quinta-feira, agosto 17, 2006

GERTRUD



Depois de A PALAVRA (1955), Carl Th. Dreyer levou quase uma década para levar às telas o seu derradeiro filme, GERTRUD (1964). Imagino a expectativa que um novo filme do mestre deve ter causado para o público da época. Ainda mais depois de uma obra-prima tão impactante quanto A PALAVRA. Mal comparando, é mais ou menos o que aconteceu quando fomos ao cinema ver DE OLHOS BEM FECHADOS, do Kubrick, outro cineasta que demorava muito a realizar novos filmes, principalmente nos últimos anos de sua carreira. Se levarmos em conta toda essa expectativa, GERTRUD pode até ter me decepcionado um pouco, mas é inegável a grandeza do filme e a certeza de que se trata de um trabalho de um mestre.

Em GERTRUD, Dreyer deixa um pouco o tema da morte, tão presente em seus últimos filmes, e retoma a temática da solidão e do amor não correspondido de MIKAEL (1924). Com a diferença que dessa vez Dreyer tem a seu favor o uso do som e do silêncio. O filme apresenta planos longos e diálogos em tom solene e pouco natural, bem diferente tanto do cinema que se fazia na época quanto do cinema que se faz hoje. Há uma certa teatralidade nas performances do elenco. Eles falam sem olhar para o outro, como se estivessem lendo um texto numa cartolina por não terem decorado as falas. É um negócio um pouco estranho. Mas é na estranheza que reside a beleza do filme, que também é bastante econômico nas movimentações de câmera e nos cortes. Plasticamente, um dos momentos mais bonitos, é quando Gabriel, um dos primeiros amores de Gertrud, a visita. Ele se aproxima de um espelho e Gertrud aparece no espelho e a câmera fica fixa nessa posição enquanto os dois conversam, evitando, assim, o campo-contracampo. (O espelho e a moldura até me lembrou uma seqüência de O SEXTO SENTIDO, do Shyamalan.)

Num dos flashbacks, que são mostrados com uma brancura quase cegante, Gertrud lembra de quando ela largou Gabriel, apenas por ter encontrado em sua anotações a frase: "o amor de uma mulher e o trabalho de um homem são inimigos mortais". Gertrud é uma personagem que me passou impressões ambíguas. Se por um lado, eu a achei extremamente orgulhosa e egoísta, por outro, eu admirei o seu idealismo, o seu desejo de colocar o amor acima de tudo, acima de qualquer atividade que o homem possa desempenhar. Sabemos que o homem, muitas vezes, até deixa a mulher um pouco de lado, se ele exerce uma profissão ou uma atividade importante, seja ele um cientista ou um artista. Muitas vezes, o tempo que ele gasta discutindo a relação com a mulher poderia ser melhor aproveitado desempenhando aquilo que ele sabe fazer melhor. Porém, ter uma mulher que o compreenda, que esteja a seu lado para fortalecê-lo e dar maior estabilidade emocional é muito importante e, nem preciso dizer, muito melhor do que a solidão. (E como diria George Constanza do SEINFELD, não é preciso que os dois sejam parecidos. Enquanto Pasteur ficava junto às vacas cuidando da pasteurização, ela ficava na cozinha matando as baratas e fazendo bolos.)

A influência de Dreyer no cinema de Andrei Tarkovski, se já era bastante notada nos filmes anteriores, ganha força ainda maior na seqüência em que Gertrud olha para um quadro e reconhece nele um sonho que teve: ela, nua numa floresta, rodeada por lobos. Lembrei-me da cena do quadro de Leonardo Da Vinci, que aparece misteriosamente em O SACRIFÍCIO, o meu Tarkovski preferido. A utilização dos diálogos pausados também lembram bastante os filmes de David Lynch. Outros cineastas tocados claramente por Dreyer: Ingmar Bergman e Lars Von Trier. Pra um cineasta que, durante a sua época, foi considerado por muitos um velho de estética ultrapassada, até que ele deixou muitas sementes.

Meu ranking Dreyer:

1. A PALAVRA
2. DIAS DE IRA
3. A PAIXÃO DE JOANA D'ARC
4. GERTRUD
5. O VAMPIRO
6. A TRAVESSIA (curta)
7. A QUARTA ALIANÇA DA SRA. MARGARIDA
8. O GRANDE ESCULTOR (curta)
9. MIKAEL

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