que eu ainda não aprendi a fazer isso. Encontrar alguém foi mais fácil do que imaginei. Ruim é que o estepe também estava furado, mas consegui chegar a tempo numa borracharia. Mas isso não atrapalhou a minha alegria nem me atrasou para a sessão.

PARIS, EU TE AMO é, de longe, o melhor filme em episódios que eu já assisti. Esqueçam os recentes CRIANÇAS INVISÍVEIS e 11 DE SETEMBRO. PARIS, EU TE AMO supera até mesmo os clássicos RO.GO.PA.G e HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS. De que outra maneira poderíamos ver num mesmo filme Steve Buscemi, Catalina Sandino Moreno (ê, Waltinho esperto!), Sergio Castellitto, a maravilhosa Juliette Binoche, Willem Dafoe, Nick Nolte, Ludivine Sagnier (bom, confesso que não a reconheci), Maggie Gyllenhaal, Fanny Ardant, Bob Hoskins, Elijah Wood, Natalie Portman, Gérard Depardieu e os cassavetianos Ben Gazzarra e Gena Rowlands? Nem mesmo Woody Allen ou o recém-falecido Robert Altman conseguiriam juntar num mesmo filme toda essa gente. Mas o melhor é que todos esses grandes intérpretes são dirigidos por alguns dos melhores cineastas da atualidade. Mesmo os cineastas que eu não conheço - a maioria, na verdade - me surpreenderam com pequenas pérolas. Como foi dado total liberdade para os realizadores, cada um fez o que bem quiz. Vou tentar falar um pouco de cada um dos curtas. Como são curtas, eu aviso que posso estar estragando um pouco o filme pra quem não assistiu ainda, já que muito da graça de PARIS, EU TE AMO está nas surpresas. Mesmo assim, vou tentar não dizer muito do enredo de cada segmento.

1."Montmartre", de Bruno Podalydès. Esse simpático curta de abertura mostra um homem em busca de uma vaga para estacionar. E de alguém para amar. Até que uma mulher desmaia perto de seu carro. Será que essas coisas acontecem mesmo na vida real?

2."Quais de Seine", de Gurinder Chadha. A diretora é queniana. Não conhecia. Se eu já tinha gostado do anterior, esse, então, é dos meus favoritos. Um rapaz se apaixona por uma garota muçulmana. Adorei o final.

3."Les Marais", de Gus Van Sant. Esse é um dos curtas que mais geraram expectativas por causa dos últimos trabalhos do diretor. Trata-se de um autêntico Van Sant, com direito a amor entre dois rapazes, conversa - aliás, monólogo -, sobre almas gêmeas, e uma opção por poucos cortes na edição.

4."Tuileries", de Joel e Ethan Coen. O primeiro curta não-romântico do projeto. Aliás, duvido que os Coen consigamm fazer um filme romântico algum dia, eles que são tão ácidos e sarcásticos. No segmento, Steve Buscemi é um turista solitário em Paris que, sem querer, se mete numa confusão.

5."Loin du 16ieme", de Walter Salles e Daniela Thomas. Esse curta me passou a impressão de ser mais curto do que os demais. Waltinho e sua parceira na direção têm o orgulho de trazer a belíssima Catalina Sandino Moreno como uma mulher hispânica que precisa deixar o seu bebê em casa para trabalhar de baby sitter. Simples e bonito.

6. "Porte de Choisy", de Christopher Doyle. O único curta ruim da antologia. Bem que poderia ser tirado. Melhor Doyle continuar trabalhando apenas como diretor de fotografia, coisa que ele faz muito bem. A trama é meio esquisita, sobre um vendedor de xampu que chega num bairro chinês de Paris. Bleargh!

7. "Bastille", de Isabel Coixet. Sergio Castellitto planeja terminar com a esposa para ficar com a amante, mas precisa mudar de planos, quando descobre que a esposa está com câncer. A diretora é a do belo e triste MINHA VIDA SEM MIM (2003). Lindo!

8. "Place des Victoires", de Nobuhiro Suwa . Esse é maravilhoso. Tem um clima meio lynchiano, principalmente pela participação de Willem Dafoe como uma espécie de caubói, mas muito da sua força vem da presença sempre divina de Juliette Binoche. Ela faz o papel de uma mãe que sofre a perda de seu filho pequeno e que tem a chance de dar o último adeus à criança.

9. "Tour Eiffel", de Sylvain Chomet. Esse é simpático, mas não é dos meus favoritos. É uma estória de amor entre dois mímicos.

10. "Parc Monceau", de Alfonso Cuarón. Num único plano seqüência, vemos uma jovem mulher (Ludivine Sagnier) e um homem mais velho (Nick Nolte) discutindo sobre suas vidas. Cada vez eu gosto mais de Cuarón. E ele vem aí com FILHOS DA ESPERANÇA (2006), que promete ser um filmaço!

11. "Quartier des Enfants Rouges", de Olivier Assayas. Como Assayas adora mostrar pessoas de culturas diferentes se relacionando num mundo globalizado e subversivo, vemos uma atriz americana (a sempre ótima Maggie Gyllenhaal) se apaixonando por um traficante de drogas. Excelente!

12. "Place des Fetes", de Olivier Schmitz. Esse é dos mais tristes da antologia. Um homem está ferido numa praça e é socorrido por paramédicos. Filminho bonito, ainda que não esteja entre os meus favoritos.

13. "Pigalle", de Richard LaGravenese. Esse é um dos mais fracos, mas ainda assim desperta o interesse por causa das performances de Fanny Ardant e Bob Hoskins, como um casal em busca de novas emoções para o seu relacionamento.

14. "Quartier de la Madeleine", de Vincenzo Natali. É o mais diferente da antologia. Elijah Wood é um turista que se apaixona por uma vampira. Detalhe para a cor do sangue. Engraçado que na hora desse curta, algumas pessoas saíram da sala. Isso que eu chamo de preconceito com o gênero, hein!

15. "Pere-Lachaise", de Wes Craven. O cineasta mais ligado ao gênero horror da turma acaba fazendo um curta sobre dificuldades de relacionamento. Na trama, um casal em férias visita o túmulo de Oscar Wilde.

16. "Fauborg Saint-Denis", de Tom Tykwer. Só por ter a presença luminosa de Natalie Portman esse curta já merece destaque. O cuidado com o visual já é uma marca de Tykwer, que conta o romance entre uma jovem aspirante a atriz e um rapaz cego.

17. "Quartier Latin", de Frédéric Auburtin e Gérard Depardieu. O curta marca a estréia de Depardieu atrás das câmeras. Não é dos melhores, mas a ótima performance de Ben Gazzarra e Gena Rowlands compensa um pouco. Cá pra nós, como Gazzara está velho, hein! E pensar que nos anos 90, ele já foi o "come-todas" Marcelo num dos filmes do Khouri.

18. "14th Arrondissement", de Alexander Payne. Esse curta é a cara de Payne. É uma espécie de versão feminina de AS CONFISSÕES DE SCHMIDT (2002). Tem algo no curta que me incomoda, que é a idéia de mostrar os losers como motivo de riso, como se o cineasta estivesse zoando deles. Ao mesmo tempo, é um curta que diverte bastante e que mexe com as emoções. Só não sei se foi o segmento ideal pra finalizar a antologia. A tentativa no final de unir alguns dos episódios também soou forçada, mas nada que atrapalhe a apreciação geral.

P.S.: Tem blog novo na área: o Blog of Snobs, do David. Demorou, mas ele acabou cedendo aos pedidos do pessoal.

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