terça-feira, março 30, 2004

O QUARTO VERDE (La Chambre Verte)



Esse negócio de se apegar a uma idéia fixa pode ser fatal. Atualmente minha família anda passando por uma situação desagradável proveniente de uma idéia fixa e estúpida de uma de minhas irmãs. Prefiro não relatar o que está havendo para evitar mais estresses. Sobre o assunto, Machado de Assis, em sua obra-prima "Memórias Póstumas de Brás Cubas", mostrou que uma idéia fixa pode até matar uma pessoa. Tudo bem que no livro de Machado há um humor peculiar e uma brincadeira com as coisas do destino, mas não deixa de ser um assunto sério, como podemos ver nesse ótimo trabalho de François Truffaut.

Em O QUARTO VERDE (1978), Truffaut mostra o quanto um homem pode ir quando se apega a uma crença (doentia). O maior incômodo desse filme é que, em certos momentos, sentimos Truffaut tomar partido da fé do protagonista. O QUARTO VERDE é diferente de tudo que eu já vi de Truffaut. Em vez da leveza de suas outras obras, vemos aqui um filme mórbido, pesado, que cheira a defunto. O filme foi adaptado do conto "O Altar dos Mortos", de Henry James. Não tenho idéia do que levou levou Truffaut a realizar esse filme.

Na história, o próprio Truffaut interpreta Julien Davenne, um jornalista especialista em escrever notas de falecimento em um jornal decadente de uma cidadezinha francesa. Logo no início do filme, conhecemos um pouco do personagem, quando ele vai para o velório da esposa de um amigo. A seqüência é bem carregada, mostrando o marido recusando-se a dar adeus ao corpo da mulher, inconformado que está com sua morte prematura, enquanto familiares e amigos tentam fechar o caixão. É nessa hora que vemos Davenne expondo suas convicções e contando que também perdera a esposa, mas que hoje ele continua a falar com ela, que nunca se esqueceu nem se esquecerá de seu amor.

Davenne possui uma espécie de santuário para a esposa em um quarto de sua casa. A vida que Davenne leva é totalmente destituída de prazeres. Ele evita a alegria, evita novos amores. Para ele, o que importa é viver com a lembrança da esposa. (Não pude evitar de me lembrar do drama do cantor Roberto Carlos, considerado louco por muitos, ao dizer que fala com a esposa diariamente, mesmo ela estando morta.)

Muito interessante o estranho relacionamento de Davenne com a jovem Cecilia (Nathalie Baye) e sua obstinação em construir um santuário para os "seus" mortos. A fotografia do filme é quase sempre escura ou soturna, acentuando o clima de pesar presente o tempo todo. O filme ou é filmado à noite ou em ambientes fechados e com pouca luminosidade.

Cada vez eu gosto mais de Truffaut. Quem sabe até o final do ano eu consigo ver AMOR EM FUGA (1979), hein!. E quem gostou de Nathalie Baye não deve deixar de ver o excelente UMA RELAÇÃO PORNOGRÁFICA (1999). Esse filme é bem especial pra mim.

(O QUARTO VERDE foi gravado do canal Telecine pelo amigão Renato.)

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