terça-feira, maio 30, 2006

O DESPREZO (Le Mépris / Il Disprezzo)



Escrever sobre filmes do Godard é sempre um problema para quem - como eu - não tem um conhecimento mais aprofundado do contexto histórico dos filmes, das referências utilizadas pelo diretor e de suas intenções. Por isso, acho que esses meus textos feitos apressadamente para o blog não funcionam muito bem quando se trata de Godard. Mas vamos seguindo adiante e aprendendo com os poucos textos que eu leio na internet e com os livros que tenho. Ler sobre Godard, assim como escrever, ajuda muito na compreensão de seus filmes, tornando-os mais fáceis de serem apreciados. Gostaria muito de ter um livro escrito em português sobre Godard. Será que existe algum publicado no Brasil? O único livro que eu tenho que tem algo dele é "Grandes Diretores de Cinema", de Laurent Tirard, que contém pequenas entrevistas de vários diretores famosos.

Levando adiante minha peregrinação pela obra godardiana, cheguei em O DESPREZO (1963), um de seus filmes mais famosos e importantes. Eu havia visto o filme no início de minha cinefilia em uma cópia muito ruim em VHS. Dessa vez, com a cópia em divx ripada do DVD da Criterion, pude ver o quanto as cores do filme são bonitas e como é importante assistí-lo na sua janela correta, em scope. Por exemplo, tem uma cena em que Michel Piccoli fica no cantinho da tela, enquanto todo o resto do espaço é completado pelas pedras e pelo mar da paradisíaca Ilha de Capri, enfatizando a solidão e o sentimento de abandono do personagem. Numa cópia em "tela cheia", só ia dar pra ver o mar e as pedras.

O DESPREZO é, como o título já sugere, um filme sobre um homem desprezado pela mulher, depois que ela percebe que não ama mais o marido. Há quem diga que o filme foi inspirado na intimidade de Godard e Anna Karina. Principalmente pelo fato de Godard ter colocado, em determinada cena, uma peruca preta em Brigitte Bardot, de modo que ela ficou parecida com Karina em VIVER A VIDA (1962).

Além da participação sensual, com direito a nudez, de Brigitte Bardot, boa parte da fama do filme se deve à presença de Fritz Lang no papel de Fritz Lang. Ele é o diretor contratado pelo produtor americano Jeremy Prokosch (Jack Palance, que parece estar se divertindo bastante no papel do produtor tirano) para fazer uma adaptação da Odisséia de Homero. Michel Piccoli é o roteirista, um homem de teatro que se vê pouco à vontade no mundo do cinema. Bardot é sua esposa.

Em entrevista a Peter Bogdanovich, Lang declarou que Godard improvisava bastante. Inclusive, o próprio final do filme, Godard não tinha a menor idéia de como fazê-lo e perguntou a Lang: "Fritz, você tem alguma idéia sobre como deveríamos terminar esse filme?". E Godard acabou aceitando uma das sugestões do cineasta alemão.

O tema da morte do cinema, anteriormente apenas sugerido em VIVER A VIDA, dessa vez é citado explicitamente. O desgate no relacionamento de um casal também já havia sido mostrado em UMA MULHER É UMA MULHER (1961), mas de maneira bem mais leve. Dessa vez, Godard perde aquela leveza do início da carreira e se mostra bem mais sério e solene. Essa gravidade se torna ainda mais evidente com a música de Georges Delerue, que chega a ser invasiva e angustiante.

A personagem de Bardot, depois que perde o respeito que sentia pelo marido, diz a certa altura: "você não é um homem". Isso doeu até em mim. De tão desesperado que estava com a dissolução do casamento, o humilhado Piccoli já não se importa mais com o seu emprego, joga tudo para cima, dizendo que está nessa de cinema apenas pelo dinheiro, que gosta mesmo é de teatro. Para ele, não interessa mais se os produtores não mais o contratarão no futuro. Para ele, não há nada mais importante do que aquela mulher. Outra cena incômoda acontece quando Piccoli pergunta para Bardot se ela não quer fazer amor com ele, e ela, no sofá, despe-se e diz algo como: "ok, mas seja rápido". Um negócio desses, além de ser altamente brochante, faz com que o homem se sinta um verme. Nada mais doloroso do que ser rejeitado pelo mulher que você ama e com quem já teve momentos íntimos dos mais prazerosos. O filme me pareceu bastante forte para uma adaptação de uma obra de terceiros, no caso, Alberto Moravia. Passa a impressão de algo bastante pessoal para o diretor

Próximo Godard da fila: BAND À PART (1964).

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