sexta-feira, fevereiro 24, 2006

A MENINA SANTA (La Niña Santa)























Tem filmes que nos deixam sem chão, desorientados. Caso dos filmes da Lucrecia Martel. Ainda bem que eu já tinha visto O PÂNTANO (2001). Já estava razoavelmente preparado para ver um filme da diretora. Comparando os dois filmes, tenho impressão que A MENINA SANTA (2004) é superior. Principalmente por causa do humor, que dessa vez está afiadíssimo. E como o número de personagens é bem menor dessa vez, A MENINA SANTA aparentemente é um filme mais fácil de ser deglutido e entendido no plano superficial.

Assim como O PÂNTANO, A MENINA SANTA mostra uma relação de proximidade dos corpos, bem maior do que a gente está acostumado a ver no cinema. Seria um contraponto perfeito aos filmes orientais. Assim de sopetão, arriscaria dizer que A MENINA SANTA é um filme sobre a atração física, sobre o medo, sobre segredos e sussurros, sobre a dúvida, sobre o coito interrompido e sobre a fé. Uma dúvida: naquele coito interrompido do filme, a menina estava fazendo sexo anal com o namorado para preservar a virgindade? Parece que sim. E no que se refere à fé, fico sempre com dúvida se a diretora trata o catolicismo com respeito ou com ironia. Mas uma das maiores qualidades do filme são essas ambigüidades.

Há coisas bastante estranhas no hotel decadente onde se passa a história. O que é aquela camareira que fica o tempo todo perfumando o ambiente com um spray? Ela entra sem avisar nos quartos, mesmo quando os hóspedes estão. E isso não é a única coisa estranha do filme. Além de todos os personagens também serem bastante esquisitos, lembrei daquela história do rapaz que caiu pelado do andar de cima.

Fica muita coisa no ar. Parece haver uma riqueza de simbolismos muito grande. A MENINA SANTA é um filme pra ser visto e revisto, sempre se encontrando novos significados. Por enquanto, restam as muitas dúvidas. Mais delas: o que representa o ex-marido ligando para a mulher o tempo todo? O que o Doutor Jano queria da Amália? Apenas dar uma "pinadinha"? O fato é que a vida é ainda mais complicada do que os filmes, portanto, não tem porque os filmes serem sempre explicadinhos se eles querem retratar um pouco do que é a vida.

Dizem que o theremin, aquele instrumento que toca quase sem ser tocado, e que aparece várias vezes no filme, sintetiza um pouco do que o filme tem a dizer. Assim como esse instrumento, os corpos nem sempre precisam ser tocados para que se desenvolva energia sexual. Pelo visto, cada detalhe apresentado parece ter importância fundamental para o que Lucrecia Martel quer dizer. E aquele final é fantástico: "Doutor Jano, compareça ao palco".

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