quarta-feira, dezembro 28, 2005

PERSONA - QUANDO DUAS MULHERES PECAM (Persona)



Minha sede por novos filmes é tanta que não tenho o hábito de rever nem mesmo filmes de que gosto muito. Existe um mundo de obras-primas a serem descobertas, dezenas de diretores importantes cujos trabalhos eu ainda não conheço e o tempo é tão escasso. Mas aí eu tive a chance de rever PERSONA (1966) - esqueçamos esse subtítulo idiota -, numa cópia em DVD com excelente qualidade de imagem, emprestada pela minha amiga Carol, que de vez em quando consegue cada preciosidade... A primeira vez que vi PERSONA foi em fevereiro/2003 (tem até um mini-texto meio tosco sobre ele aqui no blog), mas foi numa cópia em VHS horrível da Continental. A primeira vez que vi o filme, não entendi nada. Não que muita coisa tenha mudado com a revisão. O filme ainda é um enigma pra mim. Quem sabe numa outra ocasião, eu entendo melhor.

Confesso que não sou muito fã de Ingmar Bergman. De sua obra, o único filme do qual realmente sou fã é MORANGOS SILVESTRES (1957), por causa da ligação com o romantismo do passado, o apego com a memória, o saudosismo da infância, coisas com os quais eu me identifico bastante. Os outros filmes de Bergman que vi tiveram efeito diverso em mim. Alguns eu gostei bastante, como GRITOS E SUSSURROS (1972) e FANNY E ALEXANDRE (1982); outros, nem tanto, como MONIKA E O DESEJO (1953), O SÉTIMO SELO (1957) e O OLHO DO DIABO (1960). Talvez por não tê-los visto no melhor momento. Mas o certo é que Bergman, até o momento, não é dos meus cineastas favoritos. Seus filmes, em geral, não são facilmente absorvidos pela minha memória. Mais parecem sonhos que ficam guardados no subconsciente.

Não existe nenhuma outra forma de arte que se assemelhe mais ao sonho do que o cinema. E alguns cineastas, como Bergman, souberam tirar proveito disso. Nos anos 60, principalmente, época da contra-cultura, do LSD etc., havia uma vontade maior de inovar, de experimentar, de querer fazer filmes menos lineares, menos lógicos. Havia uma vontade de querer fazer filmes para o terceiro olho, seja lá o que isso signifique. Talvez por isso que essa foi a década da decadência do cinema americano, mais ligado ao clássico narrativo. Foi a década da explosão do cinema de vanguarda na Europa e no resto do mundo.

Aqui no Brasil, o maior herdeiro do cinema de Bergman foi Walter Hugo Khouri. Vejo muitas semelhanças entre PERSONA e filmes como AS DEUSAS e AMOR VORAZ. Esses três filmes mostram mulheres com problemas psicológicos passando uns tempos numa casa de campo. No caso de PERSONA, temos Liv Ullmann vivendo uma atriz que deixa de falar durante uma representação teatral de "Electra". Depois de ter sido internada numa clínica por uns tempos, constatou-se que ela não está doente; que apenas optara pelo silêncio. Uma jovem enfermeira (Bibi Andersson) é encarregada de tratar dela. As duas ficam isoladas numa bela ilha - o lugar era de propriedade do próprio Bergman e foi cenário de vários outros filmes do diretor. Aos poucos, a enfermeira passa a gostar de forma obsessiva da atriz.

PERSONA é tido como um obra que pode ser lida à luz da psicanálise freudiana. A personagem de Liv Ullmann, de acordo com o que li, seria parafrênica. Ou narcisista. Ela é incapaz de amar, mas vive de ser amada, depende do amor dos outros. Freud acreditava que as mulheres teriam uma maior tendência ao narcisismo do que os homens. E que a maior parte das mulheres superam esse narcisismo através da maternidade. No filme, a personagem de Liv Ullmann chega a rasgar a fotografia do filho. A personagem de Bibi Andersson é menos misteriosa, já que ela passa o tempo todo contando sobre suas neuroses, enquanto Liv Ullmann fica o tempo todo de boca fechada. A personagem de Andersson conta à atriz coisas de sua intimidade, que nunca havia contado a ninguém. Ficamos sabendo de seu sentimento de culpa por causa de um aborto no passado. Talvez por causa de sua baixa auto-estima ela tenha se ligado à personalidade forte da personagem de Liv Ullmann. Ela seria o modelo da neurose obsessiva. Ela fica tão obcecada pela atriz que quer ser ela, sacrificando a si mesma.

Tem aquela famosa cena em close que mostra a metade dos rostos de cada uma. Para essa cena, Bergman fotografou justamente as metades "feias" dos rostos das duas atrizes. Como se sabe, a maioria das pessoas têm uma metade do rosto mais fotogênica que a outra. Lembro de ter assistido uma entrevista uma vez, se eu não me engano com a Malu Mader, no programa do Jô Soares, em que ela falava sobre isso. Para o filme, esse recurso das duas metades dos rostos, além de deixar tudo muito bizarro, ajudou a explicitar o lado mais sombrio de cada personagem e de cada atriz.

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