segunda-feira, dezembro 30, 2002

TOP 10: OS MELHORES FILMES DE 2002



1. CIDADE DOS SONHOS (Mulholand Dr.), de David Lynch
Uma experiência arrebatadora. Um sonho assustador. David Lynch é gênio. Silenzio.

2. FALE COM ELA (Hable con Ella), de Pedro Almodóvar
Até onde vai a criatividade desse espanhol que tem se superado a cada filme? O melhor Almodóvar. E isso não é pouco.

3. LUCÍA E O SEXO (Lucía y ele Sexo), de Julio Medem
Uma obra-prima do mesmo Julio Medem que nos brindou com "Os Amantes do Círculo Polar".

4. O INVASOR, de Beto Brant
Não precisa ser uma pessoa desbocada pra sair do cinema dizendo "putaquepariu!". O melhor filme nacional dos últimos anos.

5. O SENHOR DOS ANÉIS - A SOCIEDADE DO ANEL (The Lord of the Rings - The Fellowship of the Ring)
O SENHOR DOS ANÉIS - AS DUAS TORRES (The Lord of the Rings - The Two Towers),
de Peter Jackson
Não dá pra separar os dois filmes e dizer qual o melhor. Os dois na verdade são parte de um filme de cerca de 9 horas de duração que ainda não acabou. Peter Jackson fez um milagre ao transpor a obra de Tolkien para as telas de uma maneira tão fantástica.

6. WAKING LIFE, de Richard Linklater
Um turbilhão de pensamentos passa pela cabeça da gente ao assitir essa animação feita a partir de live action. Cinema a serviço da filosofia.

7. FANTASMAS DE MARTE (Ghosts of Mars), de John Carpenter
Carpenter mais uma vez bebe na fonte de RIO BRAVO do Hawks e faz mais uma obra-prima.

8. DIA DE TREINAMENTO (Training Day), de Anthony Fuqua
Denzel Washington ganhou o Oscar por esse trabalho espetacular na pele de um policial sem escrúpulos e Ethan Hawke sofre na mão dele.

9. MENTIRAS (Gojitmal), de Sun-Woo Jang
Uma história de amor sado-masoquista semi-explícita contada do início ao fim. Um espetáculo de filme coreano que não tem pudores.

10. OS EXCÊNTRICOS TENENBAUMS (The Royal Tenenbaums), de Wes Anderson
Difícil não ficar desconcertado com esse filme estranho com gente esquisita. Wes Anderson tem um humor super-peculiar e conseguiu juntar o melhor elenco do ano.

LADO B: OS OUTROS 10

11. O PACTO DOS LOBOS (Les Pacte des Loups), de Christophe Gans
O grande filme de ação do ano veio da França. Imagens deslumbrantes, cenas de artes marciais, Monica Belucci embelezando com sua nudez e um monstro assustador.

12. HISTÓRIA REAL (The Straight Story), de David Lynch
Um Lynch diurno, mostrando a realidade de pessoas bem intencionadas e boas, na trajetória de um senhor idoso que atravessa milhas com um cortador de grama para ver o seu irmão doente. E essa é uma história real.

13. DÍVIDA DE SANGUE (Blood Work), de Clint Eastwood
Eastwood é como um bom vinho, que melhora à medida que envelhece. Brinca com a própria velhice e nos oferece mais um trabalho de respeito.

14. CIDADE DE DEUS, de Fernando Meirelles e Kátia Lund
Um dos maiores sucessos comerciais do cinema nacional, essa obra controversa é também um filme pulsante que bebeu na fonte de Scorsese e Tarantino.

15. TERRA DE NINGUÉM (No Man´s Land), de Danis Tanovic
Uma situação tragicômica, um país destroçado pela guerra, um senso de humor ácido. Melhor roteiro em Cannes.

16. AS FERAS, de Walter Hugo Khouri
Como é bom ver um filme do Khouri no cinema. Estão lá o erotismo, as mulheres lindas, o jazz, a psicologia, os diálogos finos. Grande Khouri.

17. UM GRANDE GAROTO (About a Boy), de Chris e Paul Weitz
A melhor comédia romântica do ano, num tempo em que o gênero anda em baixa. Uma delícia de filme.

18. SINAIS (Signs), de M. Night Shyamalan
Um filme que prima pela atmosfera de suspense, pelo terror psicológico e ainda faz uma bela homenagem aos filmes de terror dos anos 50.

19. BETTY FISCHER E OUTRAS HISTÓRIAS (Betty Fischer et autres histoires), de Claude Miller
Várias histórias se entrelaçam nesse excelente exemplar do atual cinema francês balanceando bem o drama e a comédia.

20. O PODER VAI DANÇAR (Cradle Will Rock), de Tim Robbins
Um super-elenco nesse inteligente retrato dos EUA da Grande Depressão.

Filmes nota 10 fora de concorrência

APOCALIPSE NOW REDUX, de Francis Ford Coppola
OS INCOMPREENDIDOS (Les Quatre cents coups), de François Truffaut
BEIJOS ROUBADOS (Baisers volés) , de François Truffaut
DOMICÍLIO CONJUGAL (Domicile Conjugal), de François Truffaut
A COMILANÇA (La Grande Bouffe), de Marco Ferreri

Top 10 - Brasil

1. O INVASOR, de Beto Brant
2. CIDADE DE DEUS, de Fernando Meirelles e Kátia Lund
3. AS FERAS, de Walter Hugo Khouri
4. HOUVE UMA VEZ DOIS VERÕES, de Jorge Furtado
5. O PRÍNCIPE, de Ugo Giorgetti
6. UMA VIDA EM SEGREDO, de Susana Amaral
7. JANELA DA ALMA, de Walter Carvalho e João Jardim
8. LAVOURA ARCAICA, de Luiz Fernando Carvalho
9. ABRIL DESPEDAÇADO, de Walter Salles
10. BELINI E A ESFINGE, de Roberto Santucci

Top 5 - Piores filmes

1. 13 FANTASMAS (Thir13en Ghosts), de Steve Beck
2. HOMENS DE PRETO II (Men in Black II), de Barry Sonnefeld
3. NETTO PERDE SUA ALMA, de Tabajara Ruas e Beto Sousa
4. D-TOX, de Jim Gillespie
5. SHOWTIME, de Tom Dey

sexta-feira, dezembro 27, 2002

ACOSSADO (À Bout de Souffle)



Fiquei de comentar ACOSSADO(1960) do Godard. Como sou "novato" na obra do homem, o que eu tenho a dizer são só impressões. Os únicos filmes que tinha visto eram DESPREZO (1963), que vi em VHS há muito tempo, e PIERROT LE FOU (1965), que vi num telão/vídeo nesse ano. ACOSSADO é um filme mais palatável, com bem menos referências literárias, musicais e cinematográficas ou autocitações. Assim, talvez seja o melhor filme para se iniciar o acompanhamento da obra. Há muitas semelhanças entre ACOSSADO e PIERROT. Os dois apresentam Jean-Paul Belmondo como o protagonista, nos dois Belmondo é um sujeito que foge da polícia por ter matado um homem, nos dois filmes há um belo par romântico: em PIERROT, Anna Karina, em ACOSSADO, Jean Seberg, além de outras coisas.

Alguns falam que a obra de Godard foi se tornando chata com o tempo, que os últimos filmes são difíceis e tediosos, mas eu acredito que eu vou gostar à medida que for descobrindo. Tenho impressão que vou criar afinidades com o cinema dele. Diferente de Fellini, por exemplo, de quem eu já devo ter visto uns 10 filmes e nunca gostei de fato. Até acho os seus filmes sonolentos. Já Godard, não. Dos poucos que vi, achei fascinantes, apesar de não os ter absorvido por completo. Mas os diálogos bem sacados, as montagens rápidas, as cenas e os personagens fora do comum me encantaram.

Antes de escrever eu tive vontade de rever o filme pra poder copiar algumas das frases de efeito e dos diálogos inteligentes do filme. Como não pretendo rever o filme imediatamente procurei na internet alguns textos que se referem ao filme e que, de preferência, comentassem algumas das frases do filme. Encontrei um texto do Arthur Dapieve falando sobre o livro "Ouvir Estrelas - as melhores frases e diálogos do cinema", de Mariza Gualano. No livro, o grande astro é Woody Allen, com 22 frases ou dialogos extraídos de seus filmes. Depois vem Billy Wilder e Jean-Luc Godard. Do filme ACOSSADO, Dapieve cita a frase: "Tornar-se imortal, e depois morrer", dita por Jean-Pierre Melville depois da pergunta "Qual a sua maior ambição?", feita por Jean Seberg. Há ainda: "Duas coisas são importantes na vida: para os homens, mulheres, para as mulheres, dinheiro." Outra que o Dapieve não cita e que eu gostei muito é uma em que Jean Seberg fala para Belmondo que as pessoas não dormem juntas. Quando as pessoas dormem, há sempre a separação. Não há como dormir juntos.

O texto de Dapieve a respeito do livro está aqui:

Digno de nota também é a refilmagem americana A FORÇA DO AMOR (Breathless), dirigido por Jim McBride e com Richard Gere e uma francesinha sexy chamada Valérie Kaprisky. Sem falar que o filme americano é mais generoso nas cenas sensuais.

quinta-feira, dezembro 26, 2002

CINEMA LIGHT



Comento a seguir alguns dos filmes que vi recentemente. Coincidência ou não são todos filmes leves e despretenciosos. Nada de excepcional, mas também nenhum deles é ruim.

ESCRITO NAS ESTRELAS (Serendipity)

Esse eu vi ontem e gostei. O segredo é não criar muita expectativa. Pra quem viu o trailler já tem uma idéia do que o filme traz. Vale a pena pelo casal de protagonistas - John Cusack e a belíssima Kate Beckinsale. É um filme à moda antiga, estilo Capra, com um romantismo e ingenuidade hoje ausentes nos filmes atuais. É claro que a moça força muito a barra em acreditar no destino, mas isso funciona bem no filme. E a cena do beijo dos dois ao som de "Northern Sky" do Nick Drake é bem legal.

CASAMENTO GREGO (My Big Fat Greek Wedding)

Outro filme leve. Não dá pra entender o sucesso enorme. Talvez alguma bruxaria. Mas CASAMENTO GREGO é um filme bem simpático e a história tem um andamento certeiro, apesar de manjada: moça desengonçada apaixona-se por rapaz boa pinta. Ele, ao querer casar com ela, tem que levar a família junto. O filme tem cenas engraçadas e ainda traz um pouco dos costumes da família grega para o espectador.

O FILHO DA NOIVA (El Hijo della Novia)

Sucesso na mostra de cinema de São Paulo, O FILHO DA NOIVA é um bom filme argentino que equilibra bem o drama e a comédia. Na história, dono de restaurante estressado decide mudar de vida, depois de sofrer um infarto. Ao mesmo tempo, seu pai decide se casar com a sua mãe, que sofre do Mal de Alzheimmer. Outros personagens como o amigo de infância e a namorada completam o mosaico. E o bacana é o clima alto-astral e positivo de se amar a vida com todos os problemas que ela traz junto.

CASTELO RA-TIM-BUM

Esse eu vi na Globo junto com o meu sobrinho. Isso é que exemplo de filme infantil. Não essas porcarias que vivem querendo entupir nos cinemas com grupos de pagode e apresentadores de programa de auditório. Não precisa dizer de quem estou falando, né? O filme foi dirigido por Cao Hamburger, que já tinha feito sucesso com o curta FRANKENSTEIN PUNK. Infelizmente o filme não foi bem de bilheteria. Mas hoje mesmo o meu sobrinho pediu pra eu colocar a fita de novo pra ele assistir. Sinal de que o filme tem bom apelo infantil.

Recentemente eu vi também ACOSSADO (À bout de Souffle) do Godard, mas esse não se enquadraria no quesito "cinema light" e tem muito do que se comentar. Fica pra próxima.

segunda-feira, dezembro 23, 2002

LAPUTA: O CASTELO NOS CÉUS (Tenku No Shiro Rapyuta)



Nesse fim de semana conturbado eu tive o prazer de assistir LAPUTA: O CASTELO NOS CÉUS (1986), de Hayao Miyazaki. Esse japonês é diretor do aclamado e premiado A VIAGEM DE CHIHIRO, que eu já estou esperando ansiosamente que estree no circuito comercial. Certo dia, com a revista SET nas mãos no curso de inglês, um colega do curso me pediu pra dar uma olhada, fez um comentário sobre o que ele chamou de "o grande Miyazaki" e eu perguntei se ele não teria algum filme dele em casa pra me emprestar. Com a resposta alternativa, não resisti e pedi emprestado a fita. LAPUTA (pronuncia-se Láputa) é um filme fascinante, perfeito. Eu diria que é o melhor filme japonês que eu já vi. Logo eu, que nunca fui fã de Akira Kurosawa e odeio os filmes de Takeshi Kitano, fui gostar dessa preciosidade. É claro que eu vou querer mais, vou oferecer alguma coisa pra emprestar pro rapaz pra poder conhecer mais dessas maravilhas da cultura nipônica. Já sei que MEU VIZINHO TOTORO é do mesmo diretor e esse foi lançado em vídeo no Brasil. Agora é ir atrás. LAPUTA não foi lançado em vídeo no Brasil e essa cópia é destinada exclusivamente a mostras de animes.

LAPUTA: O CASTELO NOS CÉUS conta a história (intrincada) de Sheeta, uma garota que possui uma pedra de levitação bem valiosa. Ela vive num dirigível nos céus, presa por um grupo de homens que usam óculos escuros e planejam, com a ajuda da garota, encontrar a lendária Laputa, a cidade suspensa nas nuvens. A pedra é também perseguida por um grupo de piratas liderado por uma velha. A primeira cena do filme é espetacular, com os piratas atacando o dirigível e Sheeta caindo dos céus ao som de uma das mais belas músicas que eu já ouvi. Sheeta, como está com a pedra de levitação, flutua no céu até cair num vilarejo e encontrar um garoto chamado Pazu. Isso é só o começo dessa história de duas horas de duração. O desenho é perfeito em seus detalhes, a animação dá de dez no manjado padrão Disney e a história é intricada e não subestima a inteligência do espectador. Eu, inclusive, tive de rever o filme quase todo pra perceber coisas que tinha deixado passar na primeira vez. Filmaço. E espero que seja apenas o primeiro dos vários filmes que pretendo descobrir dessa preciosa safra.

quinta-feira, dezembro 19, 2002

TÚMULO SINISTRO (The Tomb of Ligeia)



O último filme do ciclo Roger Corman-Poe-Vincent Price que o Fab Rib gravou pra mim. Bom, eu precisaria rever o filme com mais calma. Sei que eu estava muito disperso, o filme não conseguiu prender a minha atenção. Fazendo um balanço dos cinco filmes da fita, em ordem de preferência, um top 5:

1. O CASTELO ASSOMBRADO (The Haunted Palace)
2. MURALHAS DO PAVOR (Tales of Terror)
3. TUMULO SINISTRO (The Tomb of Ligeia)
4. ORGIA DA MORTE (The Mask of the Red Death)
5. O CORVO (The Raven)

TUMULO SINISTRO é baseado no conto "Ligeia" de Edgar Allan Poe. Esse é um dos contos de Poe que eu mais gosto. E pelo que eu pude notar, o mais autobiográfico dos contos dele. Abaixo, transcrevo um trecho da minha monografia de final de curso que tenta traçar um paralelo entre a vida e a obra do escritor maldito. Com relação ao filme, eu gostei do começo, mostrando o enterro de Ligeia, a música tema enquanto aparecem os créditos também é belíssima e o tom sério do filme é bom, mas funcionaria melhor se Vincent Price não fosse tão canastrão. Por isso não dá pra levar tão a sério. (Ah, por falar em Vincent Price, hoje no canal Mundo tem #Biografia - Vincent Price# às 21 hs. Quero gravar.) Outra coisa que me encheu o saco foi aquele gato que aparecia a todo momento tentando assustar. O bom é que do meio pro final o filme melhora, ganha ritmo. Um dos bons filmes do homem, mas o meu preferido dele continua sendo FRANKENSTEIN UNBOUND, filme que eu tive o prazer de assistir no cinema e até hoje é o melhor filme de Frankenstein que eu já vi.

Abaixo, trecho da monografia comentando as semelhanças entre o conto e o que acontecera com sua esposa Virginia, acometida por uma grave doença:

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Em "Ligeia", o narrador tenta se lembrar de quando conheceu sua amada esposa; acha que a causa desse esquecimento vem de uma memória fraca de tanto sofrimento. Na passagem abaixo podemos identificar a pessoa de Poe, já exausto por causa dos sofrimentos que o destino lhe reservara, se entregando à pessoa do personagem:

I cannot for my soul, remember how, when, or even precisely where, I first became acquainted with the Lady Ligeia. Long years have since elapsed, and my memory is feeble through much sufferring.

Poe perdera sua esposa, Virginia, em janeiro de 1847. "Ligeia" trata da perda de uma esposa amada, tendo o narrador demonstrado, logo no início do conto, o quanto sente sua falta, numa narrativa de tom extremamente melancólico, como podemos ver a seguir :

Buried in studies of a nature more than all else adapted to deaden impressions of the outward world, it is by that sweet word alone - by Ligeia - that I bring before mine eyes in fancy the image of her who is no more.

Apesar de todo o talento de Poe para o grotesco e o horroroso, não há em toda a sua obra uma única passagem que tenha explorado a luxúria ou mesmo as indulgências sensuais. Seus retratos de mulheres são aureolados; brilham de maneira sobrenatural e são pintados à maneira de um adorador. Em "Ligeia", a descrição da personagem-título confirma essa idolatria. Ligéia parece mais uma criatura divina do que uma pessoa de carne e osso. No entanto, o padrão de beleza perfeita para Poe tinha como detalhe físico uma pele pálida. Vejamos abaixo um techo da descrição de Ligéia:

I examined the contour of the lofty and pale forehead - it was faultless - how cold indeed that word when applied to a majesty so divine! - the skin rivalling the purest ivory, the commanding extent and then the raven-black, the glossy, the luxuriant and naturally-curling tresses...

A mais espantosa semelhança com a vida de Poe em "Ligeia" está nas coincidências entre um trecho encontrado em uma de suas cartas e o momento do clímax do conto. Sabe-se que, perto do final do conto, o narrador presencia sua segunda esposa, Lady Rowena, já estendida, morta em sua cama de ébano, recuperar o rubor em seu rosto e, também, voltar a respirar levemente. Ele presencia esse reviver e morrer alternados durante várias horas da noite. Comparemos essa parte do conto com o trecho de uma carta que Poe escreveu a George W. Eveleth, em janeiro de 1848:

Seis anos atrás, uma esposa, a quem amei como nenhum homem jamais amou, rompeu um vaso sangüíneo durante o canto. Sua vida foi dada como perdida. Me despedi dela para sempre e passei por todas as agonias de sua morte. Ela se recuperou parcialmente e de novo tive esperança. Ao final de um ano o vaso partiu-se novamente - passei exatamente pelo mesmo drama. Novamente cerca de uma ano depois. Então de novo - de novo - de novo e ainda mais uma vez a intervalos variados. Todas as vezes eu sentia todas as agonias de sua morte - e a cada acesso do distúrbio a amava com maior ternura e me aferrava à sua vida com mais desesperada pertinácia. (...) Tinha realmente quase abandonado qualquer esperança de uma cura permanente quando encontrei uma na morte de minha esposa. Isto posso e de fato suporto como cabe a um homem - era a interminável e terrível oscilação entre esperança e desespero que eu não conseguia mais suportar sem a perda total da razão. Na morte do que era minha vida, então, recebi um novo golpe - ó Deus! como é triste uma existência.

Ao ler carta tão trágica, e ao perceber a espantosa coincidência que ela traz em relação ao conto, parece impossível não ligar a vida à obra de Edgar Allan Poe. Começando como um "copiador" do estilo de alguns escritores ingleses e alemães, Poe se tornou um autêntico romântico, tendo sua vida trágica estampada nas páginas de seus contos, ensaios, cartas e poemas.

(Texto escrito durante o segundo semestre de 1998)

segunda-feira, dezembro 16, 2002

SCHRADER E PENN



TEMPORADA DE CAÇA (Affliction)
UNIDOS PELO SANGUE (The Indian Runner)

 No fim de semana dois filmes que abordam temas, ao mesmo tempo, universais e bem americanos foram o destaque. Os dois filmes têm várias coisas em comum.

O primeiro, TEMPORADA DE CAÇA (1997), é um filme de Paul Schrader, grande diretor e celebrado roteirista. Traz um elenco de peso - Nick Nolte, Sissy Spacek, Willem Dafoe e James Coburn em estado de graça. O papel deu um Oscar de ator coadjuvante para Coburn, morto há poucos dias. Ele é o pai agressivo de Nick Nolte e que se torna uma lenda na cidade, graças às maldades que ele fizera com os filhos. Nick Nolte é um dos filhos traumatizados do velho. Ele está cheio de problemas. Está separado da mulher, sua filha, que ele tanto quer ter a guarda, não gosta dele, ele está sofrendo de uma terrível dor de dente e não é respeitado como policial por quase ninguém da cidadezinha. A cidade é gélida como a de O DOCE AMANHÃ, outro filme baseado em romance de Russel Banks. Eu diria que foi com esse filme que Nolte interpretou o seu melhor papel. É tocante vê-lo incompreendido, sem conseguir fugir do estigma de burro e violento. E o final é sensacional.

UNIDOS PELO SANGUE (1991) é o primeiro filme dirigido por Sean Penn. A cidade do filme também é pequena, ainda que não seja gelada. O elenco também é de peso e a direção de Penn também é super-segura. O elenco traz David Morse, Viggo Mortensen (hoje conhecido pelo seu papel de Aragorn em Senhor dos Anéis), Valeria Golino, Patricia Arquette, Charles Bronson e Dennis Hopper. As primeiras imagens do filme já denunciam o filmão que estaremos prestes a ver. A primeira cena mostra um índio caçando um cervo e poucos antes da morte do animal, ele aspira o resto de seu sopro de vida. O filme foi baseado numa canção de Bruce Springsteen. Canção belíssima. Aliás, música boa é que não falta no filme. Na trilha, além de Springsteen, tem "Summertime" com Janis Joplin, tem Jefferson Airplane, the Band, Creedence. Taí um filme com grandes qualidades. Na história, David Morse é um policial correto de uma cidadezinha americana. Viggo Mortensen é o seu irmão errado, torto, que gosta de brigar, ir preso e não consegue se adaptar à rotina de uma pessoa normal. Charles Bronson, num belo e digno papel, é o pai dos dois.

Assim como no filme de Schrader, UNIDOS PELO SANGUE mostra o drama de pessoas que não conseguem fugir de si mesmas. O drama de Nick Nolte é parecido com o drama de Mortessen. No filme há dois pais, vividos por atores veteranos, fazendo papéis pequenos. (Curiosamente os dois, Bronson e Coburn, estiveram no filme SETE HOMENS E UM DESTINO) Os dois filmes retratam a vida em cidades pequenas e bem americanas. E os dois filmes são de uma beleza que só vendo.

quarta-feira, dezembro 11, 2002

TRÊS FILMES



MATA-ME DE PRAZER (Killing Me Softly)

Tinha tudo pra ser um puta filme: Heather Graham pelada em filme erótico dirigido pelo craque chinês Chen Kaige (ou Kaige Chen?), diretor dos ótimos ADEUS, MINHA CONCUBINA e A VIDA POR UM FIO. Mas Hollywood não fez bem pra ele e é melhor mesmo ele voltar pra sua terra. Também, depois dessa vergonha. Uma das piores coisas do filme é Joseph Fiennes. Esse sujeito não desperta a simpatia dos marmanjos. A história parece daqueles filmes que passam no Cine Privê da Band: moça se apaixona por estranho com passado misterioso e atitudes violentas e, depois que se casa, começa a desconfiar dele. É ruim, mas gostei de uma cena de sadomasoquismo em que Heather é quase estrangulada. Legal foi ouvir os comentários do pessoal no cinema: "depois daqui eu vou pro Chalex (motel tradicionalmente vagabundo do centro da cidade).

HI, MOM!

Graças ao amigão Renato Doho, pude conferir esse que é um dos primeiros filmes de Brian DePalma. HI, MOM! (1970) é um filme engraçado. Tem um senso de humor estranho e como eu nunca tinha visto uma comédia do DePalma, ainda não sei se gostei ou não do filme. Aqui vê-se citações explícitas à JANELA INDISCRETA, do Hithcock, uma certa adoração à câmera e a vontade de experimentar. O DePalma virtuoso com o uso da câmera chegou ao máximo em OLHOS DE SERPENTE, mas aqui ele ainda quer só experimentar. Pelo que eu pude entender há duas linhas na história: há a comédia, com Robert DeNiro cheio de manhas pra conseguir uma garota, e a há a parte da contra-cultura, com câmera tremida, meio documental e com a imagem no formato de televisão dos 60´s e aquele espírito rebelde que aqueles anos exalavam. Bom filme.

LATITUDE ZERO

Taí outro filme que me deixou indeciso se gostei ou não. Mas, assim como o filme do DePalma, esse vale a conferida. O começo do filme lembra LAVOURA ARCAICA. Só que em vez de um rapaz se masturbando, aqui temos uma mulher grávida. Assim como Lavoura, depois da cena da masturbação, ouve-se alguém batendo a porta. A mulher é Debora Duboc e quem está batendo a porta é Cláudio Jaborandy. Eles são os únicos atores do filme. Até o minuto final a gente vai ver apenas eles no filme. Ela mora num lugar no fim do mundo, na região norte do Brasil, mais quente que o Piauí. Ele é um policial perseguido que está se escondendo. O relacionamento entre os dois vai se estreitando. Boa a cena de tesão entre os dois, as tomadas do sol se pondo, a interpretação deles, o ótimo roteiro (tenho impressão que nos créditos no cinema vi o nome de Fernando Bonassi, mas no IMDB não consta). Acho que o meu problema com o filme foi o fato de me deixar muito desconfortável. Odeio choro de criança, grito de mulher histérica e bêbado chato.

terça-feira, dezembro 03, 2002

TRÊS FILMES






















VIDA QUE SEGUE (Moonlight Mile)


Terceiro longa de Brad Silberling e que mantém em comum com os anteriores (GASPARZINHO e CIDADE DOS ANJOS) o tema da morte. Nesse filme, Jake Gyllenhaal (o perturbado de POR UM SENTIDO NA VIDA) é o rapaz que passa a morar com os pais de sua namorada depois que ela é assassinada. Silberling tenta não tornar o filme piegas, mas eu não sei se isso é vantagem, já que o filme ficou muito frio. Os pais da moça são interpretados por Dustin Hoffman e Susan Sarandon, dois atores consagrados. No elenco de conhecidos também tem Holly Hunter como a advogada. Apesar de ser o mais pessoal dos filmes de Silberling (ele também teve a namorada assassinada), o filme não é tão inspirado. Melhor rever GASPARZINHO.

O IMBATÍVEL (Undisputed)

Pra mim o filme foi uma tremenda decepção. Eu também estava curioso em saber porque a crítica não tinha se pronunciado em relação ao filme de Walter Hill, quando de sua estréia. Parece que a razão foi mesmo aquilo que o Renato disse: quiseram esconder da crítica pra evitar as más línguas. O filme não chega a lugar nenhum. A "história" é mais ou menos assim: campeão mundial de boxe (Ving Rhames) é preso por estupro (alguém lembrou de Mike Tyson?). Chegando na prisão, ele vai enfrentar o campeão de boxe de lá: Wesley Snipes. A trama é bem simples, não tem reviravolta nenhuma, as cenas de luta são das piores que eu vi (melhor rever os filmes da série ROCKY) e os personagens não chamam a gente pra torcer por nenhum. Parece que Walter Hill continua em decadência. Infelizmente. Estou com um filme dele gravado lá em casa ainda pra ver - WILD BILL, western de 1995 com um elenco de primeira (Jeff Bridges, Ellen Barkin, John Hurt, Diane Lane, Keith Carradine, David Arquette, Christina Applegate..ufa!). Alguém já viu esse? É bom?

Depois desse filme lembrei de outros filmes de boxe e coloco aqui um top 5:

TOURO INDOMÁVEL, de Martin Scorsese
HURRICANE, de Norman Jewison
ROCKY, O LUTADOR, de John G. Avildsen
ROCKY II , de Sylvester Stallone
ROCKY III, de Sylvester Stallone

NUNCA TE AMEI (The Browning Version)

Filme legal de Mike Figgis trazendo Albert Finney como um professor carrasco de Grego e Latim que é maltratado pela esposa, que o chifra, e pelos alunos e colegas de escola, que o chamam de Hitler. Ao se preparar para deixar a escola, ele se comove ao ganhar uma versão rara de um aluno simpatizante. É comovente já que quando não recebemos o carinho que achamos que merecemos e de repente alguém nos é gentil, ficamos realmente sensibilizados. Belo filme de Figgis. No elenco ainda: Gretta Scacchi, Matthew Modine e Julian Sands.

Mas a melhor coisa do final de semana mesmo foi rever VELUDO AZUL gravado da edição especial em DVD com som de primeira e widescreen glorioso. È um filme que dá imenso prazer em rever. Ainda vi o excelente documentário Mysteries of Love e as cenas deletadas mostradas em alguns fotogramas recuperados e sem som. Maravilhoso.