sexta-feira, janeiro 16, 2004

THE SHORT FILMS OF DAVID LYNCH



Esta coletânea de curtas-metragens de David Lynch é uma pérola pra quem é fã dos trabalhos do homem e quer ver tudo que ele já fez. Outra coisa que torna esse especial imperdível é que o próprio Lynch comenta esses trabalho, contando detalhes do que aconteceu nos bastidores. Inclusive, boa parte do que eu escrevi aqui foi retirado dos depoimentos do diretor. E olha que ele é bem reservado pra falar dos próprios trabalhos, evitando revelar segredos e mistérios que pontuam suas obras. Vou falar aqui um pouquinho de cada curta dessa coleção.

SIX FIGURES GETTING SICK (1966, 4 min) é uma animação experimental, mostrando homens vomitando, enquanto sirenes perturbadoras são usadas como trilha sonora. Foi o primeiro curta de Lynch. Não apresenta uma história.

Um sujeito viu esse curta, gostou e pediu pra que Lynch fizesse um pra ele. Ele lhe ofereceu mil dólares. Lynch não era rico e não tinha nem uma câmera. Com metade do dinheiro, comprou a câmera. Ele conta que passou a noite sem dormir de tão ansioso pra comprar essa câmera. Mas um desagradável incidente aconteceu e ele perdeu o filme.

Isso o levou a filmar THE ALPHABET (1968, 4 min), seu segundo curta, que é bem mais ousado e criativo. Não tem uma história, mas tem imagens fortes misturando animação e cenas em live action, com participação de sua então esposa, Peggy Lynch. E continuam as esquisitices. Eu gosto bastante desse curta.

Uma idéia fixa fez com que Lynch filmasse THE GRANDMOTHER (1970, 34 min). Como ele não tinha dinheiro, preparou um roteiro e participou de um concurso. A certa altura, ele achava que não teria a menor chance. Alguns vencedores até já tinha sido chamados. Até que ele recebeu uma ligação que mudou sua vida: ele conseguira o prêmio para fazer o seu filme.

THE GRANDMOTHER é um filme inquietante, arrastado. Ainda não é o Lynch maduro que a gente conhece. Mas é um filme que tem muitas qualidades. Foi o primeiro trabalho de Lynch com atores, com dramaticidade, apesar de o curta não ter nenhum diálogo. Isso contribui ainda mais para a estranheza. A maquiagem dos atores faz com que eles pareçam atores do cinema mudo, com aquele rosto pálido, contrastando com os tons escuros do filme. Há algumas seqüências de animação, como que um escape para a falta de mais recursos financeiros. Mesmo assim, foi um salto em termos de produção de THE ALPHABET para THE GRANDMOTHER, ainda que eu prefira THE ALPHABET. A história de THE GRANDMOTHER envolve um garoto que vive com os pais (o pai sempre bate nele porque ele mija na cama). O garoto consegue umas sementes e começa a regá-las em cima da cama. Uma árvore cresce e surge uma velha de dentro da árvore. Não sei o que isso significa.

Em 1973 Lynch filmou durante um ano o seu primeiro longa – ERASERHEAD – mas o dinheiro acabou e as filmagens foram interrompidas. Enquanto o projeto estava parado, surgiu THE AMPUTEE (1974, 5 min), um curta de menor orçamento que o anterior que mostra uma garota que tem as pernas amputadas e escreve uma carta enquanto um enfermeiro trata do que restou de suas pernas. Nesse caso, o espectador procura estabelecer uma relação entre o que ela está escrevendo e sua atual condição. Há aquele senso de humor característico de Lynch nesse curta. Acho que ele pode ter servido de inspiração para a filha de Lynch dirigir ENCAIXOTANDO HELENA (1993).

Já THE COWBOY AND THE FRENCHMAN (1988, 22 min) foi dirigido logo após o término de VELUDO AZUL (1986), quando Lynch estava em Paris e já mostra um diretor bem mais seguro. Foi a partir desse filme que o “namoro” de Lynch com a França começou (basta lembrar que os últimos dois longas dele foram finalizados graças ao apoio dos franceses). O curta faz parte do projeto LES FRANÇAIS VUS PAR, que incluía também curtas dos cineastas Jean-Luc Godard, Luigi Comencini, Werner Herzog e Andrzej Wajda. Na história, Harry Dean Stanton é um cowboy meio surdo que fica grilado quando aparece um francês no lugar onde ele mora. Lynch explora comicamente vários dos clichês dos tipos americano e francês. É o trabalho mais engraçado de Lynch. Difícil não rir das falas do cowboy, da cena da mala e da cena final do scargot. Vale lembrar que vendo o cowboy meio surdo não pude deixar de me lembrar do próprio Lynch fazendo o papel de um agente do FBI também meio surdo em TWIN PEAKS: OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER (1992).

O último curta da coletânea é um de apenas 55 segundos feito para o projeto LUMIÈRE ET COMPAGNIE (1995), quando foram convidados vários diretores consagrados de todo o mundo para comemorar os cem anos do cinema. Todos os diretores tinham que trabalhar de acordo com as restrições apresentadas pelos franceses organizadores do projeto. Tinham que utilizar no máximo três takes, tinham que usar luz natural, não poderiam usar som sincronizado e a câmera utilizada era bem parecida com as primeiras câmeras usadas pelos irmãos Lumière. O curta de Lynch, que se chama PREMONITIONS FOLLOWING AN EVIL DEED, tem imagens assombrosas de tão boas. Pena que dura apenas 55 segundos. Seria uma boa se Lynch pudesse desenvolver a idéia para um longa.

Em breve vou comentar mais duas obras feitas para a internet: DUMBLAND e DARKENED ROOM. Uma boa notícia é que ouvi boatos de que ERASERHEAD (1977), o primeiro longa de Lynch deve ser lançado em DVD no Brasil ainda esse ano. Bom, né?

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