sábado, julho 23, 2005

ERA UMA VEZ NO OESTE (Once Upon a Time in the West / C'era una Volta il West)



Uma das vantagens de se estar gripado e acamado é ficar relaxando em casa, vendo filmes em vídeo ou botando a leitura em dia. Há tempos que eu vi em DVD o filme ERA UMA VEZ NO OESTE (1968) e os documentários do segundo disco, mas estava esperando terminar de ouvir/ler a faixa de comentários para só depois comentar sobre o filme, o que acabou demorando um tempão. Só agora consegui terminar de acompanhar a trilha de comentários. Que aliás, foi umas coisas que mais me atraíram para que eu comprasse o DVD. Além da palavra do especialista Sir Christopher Frayling, autor dos livros "Once Upon a Time in Italy: The Westerns of Sergio Leone" e "Sergio Leone: Something to Do with Death", havia ainda participação de John Carpenter, John Millius, Alex Cox, Claudia Cardinale, entre outros membros da equipe do filme.

A trilha de comentários é realmente muito rica em informações sobre o filme e suas inúmeras citações, já que estamos falando de um cineasta pós-moderno. E como Leone adorava John Ford, hein! Sir Christopher Frayling cita várias cenas em que Leone homenageia os westerns fordianos. Entre os filmes citados, há desde os famosos O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA e RASTROS DE ÓDIO até outros, menos conhecidos, como O CAVALO DE FERRO.

Além de Ford, outros cineastas são citados: a primeira seqüência do filme, que mostra os bandidos esperando na estação de trem lembra MATAR OU MORRER, de Fred Zinneman; a gaita de Charles Bronson é referência a JOHNNY GUITAR, de Nicholas Ray; a estranha relação entre Jason Robards e Claudia Cardinale é citação a MINHA VONTADE É LEI, de Edward Dmytryk; além de outros filmes citados como OS BRUTOS TAMBÉM AMAM, de George Stevens, SUA ÚNICA SAÍDA, de Raoul Walsh, e WINCHESTER 73, de Anthony Mann.

Brincar de procurar referências em ERA UMA VEZ NO OESTE para quem conhece muito de cinema é como contar estrelas no céu. Mais ou menos como aconteceu recentemente com KILL BILL, de Quentin Tarantino. Aliás, a obra-prima de Tarantino também é devedora do filme de Leone. Dá pra ver claramente que a tomada vista de trás dos bandidos liderados por Henry Fonda no filme de Leone é homenageada na cena do massacre na igreja, no início de KILL BILL VOL. 2. Inclusive, Tarantino o homenageia até na tentativa de fazer um filme mais lento nesse segundo volume.

E "lento" é uma palavra que se aplica muito bem a esse filme de Leone. Os produtores americanos ficaram putos da vida quando viram o resultado do filme. O que eles queriam era um filme rápido como a trilogia dos dólares que Leone fizera com Clint Eastwood. O que receberam foi uma ópera arrastada. Com esse andamento, era natural que o filme fosse ter mesmo três horas de duração. As críticas ao filme nos EUA não foram favoráveis. O filme só veio ganhar status de clássico com o tempo.

Sobre os documentários presentes no segundo disco, o maior deles é "Uma Ópera de Violência" (29 min), que dá uma geral no filme e traz depoimentos de muita gente, inclusive de quem participou da trilha de comentário. (Não entendi porque Alex Cox aparece tão distante da câmera nos depoimentos. Ô carinha esquisito.) "O Resultado" (19 min) foca mais na locação do filme e nas filmagens no Monument Valley, o cenário preferido dos filmes de John Ford. "Algo Relacionado à Morte" (18 min) mostra uma curiosa cena cortada de uma briga com Charles Bronson. Fala também dos quatro temas musicais ligados a cada um dos personagens principais. "A Ferrovia: Revolucionando o Oeste" (6 min) não tem ligação direta com o filme. Fala mais de como as ferrovias mudaram a história da expansão americana. Além desses documentários, há também fotos das locações na época do filme, comparando com fotos dos dias de hoje. Os stills passam, enquanto ouvimos o tema de Claudia Cardinale ao fundo (4 min). Muito bonito.

Entre as minhas cenas favoritas, gosto bastante do duelo final entre Charles Bronson e Henry Fonda. A dança da morte, a lentidão, dando tempo para nos atentarmos a detalhes das roupas dos dois homens. Ao contrário de Sam Peckinpah, que extendia a violência nos filmes através da câmera lenta, a violência em Leone é rápida. Ele se interessa mais pelo suspense que a precede. Também gosto bastante do prólogo do filme, da seqüência silenciosa dos bandidos na estação de trem. Aliás, o fato de Leone ter mostrado o ator Woody Stroode como primeira coisa do filme já parece outra homenagem a Ford e ao filme AUDAZES E MALDITOS, um dos meus preferidos do velho caolho. Essa e outras cenas, inclusive, foram filmadas na Espanha. Outras, nos estúdios da Cinecitá, na Itália, e algumas externas foram filmadas no Monument Valley, nos EUA. Como a cena da chegada de Cardinale, por exemplo.

Se o filme tem seus problemas é talvez culpa do roteiro. Ou da montagem, talvez. Bernardo Bertolucci até comenta sobre uma cena em que perdemos o fio da meada. Ficamos desorientados sem saber que horas são, onde estamos, ou que relação aquela cena teria com a anterior ou com a próxima. Senti isso não apenas uma vez no filme. A estória do filme ficou a cargo dos então novatos Bertolucci e Dario Argento. Por conta desses momentos meio perdidos e do andamento extremamente lento do filme que eu acho que ERA UMA VEZ NO OESTE talvez não seja um western indicado para quem ainda está sendo introduzido na obra de Leone. Eu indicaria, sem dúvida, o delicioso TRÊS HOMENS EM CONFLITO (1966). Que aliás, é outro filme que eu ainda quero ter em DVD um dia.