quarta-feira, junho 08, 2005

QUANTO VALE OU É POR QUILO?

 

-E aí, gostou do filme? Taí uma pergunta difícil de responder quando se trata dos filmes de Sergio Bianchi. Difícil não ficar com um pé atrás vendo seus filmes. Ao mesmo tempo, sua atitude ácida, agressiva e provocadora me é bastante atraente. 

Lembro que quando vi CRONICAMENTE INVIÁVEL (2000) no cinema me senti bastante ofendido numa cena em que um sujeito xinga um nordestino nas ruas de São Paulo. Claro que isso não é o ponto de vista do diretor, apenas do personagem. No caso do novo filme, essa diferença entre o autor e o personagem pode não ficar tão clara. Há um momento em que o personagem de Lázaro Ramos seqüestra e tortura um dos ricos donos de uma ONG corrupta (Herson Capri) para, com o dinheiro do resgate, repartir o dinheiro com a comunidade. Já que a ONG não faz o que deveria fazer, é preciso tomar atitudes drásticas. Estaria Bianchi dando razão ao seqüestro como forma de benefício para os menos favorecidos? 

QUANTO VALE OU É POR QUILO? (2005) é perturbador. Logo no começo vemos os maus tratos que os escravos negros recebiam no século XIX. É de causar agonia, por exemplo, ver uma escrava com uma daquelas máscaras de alumínio, apenas com microfuros para pouco ver e pouco respirar. Ao fundo, a narração de Milton Gonçalves falando dos métodos "correcionais" aplicados aos escravos, como se fosse natural torturar um ser humano; como se houvesse uma justificativa aceitável para aquilo. A narração de Milton me lembrou a narração de Paulo José no premiado curta ILHA DAS FLORES, de Jorge Furtado. Há uma frieza e neutralidade em sua voz que chega a ser assustadora. 

O filme traça um paralelo entre o modelo escravagista da época do império com o atual modelo capitalista neo-liberal. Para Bianchi, a vontade de lucrar em cima dos miseráveis continua até os dias de hoje através das instituições filantrópicas sem fins lucrativos. O dinheiro que o Governo investe nas ONGS que trabalham com filantropia seria suficiente para ajudar milhares de famílias necessitadas. Os dados que ele apresenta no filme são alarmantes. Mas o perigo está em generalizar e achar que todas as ONGs são um poço de más intenções, hipocrisia, corrupção e lavagem de dinheiro. Não estive no debate com Bianchi que aconteceu na segunda-feira no Ponta Mar Hotel, mas ouvi falar que houve um bate-boca bem violento. Mas Bianchi já deve estar acostumado com toda essa controvérsia. 

O filme é dividido em várias estórias, algumas delas se passando no Brasil imperial, mas com uma trama principal envolvendo os tais administradores da ONG, Herson Capri e Caco Ciocler. Uma das melhores cenas do filme é a do carro que atola numa favela exatamente no momento em que está havendo um tiroteio. É uma cena bem engraçada. Bianchi também se utiliza do humor negro na seqüência posterior ao seqüestro de Capri. Também interessantes as cenas de perseguição, ao som de Chico Science & Nação Zumbi, assim com a violenta e dupla seqüência final do filme. 

Não me considero apto para questionar a ética do filme - deixo para quem entende mais de política ou sociologia -, mas se o negócio é causar efeito e provocar a sociedade, Bianchi é o homem. Dentro de um panorama em que o cinema brasileiro tende cada vez mais para o politicamente correto, as provocações do diretor até que são bem vindas.

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