terça-feira, julho 04, 2006

CACHÉ



CACHÉ (2005) era um dos filmes mais aguardados do ano pra mim. Desses com potencial para encabeçar a lista de melhores do ano. De repente, até mesmo o fato de eu ter visto os filmes ateriores de Haneke com o pé atrás deixa de ser um fato relevante. Suspeito que isso tenha ocorrido por causa da semelhança do enredo do filme com o ponto de partida de A ESTRADA PERDIDA, uma das obras-primas de David Lynch. Mesmo com essas comparações, sabia que Michael Haneke entregaria um tipo diferente de obra e que eu também deveria estar preparado para uma possível decepção. De certa maneira, Haneke é mais subversivo do que Lynch. Ele pega um gênero popular, o thriller, e transformou numa obra estranha. O cineasta engana muitas vezes o espectador, que corre o risco de sair do cinema revoltado ou frustrado. Como aconteceu com o grupo de senhoras que estavam sentadas na fila detrás da minha. Elas saíram xingando o filme e os franceses. Uma delas chegou a dizer: "como é que pode, eu sair de casa em pleno domingo à noite para ver uma merda dessas, logo depois de ter apanhado dos franceses no jogo de ontem?".

Quanto a mim, saí do cinema sem entender direito o que Haneke quis dizer com seu filme, mas ciente de que era necessário tempo para que eu pudesse digerí-lo. Também me pareceu óbvia a importância da discussão sobre a culpa dos franceses em relação aos argelinos. Pra quem não sabe - eu também não sabia -, em 1961 aconteceu em Paris um massacre dos argelinos da Frente de Libertação Nacional (FLN). O grupo fazia passeata com o objetivo de protestar contra o toque de recolher que os proibia de sair às ruas. Por causa disso, cerca de 400 argelinos foram espancados até a morte pela polícia e seus corpos foram jogados no Rio Sena. Esse fato é uma das maiores vergonhas da história da França e está ausente da maioria dos livros de História do pais. Não saberia dizer se esse acontecimento seria o eixo central da trama ou se Haneke usou esse fato apenas para ilustrar o sentimento de culpa, independente de qualquer nacionalidade. Lembrando que Lynch, tanto em A ESTRADA PERDIDA quanto em CIDADE DOS SONHOS, também usou a culpa como eixo temático.

Na trama de CACHÉ , casal de classe média alta - o excelente Daniel Auteuil e a cada vez mais maravilhosa Juliette Binoche - recebe fitas-cassete contendo imagens da fachada de sua casa. A cada vez o conteúdo das fitas vai mudando e, aos poucos, o personagem de Auteuil vai suspeitando de quem poderia estar por trás desses atos. Durante vários momentos, Haneke frustra nossas expectativas. Quando esperamos que algo assustador aconteça, como na seqüência em que Auteuil apaga as luzes para se deitar, nada acontece. O oposto também ocorre, mas em bem menor número, embora uma cena em especial pegue todo mundo de surpresa. O plano final é daqueles que provocam sentimentos diversos no público, em geral, muito acostumado à narrativa clássica e aos finais convencionais. Algumas risadas são inevitáveis, como se o espectador se sentisse vítima de uma pegadinha do diretor. Mas é preciso prestar bastante atenção e, se possível, rebobinar a fita, para perceber o que de fato acontece nessa seqüência final, que, parece, dá uma pista de quem estaria por trás do terrorismo das fitas. Pena que no cinema, não dá pra pedir para o projecionista rebobinar a fita pra gente ver de novo. Mais um motivo para rever o filme em DVD.

Tudo indica que CACHÉ representa para Michael Haneke o que ELEFANTE representou para Gus Van Sant, isto é, um momento de genialidade que pode fazer com que toda a sua filmografia pregressa seja reavaliada. Seria Haneke um autor incompreendido?

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