quinta-feira, junho 30, 2005

C.S.I: CRIME SCENE INVESTIGATION - "GRAVE DANGER"

 

De vez em quando eu quebro umas regrinhas que eu mesmo imponho para esse blog. Geralmente não costumo falar de episódios soltos de séries de TV aqui. Prefiro esperar para ver a série terminar para só então comentar sobre ela por aqui. Quando eu não assisto a série completa, simplesmente ela não entra aqui. Mas esse é um caso especial. Afinal, estamos falando de um episódio de duas horas (se contarmos com as propagandas) dirigido por Quentin Tarantino. 

Não é a primeira vez que Tarantino se aventura em dirigir uma série de TV. Eu já tinha visto um episódio de E.R. sob sua direção. Bem convencional, por sinal. A diferença em C.S.I. é que dessa vez ele também é autor do roteiro. Quer dizer, trata-se de um autêntico Tarantino, com temas recorrentes de seu universo. A conversa dos amigos Nick e Warrick sobre uma briga no fim de semana é um típico diálogo tarantinesco, de pouca relação com a trama principal, e que nos faz lembrar do papo sobre sanduíches do McDonald's na França em PULP FICTION (1994) ou sobre dar gorjetas em CÃES DE ALUGUEL (1992). 

É também de um famoso filme de Tarantino que se apresenta o eixo central da trama do episódio "Grave Danger". É impossível não ligar esse episódio com a cena de Uma Thurman sendo enterrada viva em KILL BILL - VOL. 2 (2004). Com a diferença que o policial C.S.I. capturado e enterrado não usufrui das habilidades em artes marciais de Beatrix Kiddo para sair do caixão. Tarantino teve que fazer algo mais realista, até para não fugir muito da característica da série. Ele até tentou colocar uma piada no episódio, mas ela foi vetada pela CBS que achou que não era adequada para o horário. Mesmo assim, quem viu - ou verá, em reprise na Sony ou baixando da internet - "Grave Danger" vai sofrer sentindo-se um pouco no lugar de Nick. 

Esse foi apenas o terceiro episódio de C.S.I. que eu vi. Mal conheço os personagens. Já Tarantino é fã. E gostou tanto de dirigir esse episódio que já planeja um dia fazer a sua própria série de televisão, a exemplo de David Lynch e sua revolucionária TWIN PEAKS. Ele falou que tem idéias para filmes que são muito longas para caberem até num longa-metragem de quatro horas de duração. Se isso acontecer, vai ajudar a tornar a televisão ainda mais atraente e sofisticada do que já é. "Grave Danger" foi o episódio final da 5ª temporada de C.S.I.

quarta-feira, junho 29, 2005

CORTINA RASGADA (Torn Curtain)

 

Eu não planejava rever CORTINA RASGADA (1966) dentro dessa minha peregrinação pela obra de Alfred Hitchcock. Não é dos meus Hitchcocks preferidos e não gostei da vez que o assisti na Globo. Mas depois que comecei a ler a entrevista do diretor no livro do Bogdanovich (Afinal, Quem Faz os Filmes), percebi que não me lembrava mais de nada do filme. Aí tive que fazer esse "árduo sacrifício" de revê-lo. Foi até bom, porque eu retardo um pouco mais o final dessa tarefa tão gostosa que é ler as entrevistas e ver os filmes do mestre em seqüência. Pena que já estou perto do fim, só faltando mais três filmes para terminar. 

Rever CORTINA RASGADA não fez com que eu mudasse de idéia sobre achar esse um dos mais fracos da carreira de Hitch, mas acabei curtindo muito mais. Afinal, rever em DVD, com qualidade de imagem e som de primeira, é outra coisa. Sem falar que esses DVDs da Universal vêm com aqueles documentários maravilhosos de Laurent Bouzereau. O que eu achei estranho no documentário constante nesse DVD foi o fato de não haver depoimentos de ninguém da produção. Poderiam ter chamado o Paul Newman ou a Julie Andrews, já que os dois ainda estão vivos. Mas parece que o ator pode não ter gostado do que o diretor falou sobre sua performance no filme. Hitchcock odiava trabalhar com os atores que utilizavam os métodos do Actor's Studio. Ele já tinha reclamado de quando trabalhou com Montgomery Clift, em A TORTURA DO SILÊNCIO (1952), e o ator ficava procurando motivações para fazer determinada cena, em vez de simplesmente obedecer com certa neutralidade as ordens do diretor. Com Paul Newman foi mais ou menos do mesmo jeito. 

Hitchcock também não considerava Julie Andrews adequada para os seus filmes. Na época, a atriz estava no auge. Tinha feito MARY POPPINS (1964) e A NOVIÇA REBELDE (1965). Mas aí é que estava o problema. Os críticos, na época que CORTINA RASGADA foi lançado nos cinemas, diziam que a sensação que tinham era que Julie Andrews ia parar de falar e cantar a qualquer momento. O que eu acho até uma maldade, já que ela está muito bem no filme, ainda que falte o sex appeal de uma Grace Kelly ou uma Kim Novak. 

CORTINA RASGADA tem um tom totalmente diferente do último filme de espionagem de Hitchcock, INTRIGA INTERNACIONAL (1959). O que levou Hitchcock a mudar de tom e preferir fazer um filme mais realista e sério foi o fato de que aquilo que ele criara para fugir dos clichês, como a cena do avião perseguindo Cary Grant no deserto, acabou virando clichê, graças aos filmes de James Bond, que apresentavam cenas ainda mais fantasiosas. Por causa disso, CORTINA RASGADA carece da graça e do humor dos outros thrillers de espionagem hitchcockianos. 

Há uma falta de cenas memoráveis e empolgantes. A mais famosa é a do assassinato de Gromek, mas a minha preferida é a cena do ônibus. Pra mim, é nessa cena que se instala melhor o suspense em todo o filme, com um belíssimo controle do tempo. Boa também a cena dos policiais procurando por Newman e Andrews dentro do teatro, mas a solução do filme acabou parece semelhante à cena do leilão de INTRIGA INTERNACIONAL. 

No DVD, além do documentário de Bouzereau, com mais de meia hora de duração, em que o documentarista, com a falta dos depoimentos da equipe do filme, tem tempo suficiente para dissecar o filme, há também, entre os extras, a opção de ver as cenas filmadas com a trilha sonora de Bernard Herrmann. O mais famoso dos coloboradores de Hitchcock tinha sido demitido no início das filmagens e foi substituído por John Addison. 

Lendo a entrevista do livro Hitchcock/Truffaut - Entrevistas, vi que Hitchcock prometera doar uma cena cortada do filme a François Truffaut. Ele agradece e diz que doaria para Henri Langlois guardar na Cinemateca Francesa. A tal cena é uma em que Newman se encontra com o irmão de Gromek. Ela acabou sendo cortada tanto por causa do "método" de trabalho do ator, quanto por tornar o personagem quase um vilão. Bem que essa cena podia estar também nos extras do DVD. 

Próximo filme do Hitch a pintar por aqui: TOPÁZIO (1969). Esse é totalmente inédito pra mim.

terça-feira, junho 28, 2005

CASA DE AREIA E NÉVOA (House of Sand and Fog)



Vou confessar uma coisa: se não fosse a presença de Jennifer Connelly, a mulher mais linda do cinema na atualidade, CASA DE AREIA E NÉVOA (2003) não teria me chamado a atenção. No entanto, não é apenas a beleza hipnotizadora de Jennifer o atrativo desse filme. A trama fora do comum envolvendo uma casa que é tomada de uma pessoa por um erro judicial e vendida a outra que quer lucrar com sua venda é bem interessante.

O que se pode desconfiar do filme é de um suposto moralismo. Mas mesmo que o filme se assuma como moralista, pra mim não vai deixar de ser interessante, pois está até de acordo com meus princípios. Eu não me acho ambicioso ou materialista. Por isso, de certa forma acabei com um pensamento tendencioso de achar que o que aconteceu de ruim com o personagem de Ben Kingsley foi conseqüência de seus atos. No fim das contas, ambos os personagens que lutavam pela casa teriam renunciado a ela se soubessem o que aconteceria no futuro. Há quem interprete de outra maneira. Acontece que eu não conseguiria imaginar algo diferente, tendo em vista minha crença em karma, na relação de causa e efeito, ou em nível mais profundo, por causa de minha raízes protestantes, em castigo divino. Nesse sentido, o filme lembra RÉQUIEM PARA UM SONHO, de Darren Aronofsky, que curiosamente também tem Jennifer Connelly num caminho descendente em direção ao inferno.

E me perdoem por insistir em falar da beleza da moça outra vez, mas ela não fica linda chorando? Dá vontade de levar pra casa, cuidar dela etc. Inclusive, o etc seria muito mais prazeiroso e divertido. Mas já que isso está longe do meu alcance, o único consolo é me colocar no lugar de algum personagem que possa fazer isso. O mais próximo disso no filme é o personagem de Ron Eldard, o policial casado que arranja um lugar para ela dormir. Se ele não se transformasse num semi-psicopata lá pelo final, até poderia ter me identificado com ele. Se bem que ele pode ter agido por amor.

Parece que Jennifer Connelly tem se especializado em fazer personagens sofridas. E como ela está carente nesse filme, hein. Tocante a cena que mostra ela ligando para o irmão em busca de ajuda e o sujeito diz que está sem tempo. Não se trata apenas da casa que foi perdida. Isso foi apenas o estopim de tudo. A solidão foi fator determinante para a crise depressiva da personagem. Somando-se a uma difícil abstinência de álcool (era ela alcóolatra), a perda de uma casa pode mesmo levar uma pessoa a uma tentativa de suicídio.

Há quem ache que o final do filme é grotesco, exagerado. Pode ser mesmo, mas não sei se poderia ser diferente. A cena de Ben Kingsley chorando pelo filho é emocionante. O filme tem um andamento lento que dá gosto de acompanhar. Há sempre uma contraposição da beleza da natureza, da paisagem, com o inferno pessoal dos personagens. Dá pra se pensar que o mundo é tão bonito, mas quando se está mal, tudo se torna feio. Ficamos cegos às maravilhas do mundo por causa de nossos problemas.

Interessante ver Shohreh Aghdashloo e Jonathan Ahdout desempenhando o papel de mãe e filho, fato que se repetiria na quarta temporada de 24 HORAS. Mas eu estou doido é para ver o remake de DARK WATER só pra ver a Jennifer de novo. Sim, eu sei que cobiçar a mulher alheia é pecado.

P.S.: Está no ar no Cinema com Rapadura, minha mais recente coluna. Dessa vez eu falo de uma suposta falta de idéias em Hollywood.

segunda-feira, junho 27, 2005

A SEITA (Los Sin Nombre)

  

Nesse fim de semana, por falta de boas opções na telona, não fui ao cinema. Até poderia ter ido para a Sessão de Arte para ver QUESTÃO DE IMAGEM na manhã de sábado, mas acabei acordando tarde. Então, aproveitei para tirar um pouco do atraso com os lançamentos em vídeo e dei um pulinho na locadora. Entre os filmes locados, A SEITA (1999), longa-metragem de estréia de Jaume Balagueró, diretor de um filme de terror que muito me agradou: A SÉTIMA VÍTIMA (2002). Como sou um dos poucos fãs desse filme tão esnobado pela crítica e pelo público em geral, não quis deixar de conferir o desempenho do diretor nessa produção espanhola e procurar entender porque ele foi chamado para dirigir uma co-produção com os EUA. (Do mesmo jeito, tenho curiosidade para conhecer os primeiros filmes de Florent Emilio Siri, diretor de REFÉM.)  

A SEITA pode até não ser um bom filme, mas tem ótimos momentos e um final inesperado e intrigante, ainda que relativamente decepcionante. A trama do filme já chama a atenção: mulher que tem a filha considerada morta há cinco anos, recebe uma estranha ligação de uma menina que diz ser a tal filha, pedindo para que a ajude a sair de um lugar antes de ser morta. Seria um trote de alguém que está querendo atormentá-la, ou é mesmo a sua querida filha, que está viva e em aflição? Com a ajuda de um ex-policial e de um jornalista, ela consegue pistas que a levam a uma seita bem sinistra. 

Deu pra perceber que Balagueró é fascinado por seitas diabólicas, já que retomaria o tema em A SÉTIMA VÍTIMA, com muito mais propriedade e mais ênfase na construção da atmosfera. Pena que várias idéias boas resultem num filme irregular. Ainda assim, a seqüência da fita de vídeo não deixa de ser fascinante pela expectativa que se cria em ver algo assustador, tema que já foi muito bem trabalhado por David Lynch (A ESTRADA PERDIDA), Alejandro Amenábar (TÉSIS) e Hideo Nakata (THE RING). 

Ao contrário do Brasil, que ainda está engatinhando no cinema de gênero, mesmo com nomes de talento que, por enquanto, estão só no curta-metragem, como Dennison Ramalho, Kleber Mendonça Filho, Eduardo Aguilar e Carlos G. Gananian, a Espanha já tem uma boa safra de diretores de filmes de terror fazendo longas-metragens de primeira linha, como Amenábar, Álex de la Iglesia e agora Balagueró, para citar só os que tive a chance de conhecer. 

No elenco de A SEITA, o rosto mais conhecido é o de Tristán Ulloa, protagonista de LÚCIA E O SEXO (2001). A qualidade da imagem do DVD da Lk-Tel está excelente: imagem cristalina e em widescreen 1.85:1.

sábado, junho 25, 2005

NOW AND THEN, HERE AND THERE (Ima, Soko Ni Iru Boku)



Quando terminei de ver o primeiro episódio de NOW AND THEN, HERE AND THERE (1999), a princípio não dei muito crédito à série. Mas a partir do segundo as coisas ficam bem diferentes e a série se revela cada vez mais empolgante e envolvente. O que aparentemente parecia uma comédia boba sobre uma criança pouco popular na escola, se transforma em uma obra depressiva e violenta, ambientada em outro mundo.

Na trama, Shu é um garoto desajeitado que conhece uma menina de olhos grandes e azuis, quando ia para seu tradicional passeio para ver o pôr-do-sol sozinho. É quando ele é capturado junto com essa menina por um robô gigante e levado a um outro lugar, em outro tempo. O local se chama Hellywood e lá as crianças são transformadas em soldados do insano imperador Hamdo. Hellywood guarda semelhanças com o universo de "Duna", de Frank Herbert. Há escassez de água no lugar e há até aqueles vermes gigantes no deserto, como em "Duna". A tal garotinha de olhos grandes é Lala Ru (sempre achava engraçado quando o Shu pronunciava o nome dela), dotada de poderes que muito interessam ao tirano Hamdo. Outra personagem importante para a trama e que Shu encontra na prisão de Hellywood é Sara, uma garotinha loira que foi capturada por engano, por se parecer com Lala Ru.

Com o tempo, a série vai ficando mais depressiva, à medida que vemos cada vez mais cenas de abuso infantil. Um dos momentos mais fortes de N.T.H.T. é justamente quando Sara é colocada num quarto para ser estuprada por um dos guardas. Eu diria que essa é a melhor seqüência introdutária de todos os episódios. A música de introdução é empolgante e a triste canção que fecha cada episódio é desoladora. Os japoneses têm essa manha de fazer música empolgante para essas séries, vide minhas experiências anteriores com as "top de linha" BERSERK e NEON GENESIS EVANGELION. N.T.H.T. pode não ter me impressionado tanto quanto essas duas que citei, mas também já era querer demais.

NOW AND THEN, HERE AND THERE tem 13 episódios e foi dirigida por Akitaroh Daichi, conhecido dos apreciadores de animes também pelas obras ELF PRINCESS RANE e JUBEI-CHAN, e produzida pela Pioneer e ACI.

Agradecimentos ao amigo Marcelo Reis, do site Animehaus, que muito gentilmente me forneceu uma cópia dessa ótima série.

quinta-feira, junho 23, 2005

COM A MALDADE NA ALMA (Hush...Hush, Sweet Charlotte)



Desde que vi há pouco tempo o genial A MORTE NUM BEIJO (1955) e saí do cinema dizendo "putaquepariu" umas quinhentas vezes, que tive certeza que Robert Aldrich seria um cineasta que eu faria questão de acompanhar a obra completa. A chance de ver mais um título de Aldrich aconteceu quando passou na última sexta-feira na Globo COM A MALDADE NA ALMA (1965), segunda parceria do diretor com Bette Davis, logo após o sucesso de O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE? (1962).

O filme também contaria com a presença de Joan Crawford, mas a atriz pulou fora do projeto, mesmo tendo já filmado algumas cenas. Ela e Bette não se entendiam, mas ela acabou saindo do filme por problemas de saúde. Em seu lugar, foi chamada do ostracismo Olivia De Havilland. E eu não consigo imaginar o filme sem Olivia. Ela imprime uma sofisticação ao filme que eu acho que Joan não conseguiria. Por outro lado, Joan teria tornaria o clima ainda mais sinistro. Uma curiosidade: dizem que quem está dentro do táxi na cena que mostra Miriam (a personagem de De Havilland) chegando na casa de Charlotte (Bette Davis) é Joan Crawford. Como não dava pra ver quem estava dentro do táxi, essa cena não foi refilmada.

Misto de drama psicológico com filme de terror, COM A MALDADE NA ALMA é ainda mais bizarro que "Baby Jane", lembrando também em alguns momentos DIABOLIQUE, de Henri-Georges Clouzot. A história começa no sul dos EUA no final dos anos 20, quando Bruce Dern, um homem casado, está sendo ameaçado por um rico fazendeiro da região por estar tendo um caso com sua filha de nome Charlotte. Ele pressiona o rapaz para que ele termine o namoro com a filha. É numa festa que acontece uma tragédia digna de filmes de horror cheios de gore: o personagem de Bruce Dern é assassinado, perdendo uma mão e a cabeça. O filme avança algumas décadas no tempo e mostra Charlotte vivendo reclusa numa casa ameaçada de ser demolida. As coisas ficam ainda piores pra ela com a chegada de sua prima Miriam (De Havilland), que com a ajuda de Joseph Cotten, tenta enlouquecer Charlotte com uma trama diabólica.

Na pequena entrevista que Aldrich dá para Peter Bogdanovich do livro Afinal, Quem Faz os Filmes, ele lamenta que os dois filmes com Bette Davis tenham sido realizados tão próximos um do outro. Ele também conta que prefere trabalhar com um elenco masculino. Segundo ele, "as mulheres gostam de se prender ao que praticaram e ensairam", não topando mudanças bruscas de planos nas filmagens.

Pra terminar, duas coisas: 1) sim, eu ainda vou criar vergonha e assistir OS DOZE CONDENADOS (1967); 2) Amanhã, sexta-feira, a Globo vai exibir no Corujão outra obra imperdível do cinema de horror: OS INOCENTES (1961), de Jack Clayton. Preparem os videocassetes.

quarta-feira, junho 22, 2005

QUASE DOIS IRMÃOS



Lúcia Murat retorna ao tema de seu primeiro longa-metragem, o documentário QUE BOM TE VER VIVA (1989), que é o dos presos políticos da ditadura militar. Em QUASE DOIS IRMÃOS (2004), ela amplia o foco de sua temática, fazendo um paralelo entre a vida de dois amigos de infância durante o regime militar nos anos 70 e nos dias de hoje. Um deles é branco, de família abastada; o outro, negro, vive no morro.

Enquanto Miguel (Caco Ciocler) era preso político, Jorge (Flávio Bauraqui) tinha sido preso por assalto. Os dois se cruzam no mesmo lugar, o presídio da Ilha Grande, onde os "subversivos" - como eram chamados os presos políticos - e os presos comuns eram enviados. Inicialmente, como a quantidade de "subversivos" era maior, eram eles quem impunham as regras. No presídio, era proibido roubar, praticar a "pederastia" e fumar maconha. Nos dias atuais, Miguel (Werner Schünemann) é deputado, vive relativamente bem em sua rotina burguesa, enquanto Jorge (Antonio Pompeo) é líder de um segmento do narcotráfico do Rio de Janeiro.

QUASE DOIS IRMÃOS se constrói com o ir e voltar no tempo. Ora estamos nos anos 70, ora nos dias atuais. O filme tem o mérito de não parecer uma colagem desconexa. O cuidadoso trabalho de edição é de tirar o chapéu, ainda que eu tenha achado os segmentos dos dias atuais melhor desenvolvidos, mais fortes.

O filme contou com a ajuda de Paulo Lins, autor do livro "Cidade de Deus", que com sua intimidade com o universo dos morros, das "bocas" e do linguajar de lá, fez o roteiro junto com a diretora Lúcia Murat. Desse modo, cada um ficou responsável pela parte que conhece melhor. Lúcia conheceu dolorosamente a triste realidade de ser presa política durante mais de três anos.

Embora QUASE DOIS IRMÃOS não tenha causado o impacto que eu esperava de um filme com tais elementos, ele deixa no ar uma tristeza de ser brasileiro, de fazer parte de uma sociedade com um abismo social tão alarmante. No filme, até o samba é triste, como canta Luiz Melodia em canção de autoria de Cartola e Carlos Cachaça: "Quem me vê sorrindo / Pensa que estou alegre / O meu sorriso é por consolação / Porque sei conter para ninguém ver / O pranto do meu coração."

segunda-feira, junho 20, 2005

BATMAN BEGINS

 

Antes de mais nada, confesso que a série de tv dos anos 60, aquela que fazia paródia do herói, foi mais marcante pra mim do que os próprios quadrinhos do Batman. Quero deixar claro que estou me referindo aos quadrinhos de linha, que acompanhei durante um par de anos quando o título começou a ser editado pela Editora Abril, e não às obras-primas clássicas do naipe de "Batman Ano Um" e "Cavaleiro das Trevas" (1 e 2), de Frank Miller; "A Piada Mortal", de Alan Moore; ou "Asilo Arkhan", de Grant Morrison. Os heróis da DC nunca foram tão importantes pra mim quanto os da Marvel. Talvez porque seus heróis se distanciavam mais de nós, meros mortais. Ao contrário dos heróis imperfeitos e humanos criados pelo grande Stan Lee. No caso do Batman, até pode-se dizer que esse distanciamento teve um aspecto positivo para o personagem. Dá a ele uma aura misteriosa, soturna, necessária para o personagem. O que não impediu que, durante boa parte de sua história nos quadrinhos e na tv, muitos roteiristas tenham arranjado um jeito de desmoralizar o herói.  

Quando começa BATMAN BEGINS (2005) e vemos o logo da DC, fica claro que esse filme representa o ponto zero da batalha que a casa do Super-Homem vai travar com a Marvel a partir de agora nas telas. Em sua cola, vem aí SUPERMAN RETURNS e o filme da Mulher Maravilha, os outros dois heróis clássicos da DC, além de WATCHMEN. Com o sucesso dos filmes da Marvel, a DC prepara-se para a desforra. Espero que com essa briga a gente ganhe com cinemão de qualidade e não com cinemas lotados de filmes baseados em HQ enchendo as salas de barulho e estragando os nossos heróis com filmes meia-boca. 

Se eu gostei de BATMAN BEGINS? Bom, fico no meio termo. Achei o resultado frio, sem emoção. Talvez a vontade que se tinha de fazer um trabalho sóbrio, distante do barroquismo de Tim Burton e dos tons carnavalescos de Joel Schumacher, tenha deixado o filme numa camisa de força. A primeira hora, que serviria para trazer as bases para a construção do herói, acaba se revelando a parte mais frágil do filme. Pra uma obra que procura ser realista e séria, os diálogos fracos (principalmente nas partes em que a Kate Holmes fala) e a filosofia barata quase me fazem perder as esperanças pelo filme. Por vezes a trilha sonora parece destoar do filme, tentando tornar as coisas mais dramáticas do que elas realmente são. Também achei muito mal resolvidos os primeiros detalhes da construção da batcaverna, do batmóvel e do uniforme. Nesse aspecto, Sam Raimi foi muito mais feliz com seu HOMEM-ARANHA. 

Felizmente, o filme melhora bastante a partir da trama em torno do Espantalho, de longe o mais legal de todos os super-vilões que já passaram pelos filmes do Batman. Um dos pontos altos de BATMAN BEGINS é a cena em que o vilão joga gases venenosos em toda Gotham City e cria um caos total. Em compensação, o outro vilão, Ra's Al Gul, tem umas motivações ridículas para destruir Gotham. 

Na contabilização, podemos incluir Gary Oldman entre as coisas boas do filme. Sua interpretação do Sargento Gordon lembra o destaque que Frank Miller dá ao personagem em "Batman Ano Um". Michael Caine também merece ser o Alfred nos próximos filmes, assim como o sempre simpático Morgan Freeman, como Lucius Fox. Do Bruce Wayne de Christian Bale, não tenho do que reclamar. O ator tem uma cara de vilão que contribui para tornar o Batman ambíguo, distante dos galãs escolhidos para os dois filmes do Schumacher, o que não deixa de ser uma escolha ousada. Acrescente-se também uma cena eletrizante com o Batmóvel e o filme consegue equilibrar a balança a seu favor. Mas acho isso pouco diante das expectativas e das inúmeras críticas elogiosas que o filme anda recebendo.

sexta-feira, junho 17, 2005

PAPRIKA

 

Tinto Brass é talvez o único cineasta da atualidade que faz cinema erótico - e com praticamente um pé na pornografia - que trafega com respeitabilidade dentro do circuito dos filmes de arte. É um feito e tanto, já que é costume acreditar que os filmes eróticos são inferiores aos outros. O que é até normal, já que o desejo sexual aproxima o homem do animal, enquanto que o pensar nos diferencia dos outros animais. Por isso que é difícil haver filmes que excitam e, ao mesmo tempo, provocam reflexão. Talvez porque, com o estímulo sexual, o coração bombeia o sangue para a região do sexo. Assim, o pensar se torna algo mais turvo, perde-se a clareza das idéias - é mais fácil fazer loucuras inconseqüentes quando se está com tesão. Tentar fazer filmes com tramas mais complexas e contendo cenas tórridas de sexo parece uma mistura um pouco indigesta. O espectador corre o risco de se desinteressar pelas partes do filme não relacionadas diretamente ao sexo. Um exemplo que primeiro me vem à cabeça é de DOG WALKER, de John Leslie, filme de sexo hardcore, mas com vários momentos de conversa e uma trama um pouco mais complicada pra quem não tem muito sangue sendo bombeado para o cérebro. 

Tinto Brass não cai nessa armadilha. Em geral, o sexo permeia toda a sua obra. Há uma história bem desenvolvida, mas sem complicações narrativas. E o sexo está no ar o tempo todo. Mesmo assim, acho que o ideal antes de ver um filme de Tinto Brass é não ir com muita sede ao pote, no sentido de se querer ver apenas uma sacanagem estimulante. Seus filmes não são feitos para fins meramente masturbatórios. Lembro que quando aluguei a fita de TODAS AS MULHERES FAZEM eu me preparei para ver um filme convencional, não um filme pornô. Resultado: é o filme de Tinto Brass que mais mexeu com minha libido até hoje. 

PAPRIKA (1991) é Tinto Brass em grande forma. O filme mergulha no submundo dos antigos bordéis italianos, antes deles serem fechados pelo governo. Quem viu ROMA, de Fellini, tem uma idéia de como eram esses lugares. Mas Tinto Brass vai mais a fundo, ao contar a história de Paprika, nome de guerra de uma jovem de 18 anos que pretende passar apenas duas semanas trabalhando de prostituta num bordel para conseguir dinheiro para ajudar o necessitado noivo. Por uma série de eventos, as duas semanas se prolongam bem mais do que ela esperava. 

Como se trata de um filme de Tinto Brass, o trabalho não é nenhum sacrifício para a jovem fogosa. Ao chegar no bordel, ela é encaminhada ao médico, para que seja verificado se ela tem alguma doença venérea. Ela gosta tanto do toque do médico que quer logo que ele seja o seu primeiro cliente. Também não faltam experiências com o mesmo sexo para Paprika. 

Brass faz um verdadeiro elogio aos bordéis e suas prostitutas nesse filme. Sem moralismos. Até os padres freqüentam os tais lugares. A seqüência que mostra Paprika indo a um médico clandestino para fazer um aborto - o médico é o próprio Tinto Brass, com cara de safado e fazendo questão de pegar nos peitos da paciente -, é seguida de uma cena de pura felicidade. Não há lugar para a culpa cristã em PAPRIKA. Se fosse outro filme, provavelmente a moça teria tido uma hemorragia ou uma infecção hospitalar. 

Debora Caprioglio, a Paprika, era namorada de Klaus Kinski - a última, pois foi mais ou menos na época do filme que ele morreu de ataque cardíaco. Diz a lenda que Brass estava procurando uma intérprete ideal para o seu novo filme, quando viu Debora assistindo a uma partida de tênis e teve certeza que era ela a Paprika. Conseguiu o telefone da casa da moça e quando a mãe dela soube que a filha iria ser convidada para trabalhar com o mestre do erotismo, em vez de proibir, ficou felicíssima. Debora não tem a beleza plástica de maravilhas como Katarina Vasilissa, de O VOYEUR (1994), Yuliya Mayarchuk, de A PERVERTIDA (2000), Claudia Koll, de TODAS AS MULHERES FAZEM (1992) ou de Stefania Sandrelli, de A CHAVE (1983). As mulheres com certeza encontrariam defeitos no corpo da moça, mas ela tem uma cara de quem gosta muito de sexo, e isso ajuda muito. Ela conquista o espectador, com seu jeito adolescente e sem-vergonha. 

PAPRIKA foi realizado na virada dos anos 80 para os 90, época em que a AIDS era uma doença ainda mais mórbida do que é nos dias de hoje. Por isso, há em todo o filme um clima de saudosismo, a começar pelos créditos de abertura, com uma bela música reaproveitada de A CHAVE, um dos mais celebrados filmes de Brass. O diretor dá a entender que eram mais felizes aqueles que viveram nos tempos dos bordéis, um tempo em que era possível curtir os prazeres da vida sexual sem uma preocupação maior. 

Agradecimentos ao Carlão Reichenbach, que gentilmente me presenteou com uma preciosa cópia em DVD do filme.

quinta-feira, junho 16, 2005

DARK WATER (Honogurai Mizu No Soko Kara)

 

Quando O CHAMADO 2 (2005) estreou nos cinemas, alguns amigos blogueiros disseram que Hideo Nakata tinha passado a perna em Walter Salles, ao fazer de sua estréia americana um filme mais parecido com o seu DARK WATER original (2002) do que propriamente com RINGU 2 (1999). Realmente, Nakata abandona a trama envolvendo a "fita maldita" logo no começo do filme, preferindo se concentrar na possessão da fantasminha Samara no filho da personagem de Naomi Watts. Há também outras similaridades, como a cena da banheira e a suspeita de que a mãe está maltratando o próprio filho. 

DARK WATER, aparentemente, é até uma história convencional de fantasmas. Não há nada realmente diferente ou original. A trama da "fita maldita" da trilogia RINGU parece bem mais interessante e original, além de ser muito mais assustadora. Acontece que DARK WATER funciona muito bem a nível dramático. Se esquecermos um pouco os clichês dos sustos e nos concentrarmos no drama dos personagens, podemos perceber que DARK WATER foge do vulgar, inclusive com um final excelente, ainda que fique atrás de A TALE OF TWO SISTERS, filme coreano de terror que também valoriza o aspecto dramático e a construção dos personagens. Resta saber se Walter Salles também vai privilegiar o drama dos personagens, seus problemas familiares, em detrimento do horror. 

Na história de DARK WATER, uma mulher atravessa um difícil processo de divórcio, correndo o risco de perder a filha na justiça para o pai, que é pintado no filme como uma figura execrável e cínica. Ela se muda para um apartamento que está com um problema de vazamento, formando uma crescente marca d'água no teto. Ao mesmo tempo, ela fica nervosa ao ver estranhas situações envolvendo uma garotinha desaparecida que morava naquele apartamento. Por exemplo, ela encontra a mesma bolsinha da menina em diferentes locais. 

O filme pode incomodar a quem já está cansado de fantasmas de cabelos pretos e olhos puxados, mas durante o filme fiquei pensando se essa característica já não faz parte do próprio imaginário japonês ou se realmente isso foi criado recentemente, já no final dos anos 90, com as séries de sucesso RINGU e THE GRUDGE. Mesmo assim, o filme sofre com as várias tentativas de assustar, nem sempre com sucesso. Por isso o diretor tenha preferido deixar um pouco os sustos de lado, e se concentrar mais em criar uma atmosfera sinistra, quando dirigiu O CHAMADO 2. 

Porém, há um momento em que realmente tomamos um grande susto, que é aquele em que a menina dá um pontapé na caixa d'água. Li num interessante texto no Cinedie Asia, site português dedicado ao cinema oriental, em que se compara a caixa d'água onde está presa a garotinha morta com um útero. A água jorrando do elevador e o choro da menina seriam também uma metáfora do nascimento da criança, a água como símbolo do nascimento da vida. Vendo dessa maneira, DARK WATER ganha contornos bem mais interessantes e pode até ser revisto com outros olhos por quem inicialmente não gostou tanto do filme. 

DARK WATER, assim como RINGU, também foi adaptado de um livro de Suzuki Koji. O filme foi visto no player que toca divx da Gradiente do amigo Zezão (thanks, buddy!). Por falar no tal player, fui testar A TALE OF TWO SISTERS nele e o filme roda bonito, mas sem som. Será que os outros aparelhos que lêem divx - Philips, Samsung, Pioneer - resolvem melhor esse tipo de problema?

terça-feira, junho 14, 2005

A CASA DE CERA (House of Wax)



Chega aos cinemas mais um título da Dark Castle, produtora de Robert Zemeckis especializada em filmes de terror. Comparando com os outros filmes da companhia - A CASA DA COLINA, 13 FANTASMAS, NA COMPANHIA DO MEDO e NAVIO FANTASMA -, A CASA DE CERA (2005) se destaca como o melhor. O filme é bem sucedido em criar momentos de suspense e horror, lembrando em certos momentos a refilmagem de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA, pela violência gráfica e pelos protagonistas jovens. O diretor, o videoclipeiro Jaume Collet-Serra, não economiza no gore, característica que até tem sido bastante comum nas últimas produções americanas de horror. Eu é que não vou reclamar. Bom, até poderia reclamar de uma coisa: tenho sentido falta de nudez feminina, dos filmes não terem vergonha de serem exploitation.

Na trama de A CASA DE CERA, grupo de jovens vai parar numa cidadezinha muito estranha, que parece estar vazia o tempo todo. O prólogo do filme é bizarro, lembrando produções dos anos 60. Não por acaso o clássico O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE?, de Robert Aldrich, é uma referência explícita no filme - inclusive, o clássico de Aldrich tem uma de suas cenas exibida no velho cinema da cidade, numa das mais tensas seqüências do filme.

Elisha Cuthbert, belezura revelada na série 24 HORAS que brilhou na divertida comédia SHOW DE VIZINHA, é por si só um bom motivo para se sair de casa. Já Paris Hilton, nunca fui com a cara dela. Pra mim, sempre me pareceu uma riquinha filha de papai que quer chamar a atenção a todo custo, nem que seja na base da vulgaridade, vide o seu tão famoso vídeo de sexo que foi divulgado na internet. Felizmente, ela recebe o que merece nesse filme, tanto pelo papel quanto pela sua morte brutal.

Pra mim, a cena de mais puro terror do filme é a que mostra um dos rapazes ainda vivo, mas já transformado em estátua de cera, com as lágrimas rolando em seu rosto. Uma crueldade impressionante. Também perturbadora a cena em que um dos irmãos maníacos cola a boca de Elisha Cuthbert para que ela não possa gritar.

Pode-se dizer que essa nova versão é bem mais aterrorizante do que O MUSEU DE CERA (1953), de Andre De Toth, protagonizado pelo grande Vincent Price. Por falar no saudoso Vincent, ele é homenageado no filme: Vincent é o nome de um dos irmãos da "cidade fantasma". Mas vale lembrar que a trama do filme é completamente diferente das outras duas versões - a de De Toth, e a de Michael Curtiz, OS CRIMES DO MUSEU (1933). Lembrando que ambas as versões foram editadas no Brasil num único DVD e são imperdíveis. Mas indico também o novo filme, apesar da já tradicional burrice dos personagens em se meterem em roubadas.

domingo, junho 12, 2005

SR. E SRA. SMITH (Mr. and Mrs. Smith)

 

E o Diário de um Cinéfilo, depois de uma semana inteira só falando do Cine Ceará, está de volta com a programação normal dos filmes em cartaz + filmes vistos em outras mídias. A saudade do festival ainda está presente, mas vamos pra frente, que o cinemão americano continua oferecendo momentos de prazer pra gente. Não só o cinemão americano, quero deixar claro, mas como ele corresponde a mais de 80% da fatia do mercado, logo... 

SR. E SRA. SMITH (2005) é desses filmes que já conquistam um grande público só pelo cartaz, com dois dos maiores símbolos sexuais de Hollywood: Brad Pitt e Angelina Jolie. E vale dizer que os dois estão muito bem nesse filme. Brad Pitt continua um dos caras mais bonitos do cinema e Angelina está bela e sensual como nunca. Bom, mas e o filme? O filme depende muito deles, os melhores momentos são aqueles que mostram os dois discutindo a relação, e não as seqüências de ação, que são apenas ok, meio que padrão nos filmes de ação americanos. 

Brad Pitt parece recém saído de DOZE HOMENS E OUTRO SEGREDO e vem se revelando um ótimo ator para comédias. Ele deveria fazer mais filmes do gênero. Em vez disso, ele está envolvido agora num filme de Alejandro González Iñárritu (BABEL), que só pode ser mais um drama pesado do diretor. Quanto a Vince Vaughn, ainda não descobri qual é a graça dele, e porque ele tem feito tantas comédias, mas há quem goste do rapaz. 

Doug Liman entregou um filme irregular. Se tivesse cortado mais uns minutos, talvez o filme ficasse melhor, mais redondo. Assim, o filme se equilibra entre momentos muito bons e outros até um pouco chatos. Mas tem um momento que justifica a ida ao cinema imediatamente: a seqüência que mostra como os dois se conheceram, em Bogotá. A química entre os dois astros, a música que toca, Angelina dançando sensualmente, aquela exagero de boca, a ótima fotografia. Eu confesso que nessa hora meus olhos ficaram marejados de lágrimas e meus cabelos, arrepiados. A canção que rola nessa cena é "Mondo Bongo", tocada por Joe Strummer & The Mescaleros. Maravilhosa, eu diria. Já está entre as minhas favoritas pra eu pegar na internet. 

Aliás, a trilha sonora merece um assunto à parte nesse filme. Nela, é possível ouvir coisas legais como uma versão de "Lay Lady Lay", de Bob Dylan, tocada por Magnet & Gemma Hayes, como também o clássico brega "Making Love Out of Nothing at All", do Air Supply - pelo menos a cena em que toca essa canção ficou engraçada. Procurando pelo nome das faixas da trilha no site da Amazon, vi que também tem uma versão ska de "Used to Love Her (But I Had to Kill Her)", uma das minhas favoritas do Guns n' Roses, mas não lembro de ter ouvido no filme. 

A trama de SR. E SRA. SMITH já é bastante conhecida de quem freqüenta as salas de cinema e vê os trailers: dois assassinos profissionais vivem casados há cinco (ou seis) anos e não sabem de nada da vida profissional do outro. Há quem reclame dos absurdos do roteiro, da alta sofisticação das empresas que contratam os assassinos, mas aí entra-se no velho preconceito que se tem com os filmes inverossímeis. Hitchcock tratava essas pessoas que procuram ver o máximo de realismo nos filmes de "os verossímeis". Eu não vejo problema nenhum, já que a proposta do filme é exatamente essa: entreter, mostrar coisas absurdas e divertidas, afinal, estamos no mundo da fantasia, não? O filme pode ter muitos problemas, mas não por causa da inverossimilhança. Vale dizer que o roteirista do filme é o mesmo do delicioso AS PANTERAS DETONANDO. Logo, quem não gostou do filme das três meninas, pode não curtir esse também. 

No fim das contas, pode-se dizer que SR. E SRA. SMITH é um filme sobre a necessidade de diálogo e de completa honestidade no casamento. Ou seria o casamento uma instituição já fadada ao tédio e à monotonia, e se não houver um pouco de aventura, a vaca vai pro brejo? Eu, como nunca fui casado nessa vida, não saberia dizer.

sábado, junho 11, 2005

O HOMEM PODE VOAR

 

Ter visto esse ano O AVIADOR, de Martin Scorsese, foi muito importante pra mim. O filme me deu uma boa noção do que foram aqueles loucos anos 20, com as pessoas fazendo loucuras no céu com aqueles teco-tecos. Não que o filme tenha me feito ficar interessado em aviões - sou mais interessado em pessoas do que em coisas -, mas hoje admiro a coragem que essas pessoas tinham em pilotar aquelas máquinas. 

Agora, corajosos mesmos foram os pioneiros, os criadores dos aviões, destaque para o famoso Santos Dumont, brasileiro que teve a sorte de ser filho de milionário e ir estudar na França. O pai financiava todas as suas experiências e dinheiro não era preocupação pra ele. Assim, ele teve tempo de se dedicar à sua principal obsessão, que era construir um meio de transporte aéreo. 

O documentário O HOMEM PODE VOAR, de Nelson Hoineff, conta um pouco da história dessa batalha que Santos Dumont travou para conseguir voar, mostrando suas várias tentativas, como também diversas máquinas malucas criadas por ele e por seus contemporâneos. O problema do filme é que ele é muito didático, o que me deixa com dúvidas se é realmente um documentário adequado para se passar no cinema. Documentários assim podem ser vistos no Discovery Channel. Talvez o que mais lembra cinema no filme seja a narração de Roberto Maya, famoso por interpretar o personagem Marcelo em alguns filmes de Walter Hugo Khouri, embora ele seja mais conhecido como o apresentador do Documento Especial, da extinta Rede Manchete, que era um bom programa jornalístico sensacionalista. O próprio Hoineff, diretor do filme, quando subiu ao palco do Cine São Luiz para as apresentações falou que não se considera um cineasta, mas um jornalista. Isso fica evidente no filme. 

Ele pega um assunto que até poderia se transformar num grande filme, em algo bem interessante, mas não faz valer o tema. Diferente, por exemplo, de um filme como NELSON FREIRE, de João Moreira Salles, que faz exatamente o contrário, contando a vida de um pianista pouco popular . Claro que o material utilizado em O HOMEM QUE PODE VOAR é escasso, já que existem poucas imagens em movimento de Santos Dumont. Por isso, eles tiveram que apelar para as narrações em cima de fotografias estáticas e pouco material cinematográfico da época, incluída aí uma cena rara de Dumont. Há também os usuais depoimentos de familiares e especialistas no assunto. 

Foi nesse festival que eu tive a chance de conhecer as tais projeções em digital, que já estão ficando freqüentes em São Paulo, apesar de desgostar à maioria dos cinéfilos de lá. Pra mim, além de a qualidade da imagem não se comparar com a da película, ainda vi uma leve falta de sincronia entre som e imagem, quando o filme mostrava pessoas falando. 

P.S.: Ontem começou a ser exibido CARANDIRU - OUTRAS HISTÓRIAS na Globo. O episódio de ontem foi dirigido pelo Walter Carvalho e todos tem direção geral de Hector Babenco e boa parte do elenco do filme. Pra quem gostou do longa-metragem, essa série de dez episódios é uma boa pedida.

sexta-feira, junho 10, 2005

XV CINE CEARÁ, A MELHOR EDIÇÃO DO FESTIVAL CEARENSE



E chegou ao fim ontem, deixando saudade, a 15ª edição do festival de cinema daqui de Fortaleza. Pra mim foi a melhor edição do Cine Ceará que eu já participei. Claro que eu sou muito suspeito pra falar, né? Afinal, não é todo mundo que tem o privilégio de ter uma sessão de um filme de Carlos Reichenbach especialmente dedicada pra si. Fiquei felicíssimo ontem com os prêmios que BENS CONFISCADOS ganhou no festival. (As duas cervejas que tomei ajudaram a potencializar minha alegria.) Carlão ontem à noite falou que fui eu que dei sorte pro filme dele. Aí me lembrei de quando eu era pequeno e meu pai me levava pra uns bingos e era impressionante como a gente ganhava os prêmios com freqüência. Meu pai me dizia que eu dava sorte. Quando o Carlão falou isso ontem, na Praça do Ferreira, lembrei de meu pai.

Aliás, eu não canso de falar da generosidade e do senso de humanidade do Carlão. Quando ele subiu pra receber o prêmio de melhor ator para Werner Schünemann, ele elogiou tanto o amigo que ficou emocionado. Os outros prêmios de BENS CONFISCADOS foram para o próprio diretor e para a Betty Faria. Muito justo. Ela está excepcional no filme. Essa mulher é um gigante do cinema brasileiro. Infelizmente ela não pôde vir receber o prêmio, pois estava indo para Miami, mas deve ter ficado bastante feliz. O filme também ganhou um troféu especial de melhor longa-metragem concedido pelo jornal O Povo.

A noite de ontem já começou interessante. Fui com o amigo Zezão, ambos sem convites para convidados. Ao chegar lá, ficamos sabendo que não se podia entrar a não ser com convites. Realmente fui negligente - devia ter ido atrás do convite antes. Foi necessária uma pequena conspiração envolvendo o Carlão, o Jurandir, a Maíra e o Régis para me botar pra dentro da sala. Acabei entrando com o crachá de outra pessoa que eu não vou dizer aqui pra não prejudicar ninguém. O grandão da portaria ainda perguntou: "é teu esse crachá, cara?" Eu falei: "é nosso", e entrei posando de sério. Adivinhem de quem foi a idéia do tal crachá. O outro problema era botar o Zezão pra dentro (pior que depois ele ainda iria buscar a namorada, o que seria outro problema). Ele conseguiu entrar minutos depois, quando o Cine São Luiz abrigou várias pessoas por causa de um tumulto na praça. Ouviu-se tiros. A PM chegou e levou uns sujeitos. Depois ficou-se sabendo que aquilo ali era uma pegadinha/encenação do grupo Set Soluções Criativas. E eu achando que a gente estava se igualando ao Rio de Janeiro.

Antes das premiações foi exibido o documentário O HOMEM PODE VOAR, de Nelson Hoineff, em projeção digital. Mas do filme eu falo depois. Vou aproveitar esse parágrafo pra falar um pouco dos poucos curtas-metragens que vi no festival. No sábado passou A SETENÇA DO PAU BRASIL, de Francis Vale, curta em película, sobre Pau Brasil, personagem histórico da época da Confederação do Equador. Achei o filme muito didático, parecendo uma aula de história. UMA PESCADORA RARA NO LITORAL DO CEARÁ faz parte do projeto Revelando os Brasis e mostra a vida de Sidnéia Luzia da Silva, uma mulher que gosta de fazer o que normalmente apenas os homens fazem. Sua profissão: pescadora. Esse foi um dos poucos curtas exibidos em vídeo no Cine São Luiz. Esse ano, botaram todos os curtas de vídeo para o Espaço Unibanco Dragão do Mar, o que irritou muitos realizadores que adotam esse meio, que acharam que tiveram seus trabalhos relegados e diminuídos. Uma videomaker ontem fez um protesto sobre isso. A VELHA E O MAR, de Petrus Cariry, é bem interessante. Fala de Dona Alzira, uma senhora que mora num casebre próximo da ponte metálica na Praia de Iracema. O curta MOMENTO TRÁGICO é uma comédia que foi prejudicada pela má qualidade do som do cinema na noite de sábado (no domingo, o som estava bem melhor). Pelo menos eu aprendi que quem é fã de Maria Betânia provavelmente é gay. Acho que o curta mais interessante que eu vi no festival foi BALAIO, de Luiz Montes, filme que emula a estética de Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Esse e INTIMIDADE, de Camilla Gonzatto, são dois curtas que eu gostaria de rever, já que estava muito agitado e não me concentrei na história.

Pena não ter ido ver os curtas gaúchos. Queria ter visto especialmente O VELHO DO SACO, do amigo Milton do Prado em parceria com Amábile Rocha. Por falar no Milton, ontem o Carlão me apresentou a Marcus Mello, amigo dele e editor da ótima revista Teorema. Ele falou que vai me enviar umas edições da revista. Maravilha. O cara é gente fina. Falou da dificuldade que tem em botar a revista nas bancas, sempre tendo que tirar uma boa grana do próprio bolso pra fazer acontecer.

Outra pessoa que conheci pessoalmente foi o Marcelo Lyra, poeta, crítico de cinema e autor do livro "Carlos Reichenbach". O cara se revelou um mestre na arte de criar jogos de palavras. Ele criou até um slogan para o site Cinema com Rapadura, parafraseando Che Guevara: "Hay que endurecer-se pero sin perder la doçura". Falando nos "rapaduras", nesse festival, tive mais chance de me aproximar mais dessa turma, já que eu sou uma espécie de membro ausente do CCR.

O momento glorioso da noite foi quando, no final da premiação, tirei uma fotografia com o Carlão e a Dira Paes. Gosto muito dela desde CORISCO E DADÁ, mas me tornei fã mesmo a partir de AMARELO MANGA, talvez sua melhor performance nas telas. Ela é uma simpatia de pessoa. Um detalhe interessante é que, no momento dessas fotos, as três ceguinhas de Campina Grande faziam show na Praça. O filme A PESSOA É PARA O QUE NASCE tinha ganhado o prêmio principal da noite. Desses momentos, eu nunca vou me esquecer.



Ao lado do Carlão, no auditório do Ponta Mar Hotel, depois do debate de terça-feira.

Abaixo, relação dos premiados:

Premiação Longa-metragem:

Melhor filme: A pessoa é para o que Nasce
Direção: Carlos Reichenbach - Bens Confiscados
Fotografia: Mario Carneiro e Dib Lufti - Seo Chico, Um retrato
Roteiro: Sergio Bianchi, Eduardo Benaim e Newton Canito - Quanto Vale ou é por Quilo?
Trilha sonora original: Julio Medaglia - A Marca do Terrir
Direção de arte: Renata Tessari - Quanto Vale ou é por Quilo?
Melhor atriz: Betty Faria - Bens Confiscados
Melhor ator: Werner Schüneman - Bens Confiscados
Montagem: Paulo Sacramento - Quanto Vale ou é Por Quilo?
Ator Coadjuvante: Lázaro Ramos - Quanto Vale ou é por Quilo?
Atriz Coadjuvante: Ariclê Perez - Quanto Vale ou é por Quilo?
Som: Juarez Dagoberto - Por Trinta Dinheiros
Prêmio Especial do Júri: Moacir Arte Bruta - Walter Carvalho

Curtas-metragens (Vídeo):

Melhor vídeo: Meu Nome é Paulo Leminski, Cezar Migliuorin
Direção: Cezar Migliuorin, Meu Nome é Paulo Leminski
Fotografia: Emerson Pessoa por Sexo com Objetos Inanimados
Edição: João Maria, Ave Maria: Mãe dos Oprimidos
Roteiro: Erico Campos Rassi, Sexo com Objetos Inanimados
Direção de Arte: Paulinho Pesoa, Miragem
Ator: Lucio Macedo, Sexo com Objetos Inanimados
Atriz: Ester França e Juliana Macedo, Miragem
Som: Osmar Assis e Felipe Machado, Ave Maria: Mãe dos Oprimidos
Prêmio Especial do Júri: Cortejo - O Grande Pênis Branco

Curtas-metragem (Película 16 e 35mm):

Melhor filme 16mm: Curta Metragem Metalingüístico de Baixo Orçamento ou Aceita Mais Café?, Byron O'Neil
Melhor Filme 35mm: Intimidade, Camila Gonzatto
Direção: Joana Oliveira, Habanera
Fotografia: Roberto Iuri, Canoa Veloz
Edição: Eric Laurence, Entre Paredes
Roteiro: Cristiane Oliveira, Messalina
Trilha sonora original: Nana Vasconcelos, Entre Paredes
Direção de arte: Maíra Coelho, Intimidade
Ator: Fernando Alves Pinto, Intimidade
Atriz: Vanise Carneiro, Messalina
Som: Nicola Hallet, Entre Paredes

Categoria sem Bitola
Melhor Animação: O Vampiro, Douglas Alves Ferreira
Melhor Produção Cearense: Canoa Veloz, Tibico Brasil e Joe Pimentel
Melhor Curta com temática nordestina (BNB): Paola, Eduardo Chaves


quarta-feira, junho 08, 2005

QUANTO VALE OU É POR QUILO?

 

-E aí, gostou do filme? Taí uma pergunta difícil de responder quando se trata dos filmes de Sergio Bianchi. Difícil não ficar com um pé atrás vendo seus filmes. Ao mesmo tempo, sua atitude ácida, agressiva e provocadora me é bastante atraente. 

Lembro que quando vi CRONICAMENTE INVIÁVEL (2000) no cinema me senti bastante ofendido numa cena em que um sujeito xinga um nordestino nas ruas de São Paulo. Claro que isso não é o ponto de vista do diretor, apenas do personagem. No caso do novo filme, essa diferença entre o autor e o personagem pode não ficar tão clara. Há um momento em que o personagem de Lázaro Ramos seqüestra e tortura um dos ricos donos de uma ONG corrupta (Herson Capri) para, com o dinheiro do resgate, repartir o dinheiro com a comunidade. Já que a ONG não faz o que deveria fazer, é preciso tomar atitudes drásticas. Estaria Bianchi dando razão ao seqüestro como forma de benefício para os menos favorecidos? 

QUANTO VALE OU É POR QUILO? (2005) é perturbador. Logo no começo vemos os maus tratos que os escravos negros recebiam no século XIX. É de causar agonia, por exemplo, ver uma escrava com uma daquelas máscaras de alumínio, apenas com microfuros para pouco ver e pouco respirar. Ao fundo, a narração de Milton Gonçalves falando dos métodos "correcionais" aplicados aos escravos, como se fosse natural torturar um ser humano; como se houvesse uma justificativa aceitável para aquilo. A narração de Milton me lembrou a narração de Paulo José no premiado curta ILHA DAS FLORES, de Jorge Furtado. Há uma frieza e neutralidade em sua voz que chega a ser assustadora. 

O filme traça um paralelo entre o modelo escravagista da época do império com o atual modelo capitalista neo-liberal. Para Bianchi, a vontade de lucrar em cima dos miseráveis continua até os dias de hoje através das instituições filantrópicas sem fins lucrativos. O dinheiro que o Governo investe nas ONGS que trabalham com filantropia seria suficiente para ajudar milhares de famílias necessitadas. Os dados que ele apresenta no filme são alarmantes. Mas o perigo está em generalizar e achar que todas as ONGs são um poço de más intenções, hipocrisia, corrupção e lavagem de dinheiro. Não estive no debate com Bianchi que aconteceu na segunda-feira no Ponta Mar Hotel, mas ouvi falar que houve um bate-boca bem violento. Mas Bianchi já deve estar acostumado com toda essa controvérsia. 

O filme é dividido em várias estórias, algumas delas se passando no Brasil imperial, mas com uma trama principal envolvendo os tais administradores da ONG, Herson Capri e Caco Ciocler. Uma das melhores cenas do filme é a do carro que atola numa favela exatamente no momento em que está havendo um tiroteio. É uma cena bem engraçada. Bianchi também se utiliza do humor negro na seqüência posterior ao seqüestro de Capri. Também interessantes as cenas de perseguição, ao som de Chico Science & Nação Zumbi, assim com a violenta e dupla seqüência final do filme. 

Não me considero apto para questionar a ética do filme - deixo para quem entende mais de política ou sociologia -, mas se o negócio é causar efeito e provocar a sociedade, Bianchi é o homem. Dentro de um panorama em que o cinema brasileiro tende cada vez mais para o politicamente correto, as provocações do diretor até que são bem vindas.

terça-feira, junho 07, 2005

BENS CONFISCADOS



A noite de ontem no XV Cine Ceará foi de emoções fortes pra mim. Fui com grande expectativa ver BENS CONFISCADOS e conhecer pessoalmente o lendário Carlão Reichenbach, que também acontece de ser meu amigo virtual de mais de cinco anos. Em certo momento da noite, enquanto estava sendo exibido AS VILAS VOLANTES, de Alexandre Veras, me retirei da sala de cinema por estar me sentindo extremamente solitário e angustiado. Precisava tomar um pouco de ar e saí daquela sessão. AS VILAS VOLANTES tem cerca de 50 minutos e é bem interessante. Eu reveria em um momento menos turbulento, mas naquela hora não dava pra mim. A vontade de me retirar era quase desesperadora. Assim que saí, vi que não era o único: alguns conhecidos meus, inclusive, tinham se retirado da sala também. Na Praça do Ferreira, vi lá dois amigos que já tinha visto nos outros dois dias do festival. Enquanto falava com o Márcio, vi que o Carlão tinha acabado de chegar, e fui lá falar com ele, que me recebeu com um abraço caloroso.

Carlão parece que estava conversando com um jornalista do Diário do Nordeste. Ele até fez propaganda do meu blog pro rapaz, dizendo que eu tinha ganhado o Quepe do Comodoro de melhor blog de cinema do ano. Não por coincidência, em questão de minutos um fotógrafo do jornal tirou uma foto nossa. No encontro, Carlão ainda me presenteou com dois DVDs dos filmes PAPRIKA, de Tinto Brass (diretor que eu adoro) e de O MAR, de Agustí Villaronga, que só depois eu fui saber que é o mesmo diretor do polêmico TRAS EL CRISTAL. Não que ele não tivesse mencionado. Ele me apresentou ao ator Werner Schünemann, bastante simpático e atencioso.

Depois de pedir um autógrafo no livro "Carlos Reichenbach", de Marcelo Lyra, chegou a hora de eu o entrevistar. Tinha preparado umas perguntinhas para uma entrevista informal que faria a convite do amigo Jurandir Filho, diretor do site Cinema com Rapadura, que esse ano está fazendo a cobertura oficial do festival. Ao meu lado, estavam a Bia e a Maira, que estava tomando notas da entrevista e até já publicou no site. Sobre o que ele falou na entrevista, comentarei depois, já que não estava de posse de gravador e a Maira deve ter anotado mais coisas do que eu, que simplesmente desisti de tomar notas para não estragar o papo, que estava bom pra caramba. Lá dentro, antes da exibição do filme, uma outra surpresa: Carlão dedicou a exibição de BENS CONFISCADOS pra mim, mencionando novamente o meu blog para muita gente que acho que ficou sem entender. Fiquei emocionado.

O filme começa. Naquela altura, eu estava procurando relaxar e me concentrar no filme, mesmo com tudo que aconteceu nessa noite e com minha pressão que estava alta (devia ter tomado um chope, não bebido meio litro de coca-cola). Demorou algum tempo para eu relaxar de verdade. Vi o filme na ótima companhia da Maira, e ela comentou que estava achando o filme bem diferente, que não era só na base do campo e contracampo. O filme tem movimentos de câmera belíssimos. Não tenho idéia de como ele faz pra conseguir esse movimento com tanta suavidade. A fotografia de Jacob Solitrenick é linda. Adorei aquele plano inicial da câmera fazendo voltas na personagem da suicida no início do filme.

E uma coisa que eu achei muito interessante nesse filme foi a fluidez, a completa falta de pressa que o filme tem, parecido com DOIS CÓRREGOS (1999). Não parece haver um objetivo, um fim. Não que seja lento como um Tarkovski, mas as coisas acontecem num tempo diferente. È como se estivéssemos numa estrada sem nenhum lugar pra ir, daí o sentimento de certo pessimismo. E há o som do mar, que faz a marcação do tempo, dos ciclos da vida. No debate no Ponta Mar Hotel, Carlão diferenciou o novo filme de DOIS CÓRREGOS, comparando o filme de 1999 com um rio, e esse último, com o mar. As emoções são mais turbulentas, mais violentas. Em alguns momentos, o filme parece irregular, e talvez seja mesmo. Não é um filme redondo, com certeza. Mas a habilidade de Carlão na condução da narrativa é espantosa.

Sua boa mão para o erotismo, dada sua experiência com o "gênero" nas décadas de 70 e 80, se faz presente numa cena que eu considero das melhores do filme: a cena em que Marina Person beija a amiga (Fernanda Carvalho Leite) na boca. A entrega das duas personagens, os diferentes ângulos em que é mostrada a cena, e a trilha sonora de Ivan Lins, com tudo isso, a vontade que se tem é que aquela cena dure o máximo possível.

Outra cena que achei magnífica é aquela em que os personagens de Betty Faria e Renan Augusto estão chorando numa mesa de bar, ao som de uma canção bem triste (que música é mesmo?). Naquele momento, o filme se assume completamente como melodrama sirkiano. Aliás, antes mesmo dessa cena, já tinha reparado num plano que lembra demais a fotografia de PALAVRAS AO VENTO, de Douglas Sirk, dando uma sensação de atemporalidade.

Na verdade, não há uma atmosfera realista no filme. Em alguns momentos, os diálogos parecem até artificiais, causando uma certa estranheza. Hoje no debate, Carlão afirmou que não é adepto do "naturalismo" dos diálogos televisivos. Acho que no filme, um dos momentos mais estranhos é aquele que mostra Beth Goulart e André Abujamra no noticiário, a imagem "estourada" por causa do vídeo na tela gigante. Beth Goulart está bem exagerada e caricata, o que só pode ter sido proposital, claro. A personagem de Beth dizem que foi inspirada no escândalo envolvendo Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo, e sua ex-mulher.

BENS CONFISCADOS pode até não ser o meu filme preferido de Carlos Reichenbach - sinto até que vou gostar mais de GAROTAS DO ABC -, mas com certeza vai ser um dos que mais vai ficar guardado com carinho em minha memória. E um dia pretendo revê-lo com mais tranqüilidade, talvez quando sair o DVD e eu poder ver o filme de madrugada e me deixando levar pelo som do mar.

P.S.: Hoje pela manhã ainda tive o prazer de conversar durante bem mais tempo com o Carlão. E ainda saí de lá com outra raridade: A ADOLESCENTE, do glorioso Luis Buñuel. Às vezes eu acho que sou um cara de sorte.

P.P.S: No CCR já tem um resumo da entrevista que fizemos na Praça do Ferreira. Inclusive, nessa página tem algumas fotos. Pena que eu só apareço de costas. Mas assim que eu receber, posto aqui uma foto minha em companhia do Carlão.

segunda-feira, junho 06, 2005

A PESSOA É PARA O QUE NASCE



Fim de semana bem agitado por conta do Cine Ceará. E também por eu já estar com o espírito bem inquieto esses dias. Ando sem muita paciência para ler ou para ver filmes que não seja no cinema. Ainda assim, vi um filme em casa no domingo, mas desse eu comento depois. Vamos começar com o meu primeiro dia no XV Cine Ceará, que aconteceu na noite de sábado. Esse ano, o festival está com uma seleção de filmes bem interessante. E todos já devem sabem o quanto eu estou ansioso para ver o filme do Carlão, o BENS CONFISCADOS. Por ora, enquanto o futuro não chega, vamos de passado. Como ando bem atarefado esses dias, não reclamem se eu soar ainda mais superficial do que eu já costumo ser.

A PESSOA É PARA O QUE NASCE (2004), de Roberto Berliner, é mais um bom documentário dessa atual fase fértil do gênero aqui no Brasil. E acredito que seja um dos melhores, entre os mais recentes. Já estreou em São Paulo na última sexta-feira e as três protagonistas do filme, as ceguinhas Maria, Regina e Conceição, até já estiveram no programa do Serginho Groissman no último sábado.

O filme mostra a história dessas três irmãs cegas que vivem de cantar e tocar ganzá em troca de esmolas em feiras do Nordeste brasileiro. O filme expõe muito da intimidade das mulheres, o que às vezes chega a incomodar. Difícil não ficar cismado quando vemos elas deitadas no gramado, como se estivessem em poses sensuais, contando sobre suas vidas. Uma delas, inclusive, foi casada duas vezes, sendo que em uma delas com um deficiente visual.

A PESSOA É PARA O QUE NASCE também mostra o efeito que o filme causou na rotina das três, fazendo com que elas ficassem famosas da noite para o dia, indo fazer shows em Salvador e São Paulo. Uma delas chegou até a ficar apaixonada pelo diretor do filme. Essa é apenas uma das várias cenas que exageram na exposição dessas pobres mulheres. Numa cena cômica, mas com um quê de sádica, uma delas tenta atender o telefone num quarto de hotel, sem ter a menor noção de como fazer isso.

O filme demorou 8 anos para ficar pronto. Começou como um curta-metragem em 1997, e depois foi se transformando num longa à medida que Berliner foi filmando quase que interminavalmente as irmãs com o passar dos anos. O filme tem tantos saltos no tempo que eu já estava imaginando que uma delas já poderia ter morrido, o que não foi o caso. Elas continuam bem vivas, ainda que suas vidas não tenham mudado financeiramente para melhor. Numa das últimas filmagens, vemos duas delas sentadas na calçada pedindo esmolas, em Campina Grande.

De todo modo, é possível que elas melhorem de vida se o cd do filme fizer sucesso. Trata-se de um álbum duplo, contendo, no primeiro disco, as canções de Maria, Regina e Conceição, cantadas por elas mesmas, e no segundo disco, vários artistas famosos, como Paralamas, BNegão, Mombojó, Lenine, Otto, Pedro Luís e a Parede, Elba Ramalho, Pato Fu, entre outros, interpretando suas canções. Vale dizer que no site oficial do filme, é possível fazer download de algumas faixas, inclusive da que eu mais gostaria de ter em cd: a do Pato Fu.

sexta-feira, junho 03, 2005

REFÉM (Hostage)

 

Engraçado quando a gente vai ao cinema ver um filme com pouca repercussão por parte da crítica - e esnobado por outra parte - e dá de cara com um filmaço. Dos amigos blogueiros, que eu lembre, só o Dr. Igor comentou positivamente sobre o filme. REFÉM (2005) é um espetáculo. Desde os créditos iniciais, o filme é um raro prazer no meio de tantas fitas policiais mornas, que perdem feio para seriados de tv como 24 HORAS ou THE SHIELD. Felizmente tive sorte, pois o filme permaneceu um bom tempo em cartaz e ainda permanece por pelo menos mais uma semana. Sinal de que as pessoas estão indo ver e talvez esteja havendo até uma propaganda boca-a-boca do público. Eu já estou fazendo a minha parte e recomendando a todo mundo. 

E eu que já estava achando que os franceses não davam sorte em Hollywood, vide os trabalhos de Pitof (MULHER-GATO) e Jean-François Richet (ASSALTO À 13ª D.P.), ainda que eu não tenha desgostado de nenhum desses dois filmes . E ainda estou ansioso pra ver a estréia de Alexandre Aja nos EUA com a refilmagem de QUADRILHA DE SÁDICOS, mas isso vai ser só no ano que vem, então vamos com calma. 

Enquanto me maravilhava com os créditos criativos, os travellings, as tomadas aéreas e a excelente capacidade de criar suspense e tensão do filme, eu me perguntava: quem é esse Florent Emilio Siri, esse cineasta de nome engraçado? O que é aquela citação à Virgem Maria no final do filme? Esse filme tem alguma coisa em comum com os trabalhos que ele fez na França? Ainda não sei as respostas, mas sei que Siri foi convidado pelo próprio Bruce Willis para dirigir REFÉM, depois de o ator ter se entusiasmado com um de seus filmes - talvez NID DE GUÊPES (2002), thriller de ação realizado na França e que nos EUA ganhou o título de THE NEST. 

Na trama de REFÉM, Willis é um policial especializado em negociar com seqüestradores. O prólogo já dá uma amostra do que virá a seguir, apresentando uma negociação que dá errado. Depois de eu já ter roído todas as minhas unhas logo no começo do filme, encontramos com Willis um ano depois, trabalhando, dessa vez, numa cidadezinha do interior. Onde menos se espera que vá haver algo parecido com os seqüestros de Los Angeles, um grupo de adolescentes encrenqueiros invade a mansão de um ricaço local. A partir do momento que eles entram na casa, as coisas vão se omplicando cada vez mais. Uma reviravolta digna de episódios de 24 HORAS - e que até pode irritar a quem prefere filmes mais verossímeis - fará com que Willis tenha que negociar diretamente com os garotos que mantêm como refém o dono da casa e seus dois filhos, uma moça e um garotinho. 

O barato do filme é que em alguns momentos ele se confunde com um filme de terror, desses de psicopata correndo atrás de pessoas indefesas, com direito, inclusive, a algumas cenas de violência gráfica. O elenco de apoio está ótimo, especialmente Ben Foster, que faz o psicopata Mars, e o garotinho Jimmy Bennet, que faz o filho do milionário. O garoto é espertíssimo e é difícil não simpatizar com o moleque. Pra coisa ficar em família, Bruce Willis, como produtor do filme, arranjou um jeito de colocar sua filha, Rummer Willis, no filme, no papel de filha dele. Mas o papel dela é pequeno. Quanto ao astro, desde CORPO FECHADO (2000), do Shyamalan, que ele não fazia um filme tão legal.

quinta-feira, junho 02, 2005

VINCENT

 

Não costumo dedicar um único post para um só curta-metragem, mas dessa vez acho que o filme merece. VINCENT (1982) é um dos mais belos curtas que eu já vi. E diria até que o filme é superior à maioria dos longas de seu diretor Tim Burton. 

Feito em animação stop-motion e em preto-e-branco, VINCENT conta a estória de Vincent Malloy, um garotinho que não consegue ser igual aos outros meninos de sua idade. Ele adora Vincent Price, filmes de terror e contos de Edgar Allan Poe. O garoto não curte jogar bola, nem luz do sol ou coisa do tipo, preferindo a escuridão e a atmosfera lúgubre. Ele sente atração pelo imaginário dos filmes e literatura de horror: morcegos, aranhas, zumbis, névoa, túmulos. Sua mãe, em vez de tentar entendê-lo, quer torná-lo igual aos outros meninos. 

O que torna VINCENT um filme tão especial é principalmente a belíssima narração de Vincent Price da poesia que Tim Burton escreveu, inspirada no poema "O Corvo", de Edgar Allan Poe e na estórias infantis de Dr. Seuss. Faz bem aos ouvidos e ao coração ouvir essa poesia, ao mesmo tempo que nos afeiçoamos com o personagem a partir das belas imagens de Burton. E o diretor consegue isso em apenas 6 minutos! 

Para Burton foi um sonho tornado em realidade o fato de Price ter aceitado fazer a narração de seu curta. Posteriormente, Price ainda atuaria em um famoso longa de Burton, EDWARD MÃOS-DE-TESOURA no papel do "Inventor". Essa foi uma das últimas atuações de Price para o cinema. Infelizmente ele morreu logo após as filmagens. 

Difícil não imaginar que o pequeno Vincent não seria o próprio Tim Burton. Ele que tem atração pelas sombras e pelo lado horrorífico da vida e dos filmes. Quem um dia já se sentiu diferente ou deslocado, principalmente na infância, com certeza vai se emocionar e se encantar com a beleza de VINCENT. Para encerrar (e pra não perder o costume), um top 10 Tim Burton: 

1. ED WOOD (1994)
2. A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA (1999)
3. VINCENT (1982)
4. BATMAN - O RETORNO (1992)
5. EDWARD MÃOS-DE-TESOURA (1990)
6. MARTE ATACA (1996)
7. O PLANETA DOS MACACOS (2001)
8. OS FANTASMAS SE DIVERTEM (1988)
9. BATMAN (1989)
10. PEIXE GRANDE (2003)

Não visto: AS GRANDES AVENTURAS DE PEE-WEE HERMAN (1985).

Em breve nos cinemas: A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE (2005)

Em pós-produção: CORPSE BRIDE (2005)

P.S.: Vejam porque eu me identifiquei tanto com o Vincent, lendo minha nova coluna, dessa vez sobre quadrinhos e infância, no site Cinema com Rapadura.