quinta-feira, outubro 19, 2006

ESTAMIRA



Para um filme que deve muito de sua importância ao discurso da personagem título, ESTAMIRA (2004) não me convenceu muito não. Quando o filme começa e mostra aquelas imagens sem diálogos de Estamira pegando ônibus e indo para o lixão do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, aquela fotografia granulada e com aspecto sujo e a sensação de desalento me fascinaram. Acredito que Marcos Prado tem futuro no cinema de ficção, se um dia ele se interessar a dirigir um. Como ele atualmente está produzindo a ficção TROPA DE ELITE (2007), de José Padilha, é possível que ele se aventure na direção de ficção algum dia.

Quanto a Estamira, a velha me incomodou. Aliás, não foi nem ela quem me incomodou tanto, mas a tentativa que o filme faz a todo custo de dar sentido aos pensamentos sem nexo da catadora de lixo, como se ela fosse uma espécie de filósofa, sábia ou detentora da verdade, como aliás a própria se julga. Ela afirma que sua missão no mundo é "mostrar a verdade e capturar a mentira". Talvez a pretensão da mulher tenha despertado a atenção do cineasta. O que eu vi na tela foi apenas uma senhora paranóica e raivosa, que vive culpando os "espertos aos contrário" e o "trocadilo" pela sua desgraça. Em certo momento, inclusive, eu cheguei a acreditar na teoria do filho dela, de que ela estaria sofrendo influência de algum espírito demoníaco. Do jeito que eu sou supersticioso, não descartaria essa hipótese.

Deu pra notar que Estamira ficava às vezes envaidecida quando discursava para a câmera, como naquela vez em que ela estava no lixão, próximo de um companheiro de trabalho. Deu pra perceber também a proximidade que ela tinha com o cineasta, embora essa aproximação não tenha sido tão forte quando a de Roberto Berliner e as ceguinhas de A PESSOA É PARA O QUE NASCE.

Das coisas que Estamira falou, o que eu achei mais interessante foi justamente aquilo que está escrito no cartaz: "tudo que é imaginário, tem, existe, é." Isso mostra uma lucidez impressionante para uma pessoa que sofre de distúrbios mentais e não teve uma educação suficiente para explicar de forma um pouca mais precisa seus pontos de vista e sua idéia de mundo. Em razão disso, fiquei sem saber o que ela quis dizer quando falava coisas como "aquele que revelou o homem como único condicional" - isso ela falou umas três vezes - ou quando se referia a um "controle remoto".

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